A intervenção humana na floresta favorece e impulsiona a malária na Amazônia

De acordo com dois estudos liderados pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) apontam que as ações realizadas pelo homem interferem no comportamento e na distribuição de mosquitos transmissores de malária na região amazônica

A malária é considerada uma das doenças de maior impacto na mortalidade e morbidade em populações de países tropicais e subtropicais. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mostram que em 2019, 229 milhões de novos casos da doença foram notificados mundialmente, enquanto que em 2020, o Ministério da Saúde relatou 145 mil casos da doença no Brasil, 99% dos casos somente na Amazônia brasileira.

Os sintomas mais comuns são calafrios, febre alta, taquicardia, dores de cabeça e musculares, entre outros. Geralmente, a infecção por P. falciparum costuma ser mais grave – há um risco maior de se desenvolver a malária cerebral, responsável por cerca de 80% das mortes pela doença.

Foto: Reprodução / Boletim Epidemiológico Ministério da Saúde

 Publicado em Janeiro de 2022, dois estudos realizados pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) apontam que as ações realizadas pelo homem na floresta amazônica interferem no comportamento e na distribuição de mosquitos transmissores de malária na região.

O doutorado do biólogo Leonardo Suveges Moreira Chave Suveges Moreira Chaves em um dos resultados mostrou que as mudanças causadas pelo homem na vegetação da Floresta Amazônica diminuíram a biodiversidade de mosquitos e levaram o se tornar o principal vetor da malária na Amazônia, aumentando o risco de transmissão da doença. Além disso, foi constatado que ambientes florestais fragmentados, habitados por pessoas vulneráveis em casas precárias, são as fontes dessa espécie, enquanto habitats de florestas contínuas ou completamente desmatados, sumidouro.

“Fomos a assentamentos rurais em que havia ocorrência de malária e vimos essa relação: conforme o homem muda a paisagem, a comunidade de mosquitos também sofre alterações, favorecendo a dominância do Ny. darlingi”, explica Chaves. O trabalho deu origem a um artigo publicado em 2021 na revista Plos One.

O segundo estudo faz parte do também biólogo Gabriel Laporta, pesquisador do Centro Universitário FMABC. Para o trabalho, que foi publicado também no início de 2021 na Scientific Reports, Laporta analisou dados de mosquitos anophelinos capturados anteriormente e os utilizou para investigar o quanto o desmatamento impulsiona a ocorrência de malária em paisagens rurais.O maior risco da doença ocorre em locais onde o desmatamento acumulado atingiu cerca de 50% da cobertura vegetal fragmentada. O primeiro pico ocorre após dez anos do início do assentamento, e o segundo, 35 anos depois.

“Decidimos partir de uma teoria já descrita anteriormente – a malária de fronteira – e colhemos dados in loco das comunidades”, ressalta Laporta. Esse é um conceito que diz que a ocorrência de malária é consequência não só da presença do vetor, mas também das condições socioeconômicas de uma comunidade.”

As investigações de Chaves e Laporta fazem parte de um projeto maior, coordenado por Maria Anice Sallum, bióloga e professora do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Uma equipe de cientistas viajou, entre janeiro de 2015 a novembro de 2017, para 12 municípios da Amazônia brasileira, e conseguiram capturar mais de 25 mil espécimes de mosquitos, de 173 espécies em 17 gêneros diferentes.

 A pesquisa de Chaves

Para realizar a pesquisa, Chaves, selecionou mosquitos capturados em 79 unidades de coleta – assentamentos rurais que compreendiam, principalmente, fazendas de subsistência – em 12 municípios nos Estados da Amazônia brasileira do Acre (Acrelândia, Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Rodrigues Alves), Amazonas (Itacoatiara, Guajará, Humaitá, Lábrea, São Gabriel do Pará), ( Pacajá), e Rondônia (Machadinho D’Oeste).

Cada unidade correspondia a uma residência com um habitat chamado de peridomicílio (área externa, distante cerca de 5 metros da entrada da residência), que se separavam umas das outras por aproximadamente 2,25 km (correspondente ao raio de voo do anopheles darlingi).

O círculo maior (vermelho) representa a área de amostra, e o círculo menor (azul), os pontos de coleta. A: habitat peridoméstico; B: habitat na orla da floresta – Foto: Reprodução/Plos One

“Em cada ponto amostral, escolhemos três tipos de paisagem: uma muito preservada, outra com certo grau de desmatamento (que variava entre 40% a 60% de cobertura florestal remanescente) e por último, uma área em que a porcentagem de floresta era inferior a 40%”, explica Maria Anice. “Além disso, era primordial ter presença de malária no local.”

Foram utilizadas três técnicas para prender os insetos. A primeira, chamada de humano protegido, foi feita próxima da residência. Os cientistas, devidamente paramentados, aguardavam os mosquitos que se aproximavam para se alimentar deles.

A segunda foi feita com armadilha de Shannon, usando luz e atração humana, e instalada na borda da mata. Os pesquisadores simulavam barracas muito simples – um quadrado de pano branco com um telhadinho, de acordo com Maria Anice – e penduravam uma lâmpada que atraía os insetos.

Por último, para observar o comportamento alimentar dos mosquitos, foi colocada uma rede entre o criadouro (margem da floresta) e a casa. A tela, que tocava o chão, foi dimensionada para que mais insetos caíssem na armadilha.

De hora em hora, os lotes de mosquitos eram fechados. Todo o material coletado (25.323 mosquitos) veio para São Paulo para ser devidamente identificado. 

Barraca de Shannon montada pelos pesquisadores – Foto: Reprodução / USP

“Em cada ponto amostral, escolhemos três tipos de paisagem: uma muito preservada, outra com certo grau de desmatamento (que variava entre 40% a 60% de cobertura florestal remanescente) e por último, uma área em que a porcentagem de floresta era inferior a 40%”, explica Maria Anice. “Além disso, era primordial ter presença de malária no local.”

Foram utilizadas três técnicas para prender os insetos. A primeira, chamada de humano protegido, foi feita próxima da residência. Os cientistas, devidamente paramentados, aguardavam os mosquitos que se aproximavam para se alimentar deles.

A segunda foi feita com armadilha de Shannon, usando luz e atração humana, e instalada na borda da mata. Os pesquisadores simulavam barracas muito simples – um quadrado de pano branco com um telhadinho, de acordo com Maria Anice – e penduravam uma lâmpada que atraía os insetos.

Por último, para observar o comportamento alimentar dos mosquitos, foi colocada uma rede entre o criadouro (margem da floresta) e a casa. A tela, que tocava o chão, foi dimensionada para que mais insetos caíssem na armadilha.

De hora em hora, os lotes de mosquitos eram fechados. Todo o material coletado (25.323 mosquitos) veio para São Paulo para ser devidamente identificado.

Depois das análise e tabulação dos dados, as espécies mais abundantes encontradas foram aquelas da subfamília Anophelinae (56%), com Ny. darlingi representando 83% do total de coleções de Anophelinae no peridomicílio. Outros, como a tribo Mansoniini (19%), Culicini 19% e Aedini 4%, também foram identificados. Mosquitos das tribos Aedeomyiini, Uranotaeniini e Sabethini representaram 1% do total coletado.

“No campo presenciamos várias ações relacionadas ao desmatamento, como forno de carvão, caminhões com toras de madeira circulando madrugada adentro, áreas recém-desflorestadas etc.”, comenta Chaves. 

Malária de Fronteira – A pesquisa de Laporta 

Entre um dos questionamentos, Laporta queria saber em quais configurações uma floresta tropical apresentaria um maior risco de transmissão da malária.

Para iniciar as investigações, Laporta partiu de uma teoria conhecida como “Malária de Fronteira”, descrita nas zonas de divisa com a Amazônia. Esse padrão está principalmente associado à ocupação de terras para expansão do agronegócio e da pecuária. Num primeiro estágio, as áreas recém-desmatadas são fortemente impactadas pela rápida intensificação da transmissão da doença, seguida de uma estabilização. Após vários anos, essa incidência diminui.

Os mecanismos subjacentes associados a esse estágio de transmissão são fatores ecológicos (desmatamento e perda de biodiversidade), que favorecem o aumento na abundância do vetor da malária e na taxa de infecção por Plasmodium. Fatores sociais, como habitações humanas melhoradas e melhor acesso a produtos para tratar malária levam a uma diminuição das taxas de infecção humana e de mosquito.

A grande novidade da tese de Laporta é que ele se baseou na coleta de dados realizada em assentamentos rurais. Esse desenho fornece informações detalhadas da escala da paisagem local e da incidência da malária. Dados de 21.242 espécimes de anofelinos pertencentes a 37 espécimes, coletados em 80 locais de 5 km2, em 12 municípios e quatro Estados da Amazônia entre 2015 e 2017, foram analisados.

Laporta também usou imagens de satélite, importantes para dar uma “visão geral” do que vem acontecendo na Amazônia ao longo dos anos. 

Gráfico de associação entre cobertura florestal (ou desmatamento acumulado) e incidência de malária – Foto: Reprodução/Scientific Reports

A Malária de Fronteira diz que há dois picos de transmissão da malária – dez e 35 anos após o início de um assentamento, seguida de uma desaceleração da incidência da doença depois do décimo ano, possivelmente devido à diminuição dos níveis de desmatamento, à melhoria do ambiente socioeconômico e melhor acesso a diagnóstico e tratamento. Por outro lado, a patogenicidade do local em termos de vulnerabilidade e receptividade à transmissão do Plasmodium permanece.

Um segundo pico de malária é observado 35 anos após o início de um assentamento e está associado a uma segunda onda de colonização, expansão das fronteiras locais de desmatamento, aumento da população humana resultante do crescimento das famílias e migração de colonos de outras áreas endêmicas de malária para uma área recém-colonizada.

Diferentemente do preconizado pela teoria anterior, os resultados das investigações de Laporta estimaram dois picos para a ocorrência de vetores. O primeiro ocorreu entre dez e 12 anos depois do início da organização de um assentamento por P. vivax, N. darlingi ou por vetores locais de malária. O segundo ocorreu entre 36 e 38 anos depois do início do assentamento por P. vivax – Ny. darlingi, quando os vetores secundários estavam ausentes. 

*Informações coletadas do Jornal da Usp


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Portal Amazônia responde: O que são doenças tropicais? – Portal Amazônia

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