Com a criação de um método para identificar a origem do açaí contido em uma grande variedade de produtos, cientistas demonstram a importância da biologia molecular para a ciência alimentar
Considerado uma superfruta por suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, o açaí ganhou o mundo na última década. No Brasil, é consumido sob as formas de papa, suco, polpa, em pó, sorvetes e em bebidas energéticas, entre outras. Mas tanto o alto grau de processamento e mistura com outros ingredientes quanto a variedade de origens possíveis para o fruto podem dificultar a sua identificação e consequente autenticação no processo de beneficiamento.
Foi assim que um grupo de pesquisadores decidiu investigar se a biologia molecular poderia auxiliar como um método eficiente para a ciência alimentar. Eles encontraram na análise do código de barras do DNA um método eficiente para detectar adulterantes à base de plantas, o que pode facilitar a confirmação da autenticidade dos produtos comercializados no país.
Assinada por oito cientistas, a pesquisa foi publicada no periódico Food Analytical Methods, sob o título “Is Your Açaí Really from Amazon? Using DNA Barcoding to Authenticate Commercial Products” (“Seu açaí é realmente da Amazônia? Uso de código de barras de DNA para autenticar produtos comerciais”, em tradução livre).
Identificação
Segundo os autores do artigo, o açaí é obtido principalmente da espécie de palmeira Euterpe oleracea Mart. e, secundariamente, de Euterpe precatória Mart, ambas amazônicas. No entanto, ele pode ser confundido com a juçara, fruto obtido da palmeira Euterpe edulis Mart., uma espécie das regiões Sul e Sudeste do Brasil, mas com muitas semelhanças morfológicas em relação às duas primeiras.
No Brasil, as normas governamentais, instituídas pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento em 2018, determinam que a polpa de açaí deve ser proveniente de espécies de Euterpe oleracea ou Euterpe precatoria, e a polpa de juçara é obtida exclusivamente por meio de Euterpe edulis.
Além disso, a legislação proíbe a mistura das espécies no processo de retirada da polpa, que se dá a partir da parte comestível da fruta, após o amaciamento por processos tecnológicos adequados.
Se com o produto in natura a identificação já é difícil, com o alto grau de processamento, produtos como polpas, sucos, sorvetes, picolés e açaí em pó tornam-se praticamente impossíveis de se verificar visualmente.
Foi assim que os pesquisadores buscaram estabelecer um método de análise de código de barras de DNA para discriminar as três espécies de Euterpe. Aplicada com sucesso, a metodologia envolveu a análise de 50 amostras comerciais, adquiridas em supermercados, sorveterias, lojas de açaí, feiras locais e lojas de produtos naturais de várias regiões do Brasil.
Ao considerar o código de barras do DNA completo, eles analisaram nove regiões de gene mitocondrial, com o objetivo de encontrar um padrão comum para a identificação das espécies. A região chamada psbK-I foi, assim, eleita para o método de autenticação.
Como resultado, 88,6% da as amostras foram autenticadas conforme as indicações nos rótulos e 11,4% foram classificadas como produtos adulterados.
Entre os produtos autenticados, todos continham como ingrediente os frutos obtidos de Euterpe oleracea.
Diferente do apresentavam nos rótulos, quatro dos produtos classificados como adulterados continham a juçara em sua composição.
“Esses resultados nos trazem preocupação quanto à correta identificação de espécies em alimentos e em relação à ocorrência de propaganda enganosa em produtos rotulados de açaí“, apontam os cientistas com base nos resultados.
Importância
Um dos autores do artigo, o pesquisador Mário Jardim ressalta o papel do novo estudo para “caracterizar com rapidez, eficiência e biossegurança a procedência do material genético da espécie Euterpe oleracea Mart., tendo em vista que sua polpa é referência nacional e internacional para consumo”.
Ele explica que, após a pesquisa com a Euterpe oleracea, outros materiais genéticos de espécies nativas do Brasil, contidos em produtos industrializados, poderão ser analisados.
A partir daí, a tendência é que o estudo se torne referência para laboratórios comerciais na autenticação da matéria-prima em produtos industrializados.
“Isso pode ocorrer a partir da implementação de parcerias entre universidades e instituto de pesquisa com empresários, microempresários e, principalmente, os segmentos que envolvem o bioempreendedorismo”, comenta o pesquisador.