Conhecidas como PANCs, espécies conseguem se desenvolver no quintal de casa e no meio de florestas, mas oferta ainda é irregular e sazonal por não possuírem cadeias produtivas estruturadas.
Jambu, cuxá, ora-pro-nóbis e os espinafres indianos, d’água e amazônico. Tem também inhame, celósia, caapeba-amazônica e cipó kupá. Esses são alguns exemplos de plantas alimentícias não convencionais (PANC) encontradas na Amazônia, seja em feirinhas locais da região ou no meio da mata.
Segundo pesquisadores, um prato típico da dieta do brasileiro pode se tornar mais nutritivo com a inserção de PANCs, pois há uma enorme variedade de espécies passíveis de consumo. Porém são pouco conhecidas.
“[PANCs] são todos aqueles alimentos que não são comuns, que não são corriqueiros, que não são do dia a dia, que não têm cadeia produtiva estabelecida, estruturada pelo menos. Aqueles alimentos que a gente encontra no supermercado de 1º de janeiro a 31 de dezembro, esses são os alimentos convencionais. Tudo o que não for dessa linha convencional é PANC”,
explicou o pesquisador Nuno Madeira, da Embrapa Hortaliças.
Algumas dessas plantas alimentícias não convencionais se desenvolvem em ambientes como o bioma amazônico. Também se adaptam bem ao cultivo no quintal de casa. Contam com uma, duas ou mais partes aptas a complementarem o cardápio diário e são utilizadas por indígenas, quilombolas e pequenos agricultores.
Para a engenheira agrônoma Julceia Camillo, “quanto mais diversificada for a alimentação em PANCs, mais diversificadas serão as fontes de nutrientes, de proteínas, de sais minerais, de todos os nutrientes essenciais que a gente precisa no nosso dia a dia”.
Mas a oferta dessas espécies ainda é irregular e sazonal por lapsos na cadeia produtiva. Ainda não dividem espaço com outros vegetais nas gôndolas dos supermercados, nem mesmo se somam às refeições do dia a dia, compostas basicamente por arroz, feijão, tomate e alface.
O pesquisador Nuno Madeira acredita que a mudança no padrão de vida das pessoas pode ter influenciado na falta de conhecimento dessas espécies. “Veio esse mercado trazendo facilmente algumas espécies que desenvolveram cadeias produtivas muito fortes, muito estruturadas, trazendo facilidade de acesso. Então a gente acha que foi essa mudança no padrão de vida do brasileiro. Uma população isolada tem que se virar. Ela tem que produzir seu arroz, seu feijão”, complementou o pesquisador.
Nascida na tese de doutorado do pesquisador e biológo Valdely Kinupp, a expressão PANC começou a ser adotada há 12 anos. Mas Kinupp lembra que, por mais que uma determinada espécie vegetal seja tradicional em uma localidade, “o tradicional está anos luz do convencional”, já que são plantas disponíveis em qualquer lugar.
“Trabalhamos para que os chefes de cozinha, os nutricionistas, as cozinheiras, os cozinheiros, os comensais, como todo ser humano heterotrófico tem que comer, passarem a conhecer esses recursos alimentícios diferenciados para mudar seus hábitos alimentares”, reforçou.
“A ideia das PANCs não é deixar de comer arroz, trigo, maçã, banana, alface. Só acho muito repetitivo e que causa um impacto econômico, ambiental e social muito grande a restrição a esses impérios agroalimentares e a ditadura das monoculturas e dos grandes supermercados que nos impõe esses alimentos tanto frescos e, principalmente, processados e ultraprocessados baseados nas mesmas plantas”,
explicou Valdely Kinupp.
Preservação e tendência de mercado
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) detalha que ao menos 400 mil plantas já foram identificadas em todo mundo. Dessas, 30 mil estão aptas a comporem o cardápio diário. Mas cerca de 6 mil apenas foram cultivadas para produzir alimentos e, atualmente, se usa por volta de 170 em escala comercial significativa. Valdely Kinupp estima que, no mínimo, 10% da biodiversidade do planeta seja comestível.
“Essas plantas precisam ser garimpadas. Precisam ser pesquisadas. Muitas delas já têm algum estudo, outras não têm nada, outras não são nem descritas pela ciência botânica e já são comestíveis. Biodiversidade que gera emprego, biodiversidade que tem liquidez é biodiversidade que entra pela boca, no caso das alimentícias”, complementou Valdely Kinupp.
A agrônoma Thelma Pontes viveu 10 anos na Amazônia trabalhando com hortaliças não convencionais, legumes e verduras que fazem parte de um subgrupo das PANCs. Segundo ela, esse garimpo, mencionado por Kinupp, de pesquisas e informações sobre as PANCs ainda é escasso, principalmente no que diz respeito aos vegetais nativos. Cita também que expandir o conhecimento sobre essas plantas alimentícias é sinônimo de preservação.
“Esse interesse em cultivar essas plantas, em estudar essas plantas, as suas propriedades nutricionais, valorizar a culinária, está diretamente ligada a preservação dos biomas. A preservação da Amazônia, a preservação da cultura dos povos tradicionais, mas também a preservação da Mata Atlântica, do Cerrado, da Caatinga, de todos os biomas que a gente tem no Brasil porque essas plantas são locais, apresentam uma rusticidade”, explicou a pesquisadora.
No Amazonas, a Rede Maniva de Agroecologia (Rema) tenta suprir a falta de conhecimento e expandir essas espécies vegetais em feiras e mercadinhos do estado há 15 anos por meio de parcerias entre agricultores, ribeirinhos e cerca de 30 organizações. Para Renata Peixe-Boi, membro do movimento social, as plantas alimentícias não convencionais têm potencial para se tornarem tendência no mercado.
“Na Amazônia existem condições que são extremamente específicas e, para isso, a gente precisa também de uma agricultura que seja específica, voltada pra essa região para que haja um desenvolvimento socioeconômico. Com isso, as plantas alimentícias não convencionais são um recurso bem estratégico que, muitas vezes, já fazem parte do consumo tradicional das comunidades”, concluiu Renata.
*Por Mayara Subtil, do Grupo Rede Amazônica