Contaminação por mercúrio de andorinhas azuis acende alerta para saúde humana na Amazônia, aponta estudo

Em estudo realizado pelo Butantan, aves contaminadas podem ter problemas hepáticos, renais e neurológicos. População ribeirinha também está exposta.

Nas últimas décadas, a América do Norte tem registrado um declínio significativo em suas populações de aves – entre elas as andorinhas azuis, que sofreram uma redução de 25% nos últimos 60 anos. E uma das respostas para esse problema está no Brasil, de acordo com um estudo do Instituto Butantan feito em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade do Norte do Arizona, nos Estados Unidos. 

Publicado na Environmental Pollution, o trabalho mostra que essas aves, que migram para a Amazônia no verão, voltam para o norte contaminadas por mercúrio – o que também pode ter graves implicações para a saúde de populações ribeirinhas.

O metal foi encontrado nas penas de uma das três subespécies da ave (Progne subis subis), em amostras coletadas após o seu retorno para os EUA, quando se preparavam para construir seus ninhos. A coleta ocorreu em 2019 nos estados de Wisconsin, Virgínia e Flórida. 

As andorinhas contaminadas apresentaram perda de massa corporal e reserva de gordura reduzida, fatores que comprometem a sua capacidade de migração e reduzem a probabilidade de voltarem para a América do Norte e se reproduzirem. Além disso, a exposição ao mercúrio pode causar disfunção hepática e renal, anemia, redução do crescimento e problemas reprodutivos e neurológicos.

As andorinhas-azuis se reproduzem na América do Norte e invernam no Brasil; a subespécie P. subis subis migra para a Amazônia. Foto: Dado Galdieri

A Amazônia é naturalmente rica em mercúrio, devido a aspectos característicos de sua origem geológica. De acordo com a pesquisadora do Museu Biológico do Butantan Erika Hingst-Zaher, uma das responsáveis pelo estudo, o garimpo ilegal de ouro é uma das principais causas da contaminação dos rios, seguida da construção dos reservatórios das usinas hidrelétricas, açudes e outros locais onde o fluxo da água é reduzido.

“A contaminação das andorinhas azuis reforça a importância do conceito de saúde única, da interligação entre os seres vivos em uma teia que forma os ecossistemas. As andorinhas se contaminam porque se alimentam dos insetos que eclodem a partir de larvas aquáticas, os peixes também se alimentam dessas larvas e insetos, e a população ribeirinha se alimenta de peixes contaminados, acumulando o mercúrio em seu organismo”,

aponta Erika.

Além de serem importantes para o controle das populações de insetos, as andorinhas servem como bioindicadores da saúde dos ecossistemas. Segundo Erika, a situação é um alerta para a saúde humana, inclusive no que diz respeito a novas epidemias e pandemias.

“Nós já sabemos, e durante a pandemia de Covid-19 ficou muito claro, que a simplificação do ecossistema através da extinção pontual de espécies nos torna mais suscetíveis ao transbordamento de vírus – quando um vírus que infecta animais passa a infectar humanos”, ressalta.

Os próximos passos do estudo são investigar as outras duas subespécies de andorinhas azuis (Progne subis arboricola e Progne subis hesperia) e descobrir para qual local do Brasil elas migram durante a invernada e a quais ameaças elas estão submetidas. “Nossa hipótese é que em outros lugares do país, por exemplo no Sudeste, a contaminação estaria mais associada a pesticidas”, explica a cientista.

O projeto faz parte da iniciativa Purple Martin Conservation Association (PMCA), uma associação internacional voltada à conservação de andorinhas azuis, que inclui colaboradores como a Universidade de Manitoba (Canadá), a Universidade do Norte do Arizona (Estados Unidos), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Instituto Butantan.

Povos indígenas já estão contaminados 

O mercúrio também representa uma grave ameaça à saúde dos seres humanos. A contaminação das populações indígenas pelo metal é um fato comprovado na literatura científica. O povo Munduruku, que habita a região do Rio Tapajós, no Pará, é um dos mais afetados – 58% das pessoas dessa nação apresentam níveis de mercúrio na circulação sanguínea acima do limite seguro, de acordo com estudo da Fundação Oswaldo Cruz.

A história dos Munduruku é contada no filme “Amazônia, a nova Minamata?”, lançado em maio no Brasil, que associa a propagação do mercúrio na região amazônica ao desastre ambiental ocorrido em 1954 na cidade japonesa de Minamata. Uma indústria local despejava resíduos de mercúrio na baía desde 1930 e, anos depois, sintomas de contaminação começaram a ser vistos na população. O evento motivou a Organização das Nações Unidas (ONU) a criar a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, em 2013, para combater os efeitos deletérios do metal.

Cientistas coletam amostras biológicas das andorinhas-azuis durante sua invernada, no Rio Negro. Foto: Dado Galdieri

Gripe aviária e o monitoramento de aves migratórias

De acordo com Erika Hingst-Zaher, outra razão importante para monitorar aves migratórias é a vigilância epidemiológica de vírus emergentes. Nesse contexto, a pesquisadora integra a Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres (PREVIR), com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que tem como parceiros diferentes instituições do Brasil e do exterior. O vírus da gripe aviária (H5N1), que ganhou força recentemente e têm se espalhado pelas aves da América do Sul, é uma das preocupações da rede.

Em maio, o Butantan iniciou o processo de desenvolvimento de uma possível vacina contra o H5N1 e está conduzindo os testes pré-clínicos do primeiro lote piloto. O objetivo é preparar o Brasil para uma possível epidemia da doença, especialmente após o vírus ter sido detectado em algumas espécies de aves silvestres no país. Até o final de julho, o Ministério da Agricultura e Pecuária identificou 69 focos de gripe aviária. Nenhum caso humano foi registrado até julho.

Impactos das mudanças climáticas na saúde única

E não são apenas as contaminações ambientais e os vírus que interferem na saúde dos ecossistemas. Outra linha de pesquisa à qual Erika se dedica envolve os efeitos do aquecimento global nos animais, explorados pela Rede de Coordenação de Pesquisa g2p2pop. Idealizado pela Universidade do Norte do Arizona, o grupo é formado por mais de 300 pesquisadores de 27 países que buscam compreender como as espécies podem se adaptar às alterações climáticas.

Em março, 55 pesquisadores da rede se reuniram em um workshop na Amazônia, com discussões e apresentações de estudos. Uma das pesquisas recentes da rede, por exemplo, apontou que as lebres-de-cauda-branca dos Estados Unidos, que trocam de pelagem durante o inverno para se camuflar, têm ficado mais vulneráveis aos predadores à medida que a neve derrete mais rápido.

A Amazônia foi escolhida para sediar o evento devido à sua importância no contexto das mudanças climáticas. O último relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) mostra que o nível de emissões brasileiras em 2020 foi o maior registrado desde 2006, sendo a principal razão o desmatamento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 2030 e 2050, espera-se que a mudança climática cause aproximadamente 250 mil mortes adicionais por ano só por desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico.

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Contaminação por mercúrio de peixes do rio Madeira é o dobro do aceitável no Amazonas

Estudo realizado pela UEA também mostrou grande presença de coliformes no Rio Negro.

Leia também

Publicidade