Relatório mundial traz exemplos de danos ecológicos, financeiros e à saúde em consequência da disseminação de espécies exóticas de diversos países que invadem outras regiões.
A planta aquática aguapé (Pontederia crassipes) se espraia em lagos e rios com suas folhas flutuantes e belas flores roxas. Nativa das bacias sul-americanas do Amazonas e do rio da Prata, ela acabou com as tilápias ao invadir o lago Victoria, na África, um importante recurso pesqueiro, por impedir a passagem de luz e a oxigenação da água.
Causadora também de danos à produção de energia e ao suprimento de água, o aguapé é a espécie de planta invasora mais disseminada pelo mundo, encontrada em 74 das regiões examinadas no relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Ipbes), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em 4/9.
“É o resultado de um esforço de quatro anos por mais de três dezenas de autores, inclusive alguns brasileiros”, conta o biólogo Ricardo Pinto Coelho, aposentado como professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e hoje proprietário da empresa RMPC Meio Ambiente Sustentável, único brasileiro no painel de especialistas da Ipbes. “É um documento de auxílio para governos em decisões sobre políticas públicas”.
Além de exportar espécies, as Américas também sofrem invasões. “No ambiente aquático, que conheço bem, um exemplo no Brasil é Limnoperna fortunei, o mexilhão-dourado”, afirma Coelho. “Nas águas brasileiras tem causado problemas não só para a aquacultura, mas também no sistema de operação das usinas, onde ficam incrustados nos sistemas de refrigeração”.
Ele ressalta o caso do microcrustáceo africano Mesocyclops ogunnus, que invadiu os principais reservatórios em toda a bacia do Tietê e do rio Grande. “Ele é o hospedeiro intermediário de uma filariose muito importante, então se uma pessoa com esse parasita se banhar nesses reservatórios, poderá introduzir a doença no Brasil”.
Outro exemplo destacado no relatório: o mosquito Aedes aegypti, terror da saúde pública, transmite os agentes causadores da dengue, zika e outras doenças. Originário da África, deve ter sido introduzido na América do Sul durante o período colonial, provavelmente de carona com o tráfico de escravizados.
Invasões também podem acontecer, e causar danos, dentro do próprio continente. Coelho conta que uma espécie de piranha da bacia amazônica se disseminou em lagos do rio Doce, na região Sudeste, e causou um fenômeno ecológico chamado de cascata trófica invertida. Como a piranha elimina praticamente toda a fauna de peixes nativa, não resta quem consuma a matéria orgânica produzida pelas algas e o lago se torna verde, um processo de poluição natural que prejudica todo o ecossistema.
O relatório afirma que as atividades humanas causaram a disseminação pelo mundo de mais de 37 mil espécies de plantas, animais e microrganismos, com papel central em 60% das extinções globais. Em 2019, o impacto econômico das espécies invasoras ultrapassou US$ 423 bilhões anuais, cerca de R$ 2 trilhões.
O levantamento da Ipbes foi realizado por 86 especialistas de 49 países, que trabalharam por quase cinco anos analisando publicações científicas e contribuições de povos indígenas e comunidades locais. Por volta de um terço dos impactos listados foi detectado nas Américas, a maior parte (75%) em ambientes terrestres como florestas e lavouras.
Um problema é que quase metade dos países não investe em iniciativas para o manejo das invasões biológicas. O estudo preconiza três linhas de defesa: prevenção, erradicação e, em último caso, contenção.
“Espécies exóticas causam prejuízos econômicos, de saúde pública e ecológicos incalculáveis”,
resume Coelho.
*Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui, escrito por Maria Guimarães.