Perda de plantios, redução de peixes, baixo nível de água dos rios e difícil acesso à água potável fazem com que seja decretada situação de calamidade em diversos municípios do Pará.
Prestes a aterrissar em Santarém, no Pará, o espanto ecoa em voz alta pelo avião, apontando a gravidade da seca. Pela janela diminuta, a imensidão das águas recua, deixando bancos de areia expostos na paisagem.
Debaixo de um céu que não derrama chuva há meses, e já caminhando pela secura dos quintais da agricultura familiar, torna-se corriqueiro testemunhar árvores jovens se transformando em esculturas emblemáticas da seca.
“Aqui não temos o costume de trabalhar com irrigação. Trabalhamos esperando que caia do céu”, conta Raimundo Nunes, aos pés de um cupuaçuzeiro morto de sede.
Desde maio, a maior parte do oeste da Amazônia registra chuvas abaixo da média. Para além da variação natural e cíclica que caracteriza os períodos de cheia e estiagem na região, a seca severa deste ano se deve ao avanço das mudanças climáticas e à interferência do El Niño, fenômeno meteorológico que eleva as temperaturas e intensifica a seca nas regiões Norte e Nordeste.
“Nós tínhamos uma base de 200 produtores cadastrados, mas só que hoje na feira tá vindo muito pouco. Do jeito que tá essa quentura grande, não tem produção. A roça tá morrendo. Tá muito seco, a gente tira e a mandioca tá cozida. A gente tira muita mandioca e dá pouca farinha”, conta Zeires Andrade Faria, coordenador da Feira de Agricultores Familiares de Juruti. “Até o momento, não tem nenhuma assistência para nós.”
Poço seco, rio baixo
A agricultura familiar tem grande relevância no oeste paraense: metade do território é ocupada por áreas regulamentadas onde se pratica a atividade, entre elas Projetos Integrados de Colonização (PIC), Projetos de Assentamento (PA) e Unidades de Conservação (UC) de Uso Sustentável.
No tempo livre, Melo se dedica aos cultivos da família num terreno às margens do Lago Tucunaré. Ali nossa reportagem avistou um jacaré, duas tartarugas e algumas aves. Num novembro com a sensação térmica ultrapassando os 40 graus centígrados, os moradores locais desaconselham o banho no lago — não por causa do jacaré, mas porque faz tempo que a água deixou de ser refresco, está quente. E, como em outras localidades, o poço artesiano que usavam há anos também secou. O conjunto dessas variantes aumenta a preocupação com a segurança alimentar na região.
“Em terra firme, o prejuízo se dá para quem cultiva a roça de mandioca. As pessoas estão deixando de fazer roçado porque está muito forte a estiagem e a orientação é que se evite fazer queimadas”, indica Melo.
“Então, é muito preocupante essa questão, porque esses são os produtos que sustentam essas famílias. Uma vez que elas deixarão de produzir e de cultivar as suas roças, elas vão ter problemas nos próximos meses”.
O problema é que, com as mudanças climáticas aceleradas e o clima mais seco, a floresta se torna mais inflamável. Qualquer fogo oriundo do desmatamento, de manejo agropecuário e também da agricultura de subsistência pode escapar e invadir a floresta, causando incêndios florestais de enormes proporções. Em outubro, um megaincêndio se alastrou por milhares de quilômetros quadrados na região de Santarém.
Por causa disso, “a gente vem incentivando a mudança do corte-e-queima para a agrofloresta”, diz Lucieta Martorano, meteorologista e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.”
Cultivo de diversidade
Nas últimas duas décadas, no entanto, eles vêm crescendo de forma mais estruturada:reúnem diferentes espécies, combinando árvores nativas e cultivos agrícolas O sistema considera também espaçamento entre as mudas, sombreamento, podas e manejo das espécies. Além de não lidar com o manejo do fogo, a agrofloresta aumenta a biodiversidade e tem potencial para restaurar áreas agrícolas degradadas.
Iniciativas robustas, como a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta) e o Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), já mostraram resultados promissores na Amazônia, sendo mais rentáveis do que a agricultura de corte-e-queima para comunidades de produtores familiares.
Estima-se que, em 2017, em toda a Região Norte, 430 mil trabalhadores, sendo 90% deles agricultores familiares, cultivavam SAFs em 200 mil estabelecimentos, somando 8 milhões de hectares.
Adeílson conta que o mamão se saiu muito bem e depois vieram as mudas de graviola. Morador da zona rural, na comunidade de Batata, em Juruti, o pai de seis filhos trabalhava apenas com a roça de mandioca e tinha algumas galinhas para consumo.
O agricultor recebe assistência técnica e incentivo do Instituto Juruti Sustentável (Ijus), que estima ter apoiado a instalação de 60 hectares de SAFs no município. No momento, o Ijus trabalha a implementação de novos SAFs por meio do Projeto Ingá, que tem investimentos da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), da Citi Foundation, da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) e da Alcoa Foundation.
Lucio dos Santos Moraes está avaliando a possibilidade de instalar também um SAF em seu terreno. Ele deixou de plantar apenas a mandioca e o café e começou a experimentar o plantio do açaí em consórcio com o café, mas está sentindo com intensidade os efeitos da seca. “Nessa época aqui a gente já estava vendendo a pupunha, já tinha bastante pra vender e ela é uma plantação quase permanente, vai dando. Agora, devido ao verão, não teve produção”, conta.
“Nós temos plantio de café, pupunha, abacate e plantas pequenas. O açaí está sendo mais resistente no verão porque tem uma área sem irrigação e ele não morreu, diferente da pupunha, que está quase 100% morta”, conta. “A gente não precisava de irrigação. E agora, mesmo com a irrigação precária que a gente tem, não é o suficiente”.
“Uma forma importante de minimizar o impacto da seca seria se os agricultores de base familiar tivessem uma irrigação que o governo incentivasse e uma irrigação de baixo custo”, diz Lucieta Martorano, que já trabalhou em Santarém com projetos de irrigação.
Outras questões desafiadoras na região são a logística, a comercialização e políticas públicas que favoreçam o pequeno agricultor, a exemplo das políticas de compras públicas com foco em segurança alimentar e nutricional.
“A gente precisa de políticas públicas integradoras”, diz Joice Ferreira, bióloga e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental. “Esse exemplo do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) é o tipo de coisa que a gente precisa ter desenhado para lidar com o problema. Ou seja, você tem um programa de compra que está aumentando demanda. Você tem que favorecer iniciativas em que os próprios agricultores são protagonistas e líderes.”
Polinizar quintais
Raimundo Nunes é especialista em meliponicultura e cria abelhas em seu quintal. Já coordenou projetos e deu curso para 20 criadores de abelha da região de Juruti. “Utilizar essas abelhas para fazer a polinização dos quintais ajuda a ter uma produtividade melhor.”
“Tem um produtor que utiliza abelha para fazer polinização no plantio de melancia que ele faz todo ano, e ele percebeu que ele ganha tanto na produção da melancia quanto na produção do mel”, conta Raimundo enquanto degustamos o mel de sabor delicado da abelha jupará, direto da caixa de criação.
O técnico agrícola lembra, porém, que, para melhorar as condições das colheitas em tempos de mudanças climáticas, é imprescindível manter as florestas em pé. “A gente teve a questão do El Niño. Mas a questão da preservação da natureza, principalmente da floresta, contribui para que essa estiagem não seja tão forte, né? E que a gente não tenha a perda da biodiversidade também”, conclui Raimundo.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Sibélia Zanon e Julia Lima.