Trata-se de uma proposta baseada em critérios ecológicos para que a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, libere volumes de água mais adequados para reprodução dos peixes.
O rio Xingu precisa pulsar para que a vida possa existir. O pulso de inundação é a fonte do ciclo da vida na maioria dos rios amazônicos. Os Juruna Yudjá da Terra Indígena Paquiçamba e as comunidades ribeirinhas da Volta Grande do Xingu sabem disso há muito tempo.
Para defender a promoção da vida, pesquisadores Juruna e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu, com acadêmicos de diversas áreas da ciência, lançaram a animação #PulsaXingu, que apresenta a proposta do ‘Hidrograma das Piracemas’.
Trata-se de uma proposta baseada em critérios ecológicos para que a Usina Hidrelétrica de Belo Monte libere volumes de água mais adequados para reprodução dos peixes.
Desde o barramento, em 2015, os povos impactados pela usina e a concessionária de Energia travam uma disputa pela água. Belo Monte desviou 70% do fluxo do rio Xingu para a produção de energia. Esse desvio é chamado ‘Hidrograma de Consenso’ pelo empreendedor, “mas de consenso não tem nada”, como afirma a animação.
Com essa vazão de água estabelecida pela concessionária, os peixes e outras espécies aquáticas começaram a morrer, uma das cenas reais que foi ilustrada no filme.
Em 2016, caracterizado pelos Juruna como o ‘ano do fim do mundo’, foram encontradas muitas tracajás mortas na região em locais que antes eram áreas de alimentação e reprodução desses animais. Toneladas de peixes mortos também foram observadas.
Ele tem piracema no nome porque essa proposta garante a ocorrência de algumas dessas áreas de reprodução migratória dos peixes e que haviam sido destruídas com as vazões de água operadas hoje pela Norte Energia. Essa luta pelo direito de partilha de água em seus usos múltiplos é o que fundamenta as ações do MATI desde seu surgimento, em 2013, fundamentado nos conhecimentos ecossistêmicos dos povos tradicionais da região.
Para quem é da cidade, piracema é um nome novo. Mas, para quem mora na beira do rio, piracema é uma palavra comum, que todo mundo conhece. A piracema, ali na Volta Grande, é o lugar onde as peixas vão desovar e onde os alevinos (filhotes de peixe) se desenvolvem. São lugares muito especiais, bolsões que acumulam águas de maneira diferenciada, proporcionando um lugar escondido e pacífico e que demoraram milhares de anos para serem criados pela natureza.
Um dos grandes impactos da UHE Belo Monte constatados e descritos pelo MATI é a interrupção das piracemas. A água do rio já não chega nesses locais no tempo certo nem na quantidade adequada para garantir a reprodução das peixas. Hoje, nesse trecho do rio Xingu, algumas espécies só têm indivíduos velhos, que estavam lá antes da instalação da usina.
O MATI monitora as florestas aluviais, as dinâmicas de pesca e as piracemas. Na prática, os monitores vão diariamente para os seus locais de monitoramento e medem o nível da água em réguas instaladas na terra. Também fotografam o ambiente, anotam o comportamento dos peixes no local e observam outros fenômenos que podem estar acontecendo ali, de acordo com a quantidade de água e a época do ano. Depois, esse dado é cruzado com o dado de vazão de água liberado naquele dia, que é divulgado pela Norte Energia em seu site, conforme exigência da Agência Nacional das Águas (ANA).
Seu Sebastião, pesquisador do MATI e morador da Ilha do Amor na Volta Grande do Xingu, diz que as águas, quando chegam em novembro, conversam com as peixas e dizem: ‘venham, venham peixinhas, venham peixonas, vamos para as piracemas’.
“É preciso uma sincronização dos movimentos, para o peixe entrar numa área que está sendo alagada e essa enchente progredir gradualmente. Os peixes e outros organismos vivos precisam de uma resposta do ambiente, um sinal seguro, confiável, que se manifesta normalmente por uma sequência longa. A cada dia aumenta o volume de água, aí se tem um sinal claro. Isso evita que os peixes entrem, por exemplo, em uma área que vai secar repentinamente. Ou que desovem, desperdiçando uma energia acumulada ao longo do ciclo de um ano inteiro. Quando começa esse vai e vem motivado pelas torneiras de Belo Monte, todo esse equilíbrio é destruído”,
explica o professor e ictiologosta Jansen Zuanon.
A esperança: Hidrograma das piracemas
O Hidrograma das Piracemas, proposta apresentada na animação, defende critérios ecológicos mais parecidos com o pulso natural do rio. Nessa proposta, advinda de pesquisa colaborativa, o fluxo de água começa a aumentar sutilmente a partir de outubro, ocorrendo um aumento mais substancial em novembro e uma elevação gradual até abril, quando começa a baixar.
Esse fluxo é tempo certo para as piracemas encherem paulatinamente, de forma que as peixas voltem a entender os sinais da natureza, desovando e garantindo a sua reprodução.
Essa proposta detalhada, fundamentada em uma minuciosa pesquisa científica, foi apresentada para o Ibama, órgão licenciador que deve definir o novo hidrograma antes de renovar a licença de operação da UHE Belo Monte, vencida desde 2021.
O presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, disse que a proposta está em análise em seminário organizado pela Procuradoria Geral da República em março. Em ocasião posterior, ele afirmou que qualquer proposta aprovada terá de garantir as condições para manutenção e promoção da vida na região.
“A garantia que eu posso dar é que, com esse Hidrograma de Consenso (hidrogramas A e B operados pela Norte Energia), esquece a licença. A prioridade nossa é a vida no Xingu”, afirmou.