Portal Amazônia responde: por que está ficando tão quente?

As ondas de calor extremo que estão preocupando a todos, causando incêndios e mortes na Europa, também se encontram na região amazônica.

A onda de calor que atinge o país está deixando todos preocupados. A sensação de quem mora nas grandes cidades, por exemplo, é de que a cada dia fica mais quente. No dia 17 de julho deste ano, a cidade de Porto Velho (RO) foi a segunda capital mais quente do Brasil, atingindo 36,2º C, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

No mesmo dia, Manaus (AM) registrou o terceiro dia mais quente do ano. Segundo o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), a temperatura chegou a 34,6°C na capital amazonense. Os números mostram que, com a chegada do verão, a Amazônia está sofrendo com a onda de calor. 

Um dos fatores mais importantes que tem causado a sensação de calor extremo é a presença do fenômeno La Niña que está no seu terceiro ano consecutivo de atuação, de acordo com o artigo, ‘Rare ‘triple’ La Niña climate event looks likely — what does the future hold?‘ produzido pela jornalista freelancer Nicola Jones.

Foto: Rebeca Beatriz/Acervo/g1 Amazonas

“O atual La Niña começou por volta de setembro de 2020 e tem sido leve a moderado na maior parte do tempo desde então. A partir de abril de 2022, intensificou-se, levando a uma onda de frio sobre o leste do Oceano Pacífico equatorial, não vista naquela época do ano desde 1950”.

Trecho do artigo ‘Rare ‘triple’ La Niña climate event looks likely — what does the future hold?’

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2019, o relatório já alertava para o aumento de temperaturas, incluindo a necessidade de limitar o aquecimento da Terra em até 1,5ºC.

O segundo relatório do IPCC, divulgado em fevereiro deste ano, aponta que a frequência de certos tipos de eventos climáticos extremos está crescendo devido às alterações climáticas globais atribuídas às atividades humanas.

O Portal Amazônia conversou com o pesquisador de clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Lincoln Alves, para saber mais sobre os motivos do aumento do calor. 

“A temperatura do planeta é regulada pelos famosos gases de efeito estufa. As proporções desses gases dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), tem aumentado expressivamente desde o início da era industrial e esse aumento casa perfeitamente com o aquecimento observado do sistema climático terrestre desde então. Registros de estações meteorológicas se tornaram regulares a partir do final do século XIX, pouco depois, portanto, do advento da era industrial. Nos últimos 100 anos, em média, a superfície do planeta já aqueceu em cerca de 1,1°C conforme reportado pelo IPCC no último relatório (AR6)”, explica.

No caso da relação entre as temperaturas e as mudanças climáticas, Lincoln afirma que os eventos extremos que temos observado nos últimos anos, em grande parte, já são reflexo da mudança do clima.

“A ciência diz há anos que o aquecimento global causado pelas emissões de gases de efeito estufa tornaria eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas e enchentes, mais prováveis, frequentes e severos. O que surpreende, é que muitos desses registros estavam projetados para ocorrer daqui a alguns anos”,

comenta Lincoln.

Foto: Reprodução/Arquivo/Rede Amazônica

Algumas técnicas de atribuição foram feitas para examinar qual a fração dos eventos extremos que pode ser atribuída ao aquecimento global antrópico e foi possível perceber que parte desses eventos, produzidos pela ação antrópica, já revelam que de cada quatro ondas de calor, três não podem ser consideradas mais um mero “fenômeno natural”. 

As pesquisas também revelam que cerca de 18% dos extremos diários de precipitação (chuva) que, no presente, ocorrem sobre os continentes, já são causados pelo aquecimento global.

“Uma atmosfera mais aquecida produzirá cada vez mais extremos. À medida em que prossiga a escalada do aquecimento global, essa percentagem só crescerá. E isso também significa multiplicar os danos e prejuízos provocados por esses eventos. Isso pode significar contar de três a quatro vezes mais mortes associadas a esses fenômenos do que contamos hoje”,

alerta o especialista.

No caso da Amazônia, como essas ondas de calor acontecem?

De acordo Lincoln, é considerado o momento em que ocorre uma onda de calor quando, em um intervalo de pelo menos seis dias consecutivos, a temperatura máxima diária é superior em 5ºC ao valor médio diário no período de referência (climatológico). 

A Amazônia está em uma região tropical onde geralmente as temperaturas são elevadas, porém minimizadas pela alta umidade do ar. Então a percepção desse tipo de evento é menor. 

Porém nos períodos secos isso é mais perceptível e pode produzir impactos significativos como por exemplo, condições para aumentar a inflamabilidade  (facilidade com que algo queima ou entra em ignição) da floresta. 

Consequências para a Amazônia

As mudanças climáticas e a Amazônia possuem uma ligação importante para o futuro, o Portal Amazônia entrou em contato com o também pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e meteorologista, responsável pelo Grupo de Modelagem Acoplada Oceano-Atmosfera do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, Paulo Nobre, para entender mais a respeito das consequências.
1. Quais os impactos das mudanças climáticas na temperatura futuramente?


Paulo Nobre: A resposta a esta pergunta depende da abrangência espacial da área sob consideração. A partir da quantidade de gases de efeito estufa de origem antrópica já emitidos desde o final do século XIX, a temperatura média anual global da baixa troposfera deve aumentar de maneira monotônica (cujo tom não varia) durante as próximas décadas.

Já as variações locais e temporais da temperatura são uma outra história. Além do aumento médio gradual ao longo dos anos, com as temperaturas médias de inverno cada vez mais elevadas (seguindo a tendência global), estas devem apresentar variações superpostas cada vez maiores, com ondas de calor (predominantemente) intensas a muito intensas se alternando com ondas de frio intenso, como já vemos ocorrendo no presente. Isto se deve ao fato de que o aumento da temperatura média do ar acarreta alterações nas correntes atmosféricas e marítimas, as quais acarretam condições localizadas de extremos de temperatura e de precipitação.

Paulo Nobre

2. Quais as consequências que a Amazônia pode ter caso não reduza a temperatura da Terra em 1,5ºC?

Paulo Nobre: A Floresta Amazônica é uma floresta tropical úmida e já apresenta sinais de decaimento devido ao aquecimento já registrado no planeta. Há, assim, um risco real de que a vegetação típica da Floresta venha a ser substituída por uma vegetação menos densa do tipo do Cerrado, caso o aquecimento planetário continue aumentando e ultrapasse a média global de 1,5°C. Isto porque para que a média global do planeta atinja este valor, os continentes e regiões polares sofrerão um aquecimento muito maior, atingindo valores que ultrapassam a capacidade de sobrevivência de plantas e animais, incluindo os seres humanos.

3. Por que essas ondas de calor estão ficando mais intensas?

Paulo Nobre: Como discorrido em parte acima, não somente as ondas de calor, mas também as ondas de frio se tornam mais intensas pela combinação de vários mecanismos, entre eles a alteração das correntes de ar e marítimas. Outro fator que gera condições extremas de altas temperaturas se dá pela associação de um período prolongado de estiagem com uma circulação atmosférica semi-estacionária, combinando assim a secura do solo (que transforma o aquecimento pela radiação solar em temperatura devido à falta do fator resfriador da evaporação da água de um solo úmido) com aumento da radiação solar por redução da nebulosidade e permanência prolongada da mesma massa de ar sobre uma região, decorrente da interrupção temporária da passagem de frentes frias pela região.

4. Qual a importância da Amazônia para com as mudanças de clima?

Paulo Nobre: A Amazônia, além de sua riqueza biodiversa incalculável pelas métricas econômicas atuais, representa um importante “marca passo” para a estabilidade climática global. Através de seus mecanismos de interação entre a floresta e a atmosfera, ela interioriza no continente Sul Americano o vapor d’água proveniente do Oceano Atlântico através do que ficou conhecido pelo termo dos ‘Rios Voadores’, os quais proporcionam que as Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil recebam boa parte de sua precipitação média anual. Estudos de modelagem numérica do sistema terrestre (i.e. o acoplamento entre oceano-criosfera-atmosfera-continente) também revelam que os processos de precipitação pluviométrica da Floresta Amazônica contribuem para a circulação atmosférica sobre os oceanos regulando, assim, a ocorrência e intensidade de fenômenos oceânicos tal qual o fenômeno El Niño-Oscilação Sul (ENOS) no Oceano Pacífico Equatorial, com repercussões nos padrões climáticos de escala global.

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