Livro sobre o Interflúvio Purus-Madeira destaca singularidades da região e importância para manutenção das chuvas no Brasil

A publicação destaca que região abriga uma enorme variedade de animais, plantas e solos que precisa ser considerada na tomada de decisão sobre a recuperação do trecho do meio da BR-319.

A rodovia BR-319, construída na década de 1970, durante a ditadura militar, está localizada entre dois grandes rios do estado do Amazonas, o Purus e o Madeira. Os rios têm importância ambiental e histórica para a região amazônica, pois foi por eles a economia gomífera, que colocou a região no mapa do ocidente, escoou a borracha, produzida com o látex extraído em árvores nos grandes seringais existentes entre Amazonas, Rondônia e Acre. 

Naquela época, a sociedade sabia pouco sobre esses rios, mas eles já eram velhos conhecidos das populações indígenas que habitavam suas bacias há milhares de anos. Foram essas águas que alimentaram indígenas as populações de imigrantes que chegaram depois. Hoje, a região do Interflúvio Purus-Madeira, que é porção de terra entre os dois rios, é cortada pela BR-319, onde estão em andamento diversos projetos de pesquisa científica que resultaram no livro “O Interflúvio Purus-Madeira: lições sobre o funcionamento da floresta amazônica”.

O pesquisador William Magnusson, coordenador do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração no Sudoeste do Amazonas (PELDSAM) afirma que o livro é um meio de divulgação científica que pode contribuir em debates sobre a repavimentação da BR-319. “O livro não só apresenta informações sobre a importância do fluxo laminar da água para a biodiversidade na região, mas também em relação à reconstrução da BR 319, pois as apresenta em linguagem acessível ao público geral”, disse ao Observatório BR-319.

A publicação destaca que região abriga uma enorme variedade de animais, plantas e solos que precisa ser considerada na tomada de decisão sobre a recuperação do trecho do meio da BR-319. “Neste livro, apresentaremos as adaptações que permitem a ocorrência de uma floresta exuberante neste pedaço da Amazônia. Algumas dessas adaptações providenciam dicas de como melhorar a própria estrada gerando menos impacto no ambiente a sua volta”, diz um trecho do livro.

Foto: Sergio Santorelli Jr.

 Magnusson destaca o Interflúvio Purus-Madeira possui características únicas. “É a única área da Amazônia com uma combinação de solos siltosos, perturbações frequentes por tempestades e lençol freático superficial”, disse. “Esta combinação resultou numa assembleia de espécies adaptadas à região que tem grande potencial para providenciar organismos como bactérias e fungos úteis para a agricultura e medicina, além de espécies de plantas com grande potencial de domesticação”, completou.

Em cerca de 30 páginas, são apresentadas informações sobre as características de inundação das porções de terra ao longo da BR-319 e como elas influenciam na diversidade de árvores, animais e até fungos. A presença de água em porções mais distantes dos grandes rios molda o crescimento de vegetais e o desenvolvimento das suas raízes por meio da quantidade de oxigênio. Também existe uma rede de comunicação na floresta feita por meio de sons e reações químicas. “Ainda entendemos muito pouco sobre como as plantas, os animais e os fungos se comunicam. Tendemos a pensar que a capacidade de comunicação entre outras espécies é limitada, mas talvez isso seja mais uma limitação das nossas imaginações”, diz outro trecho do livro.

Toda essa biodiversidade é ameaçada pelo avanço do desmatamento sobre porções de floresta ainda conservadas. Se a destruição da floresta não for contida, o bem-estar de todos pode ser comprometido. “A área afetada pela BR-319 cobre grande parte da região sudoeste da Amazônia, portanto, contribui muito para a manutenção dos rios voadores, que mantêm as chuvas, não só na Amazônia, mas também para as regiões agrícolas mais importantes do país”, explicou Magnusson. “As mudanças climáticas estão aumentando os extremos de secas e inundações na Amazônia, que terão efeitos drásticos na capacidade da floresta manter a biodiversidade, os fluxos de água e peixes, para os rios Purus e Madeira, e as condições para agropecuária na região”, acrescentou.

A publicação faz um apanhado dos estudos realizados em diferentes projetos na BR-319 que têm em comum o interesse de compreender os mecanismos que sustentam a maior biodiversidade do planeta, como: o Programa de Pesquisa em Biodiversidade na Amazônia ocidental (PPBio-AmOc); o INCT Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (INCT – CENBAM); o Planejamento de levantamento da biodiversidade e monitoramento de processos ecossistêmicos para inclusão científica de comunidades rurais ao longo da BR-319 no Estado do Amazonas; Fatores ecológicos e históricos na evolução da biota Amazônica: variação molecular e fenotípica de espécies e comunidades biológicas na Amazônia ocidental; Identificação dos impactos ambientais da rodovia BR-319 sobre a fauna na região sudoeste do Amazonas: uma abordagem integrativa para compreender padrões multi-taxa; e o Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração no Sudoeste do Amazonas (PELD-PSAM).

O pesquisador avalia que são necessários investimentos robustos que contemplem áreas estratégicas da região. “Até hoje, os investimentos são muito modestos considerando a importância da região para a biodiversidade. As pesquisas até hoje mostraram que a área é única na Amazônia em termos da biodiversidade e processos ecológicos, mas não são suficientes para indicar todas as prioridades para intervenções ou testar as possibilidades de engenharia física e social”, esclareceu.

Para além de publicações sobre pesquisas científicas, o PELDSAM também faz um trabalho importante de divulgação entre as comunidades, principalmente indígenas. “O envolvimento de pessoas da região é extremamente importante. As publicações em português são importantes para atingir os colonos e os donos das fazendas na região, mas estas pessoas muitas vezes não entendem a importância da biodiversidade. Por isso, nós estamos publicando em línguas indígenas, que em curto prazo deve ajudar na conservação das línguas e em longo prazo pode resultar na formação de biólogos indígenas capazes de redirecionar as políticas públicas sendo aplicadas na região”, concluiu.

Confira a publicação completa na biblioteca do site do Observatório BR-319.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Observatório BR-319

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