Documentário idealizado por liderança indígena mostra cultura e realidade dos Panará

O documentário idealizado por Akââ Panará expõe a necessidade de ecoar as ameaças constantes ao território indígena e às formas de sobrevivência de seu povo.

Idealizado por uma liderança Panará, documentário foi exibido pela primeira vez na nova aldeia Nãsêpôtiti para cerca de 200 pessoas. Foto: Marcos Botelho JR/Unicamp

Um ano e meio depois da primeira viagem da equipe da Secretaria Executiva de Comunicação (SEC) da Unicamp à Terra Indígena (TI) Panará, localizada na divisa dos estados do Mato Grosso e Pará, chegou o tão esperado momento de exibição de ‘Nãsêpôtiti, rio, terra e luta Panará’.

O documentário foi idealizado por uma das lideranças Panará, Akââ Panará, que expôs a necessidade de ecoar as ameaças constantes ao território indígena e às formas de sobrevivência de seu povo, ligadas essencialmente ao rio Iriri, chamado Nãsêpôtiti no trecho que banha as aldeias, e as transformações que os peixes e a vazão do rio vêm sofrendo. A produção audiovisual fica a partir de agora disponível no canal da TV Unicamp no Youtube.

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Etnia Panará

O desejo do líder Panará foi manifestado para pesquisadoras da Unicamp durante uma conversa na aldeia Nãsêpôtiti, em 2023, quando realizavam parte do projeto de pesquisa liderado pela professora Cassiana Montagner, coordenadora do Laboratório de Química Ambiental do Instituto de Química (IQ).

A convite da Associação Iakiô, criada pelos Panará na década de 1990, a pesquisa avalia a segurança hídrica da bacia do rio Iriri, envolvendo alunos de pós-graduação do IQ, a doutoranda Zaira Moutinho, do Instituto de Geociências (IG), e onze bolsistas Panará.

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Montagner relembrou como tudo começou. “Em março de 2023, entre tantos e-mails, estava o da Zaira [Moutinho], uma doutoranda do IG, com um pedido que era claro e, ao mesmo tempo, complexo: ‘Professora, precisamos analisar a vulnerabilidade da bacia do rio Iriri, que é considerada a principal fonte de vida para a comunidade indígena Panará’”.

O e-mail motivou a primeira expedição da equipe em agosto do mesmo ano. “Em janeiro de 2024, na segunda expedição, teve início uma relação ainda mais profunda do que apenas a pesquisa que estávamos realizando. E foi aí que o documentário nasceu”.

Os pesquisadores Zaira Moutinho (ao fundo) e Luiz Felipe Lobo em trabalho de campo no Rio Iriri. Foto: Marcos Botelho Jr

A partir do convite de Montagner para que a Secretaria Executiva de Comunicação registrasse em vídeo a história oral dos anciãos e anciãs Panará, as repórteres Hebe Rios e Bruna Mozer e o repórter cinematográfico Marcos Botelho Jr. foram para as aldeias nos períodos de julho e setembro de 2024. A equipe de reportagem da SEC fez os registros audiovisuais para o documentário e uma série de reportagens multimídia para o Jornal da Unicamp.

Em 9 de dezembro de 2025, durante o último dia da assembleia anual dos Panará, quase dois anos depois do início da pesquisa, o documentário foi finalmente apresentado na nova aldeia Nãsêpôtiti, recentemente concluída.

Aos poucos, o novo espaço está sendo ocupado pelos Panará que deixaram suas casas na antiga aldeia, ainda o lar das famílias – cuja transferência será feita em 2026 – e sede das casas de apoio destinadas à assistência médica da Secretaria Estadual da Saúde, ao Instituto Socioambiental e às equipes de apoio (motoristas, professores, enfermeiros) e de projetos de pesquisa.

Casa dos Homens, instalada em área central da aldeia, onde são realizados eventos importantes. Foto: Marcos Botelho JR

Cerca de duzentas pessoas acompanharam a exibição, entre elas o líder Akââ, que, apesar da saúde frágil e dos problemas de visão, fez questão de ir até a casa dos homens, em uma área central da aldeia, onde são realizados todos os eventos importantes, como rituais, encontros, danças e o moitará (troca de objetos entre os indígenas e os não indígenas).

Akââ reforça no documentário a importância de desenvolver projetos de pesquisa que ajudem a mapear e a combater ameaças de toda ordem, endossando a continuidade do projeto desenvolvido pela Unicamp. A equipe de pesquisadores aproveitou a viagem até a TI Panará, para realizar uma nova medição da vazão do rio Nãsêpôtiti no trecho que banha três aldeias. A intenção é obter as médias de vazão nos períodos da cheia e da seca e estabelecer comparativos com outros períodos, para identificar possíveis alterações no volume da água do rio e suas causas.  

Montagner espera que o trabalho de pesquisa não seja prejudicado pelo fim da participação de uma das empresas que financiavam, junto à Conservação Internacional Brasil, o amplo projeto de monitoramento, que inclui, além da água (pesquisa da Unicamp), a fauna e a flora daquela terra indígena.

“Vamos buscar alternativas. A pesquisa envolve também os pesquisadores Panará, que não podem parar esse trabalho tão importante”, afirma Montagner. A notícia do fim do financiamento foi dada durante a assembleia e deixou as lideranças indígenas muito apreensivas.

Nova aldeia Nãsêpôtiti. Foto: Marcos Botelho Jr

Ainda sem saber desse fato, Akââ sorriu várias vezes durante a exibição e demonstrou satisfação ao ver a própria história e a de seu povo expostas em um telão, para uma plateia envolvida e atenta. 

O documentário, dividido em oito partes, mostra como os Panará vivem em um território cada vez mais ameaçado pela proximidade com as grandes fazendas e pelas técnicas de manejo do solo, como a aplicação intensiva de agrotóxicos, por exemplo. 

Ao serem carreados para o rio Iriri, agrotóxicos e fertilizantes podem provocar mortandades de peixes – as mais recentes foram registradas em junho de 2025, em 2017 e em 2003 – e uma série de consequências para a vida nas aldeias. As mudanças climáticas também têm alterado o regime de chuvas e a produção das roças, afetando diretamente o sustento das aldeias que vivem exclusivamente dos recursos naturais da terra indígena Panará. 

Os anciãos e anciãs indígenas, tapuntun e tuatun respectivamente, conhecem o território desde antes da tomada das terras pela política desenvolvimentista do governo da ditadura militar. A abertura da BR-163, na década de 1970, cortou a terra indígena Panará, abrindo espaço definitivo para a exploração descontrolada e predatória, por meio do garimpo e, mais tarde, do agronegócio.

Plantações de soja cada vez mais próximas do território indígena. Foto: Marcos Botelho Jr

Hoje o garimpo ainda é uma ameaça. Nesta viagem à aldeia Nãsêpôtiti, a equipe da SEC flagrou, quase às margens do Rio Peixoto, uma extensa área de garimpo, aparentemente legalizado, na mesma região onde foram registrados os primeiros contatos entre os não indígenas e os Panará, que provocaram a morte de centenas deles 55 anos atrás. De uma população de cerca de 800 indígenas, ficaram apenas cerca de 70.

O resultado do monitoramento realizado pela Unicamp mostra fortes indícios da presença de agrotóxicos na água do rio Nâsêpôtiti, e apesar de a quantidade não oferecer, por enquanto, riscos de intoxicação, gera um importante alerta para o controle da contaminação das águas. “Essas substâncias não deveriam estar no rio, principalmente na frequência com que foram encontradas”, afirma Montagner.

A realidade atual parece reacender as feridas ainda não cicatrizadas do passado recente. O cacique da aldeia Kôtikô, Sukiã Panará, emocionou-se ao ver anciãos, como o próprio pai, relatando a triste história do quase extermínio do povo Panará e da transferência forçada, no passado, para o Parque Indígena do Xingu, revertida anos depois pelas lideranças indígenas.

Mas Sukiã Panará também ressaltou que o documentário ficou muito bom – Kin pytinsi (tradução Panará) e que gostou de ver na história o exemplo de luta. Entre os mais jovens, houve uma impressão parecida, além da satisfação de ver a cultura retratada no documentário para ficar na memória do não indígena também. A sensação de dever cumprido veio, porém, de quem as equipes de pesquisadores e jornalistas mais esperavam.  Akââ disse, ao encontrar a equipe, que o documentário é muito importante para o povo Panará. Junto a ele, na despedida da aldeia, Montagner retribuiu emocionada: “O senhor foi muito importante para a realização do documentário. Obrigada!”.

O líder Sukiã Panará: realidade atual reacende feridas do passado. Foto: Marcos Botelho Jr

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal da Unicamp, escrito por Hebe Rios

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