Amazônia entra na rota de pesquisa que busca espécies de baunilhas brasileiras

Só na última viagem, com destino ao Pará, foram levadas para Brasília 16 espécies, algumas coletadas em seu habitat natural, nos municípios de Belém, Cametá e Tomé-Açu.

Foto: Fernando Rocha/Acervo pessoal

Mais de 10 mil quilômetros foram percorridos por estradas que atravessam o Cerrado, a Mata Atlântica e a Amazônia, passando por diversos municípios do País. Esse foi o trajeto da equipe da Embrapa em busca de espécies de baunilhas brasileiras. O resultado: 19 espécies coletadas e 60 exemplares incorporados ao Banco de Germoplasma de Baunilha da Embrapa, iniciado em julho de 2022, em Brasília (DF). Após três expedições, na Bahia, Mato Grosso e Pará, a coleção passou de cerca de 70 para 130 exemplares de espécies aromáticas.

Só na última viagem, com destino ao Pará, foram trazidas para Brasília 16 espécies, algumas coletadas em seu habitat natural, nos municípios de Belém, Cametá e Tomé-Açu e arredores, e outras vindas de orquidófilos locais, que já tinham algumas dessas plantas. “Isso corresponde a cerca de 30% das espécies que ocorrem no Brasil”, relata o pesquisador da Embrapa Cerrados (DF) Fernando Rocha, responsável pela atividade.

“Estamos montando uma das coleções mais representativas do mundo de espécies brasileiras, especialmente as dos grupos Vanilla odorata e hostmannii. A cada expedição, ampliamos a ocorrência conhecida de alguma espécie e a diversidade do banco genético da Embrapa”, 

completa Rocha.

Roberto Vieira, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e coordenador do projeto, afirma que, com a coleção, já será possível identificar plantas com potencial agronômico para subsidiar a domesticação da baunilha no Brasil e auxiliar na preservação dessas espécies. 

Foto: Fernando Rocha/Acervo pessoal

Produto com muito potencial

O Brasil não apresenta tradição no cultivo de baunilha, apesar de possuir grande diversidade de espécies nativas do País. “A baunilha brasileira tem potencial para gerar renda para pequenos produtores. Temos uma perspectiva de que ela possa ter seu uso ampliado na gastronomia e em outras áreas, podendo ser associada ao turismo gastronômico e ainda à diversificação produtiva, junto a outros produtos do Cerrado”, afirma o também pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Luciano Bianchetti. Empresas e cientistas já estão em contato com a equipe, interessados no potencial das espécies brasileiras.

A baunilha é uma planta trepadeira da família das orquídeas, pertencente ao gênero Vanilla. É a única orquídea a produzir fruto aromático, a fava, uma das especiarias mais apreciadas e valorizadas no mundo, utilizada principalmente nas indústrias alimentícia e de cosméticos.

Atualmente, há uma grande demanda por produtos com baunilha de origem natural nos mercados nacional e internacional. As espécies brasileiras têm características únicas e são capazes de conquistar mercados importantes, como o da alta gastronomia. Uma fava pode custar cerca de 50 reais ou mais, o que abre um novo nicho para agricultores brasileiros.

“Muitas espécies que ocorrem no Brasil ainda são desconhecidas no restante do mundo. Sua inclusão em mercados promissores pode valorizar os produtos regionais e gerar benefícios para comunidades rurais e outros interessados”, aposta Zenilton de Miranda, analista da Embrapa Cerrados.

Preservar para não perder 

Em todo o mundo, são conhecidas cerca de 110 espécies do gênero. Dessas, apenas de 30 a 40 são aromáticas e ocorrem somente na América tropical e subtropical. Do total de espécies, cerca de 40 ocorrem no Brasil, sendo que os biomas Amazônia e Mata Atlântica contam com a maior diversidade.

A presença humana nos ambientes de ocorrência natural das baunilhas tem colocado em risco a sobrevivência dessas espécies. “O ideal é que ocorra a conservação in situ, no lugar de origem do material genético”, alerta Rocha. No entanto, para evitar que exemplares se percam, instituições de pesquisa buscam formas de preservar a biodiversidade do planeta. Bianchetti, que também participa das expedições de coleta, explica: “A conservação ex situ (fora do habitat) da diversidade de espécies de Vanilla e a variabilidade dentro das espécies são alguns dos objetivos do Banco de Germoplasma da Embrapa.”

Com as expedições, já fazem parte da coleção da Empresa materiais de cerca de 150 acessos diferentes. O pesquisador Roberto Vieira justifica a importância dessa diversidade, principalmente por haver poucos materiais coletados no Brasil: “Para o desenvolvimento da cadeia produtiva ligada principalmente à gastronomia, é importante conhecer a variabilidade entre espécies, inclusive de aromas. Para o melhoramento agronômico, visando produtividade, resistência a doenças e outras características desejáveis, pode ser que outros materiais tenham bastante relevância. Já para a ciência, podemos encontrar materiais que não foram registrados em outras regiões ou sequer descritos”, complementa.

Na Mata Atlântica, mais especificamente no Parque Estadual da Serra do Conduru (BA), na expedição realizada em novembro de 2022, foram encontradas a Vanilla bicolor, espécie com poucos registros fora da Amazônia, uma grande população de espécies do grupo da Vanilla odorata, e uma espécie ainda a ser confirmada.

O coordenador explica que, para o banco de germoplasma, diversidade significa mais segurança: “Temos materiais coletados em áreas que não são muito preservadas, sujeitas a danos de diversos tipos. O mais importante é ter acesso a esses materiais, para que eles não se percam.”

Imagem: Reprodução/Embrapa

O Banco de Germoplasma da Embrapa

A função de um banco de germoplasma é conservar a maior variabilidade genética disponível. Seu enriquecimento é possível por meio das coletas de material genético e intercâmbio com outras instituições.

O Banco de Germoplasma de Baunilha da Embrapa iniciou suas atividades há menos de dois anos e já conta com grande representatividade de espécies da América do Sul. Apesar de sua importância econômica, espécies de Vanilla são pouco representadas nas coleções de germoplasma no mundo.

Baunilhas do Brasil: um projeto de resgate 

Em dois anos, foram realizadas cinco expedições de coleta de baunilha pelo Brasil. As duas primeiras, no estado de Goiás, forneceram o material que deu início ao Banco de Germoplasma da Embrapa. Outras três foram realizadas no segundo semestre de 2022 e em 2023.

As viagens, apesar de planejadas detalhadamente, são quase uma aventura. Incluem trajetos de barco, caminhadas sob sol escaldante e chuva, travessia de trechos alagados e outras tantas dificuldades que aparecem ao se buscar material genético em áreas naturais.

“Essa viagem foi a mais complexa porque as distâncias envolvidas não têm paralelo fora da Amazônia”,

conta Rocha.

Apesar disso, o resultado foi muito positivo: “Encontramos apoio na Embrapa Amazônia Oriental, no Museu Goeldi e de colecionadores locais, como o orquidófilo Tiago Carneiro, o que transformou essa na viagem mais rica em termos de espécies coletadas.”

Análise de DNA para identificação de espécies 

A identificação de uma espécie de baunilha não é uma tarefa fácil. Apesar de haver diferença entre as folhas das espécies, a confirmação, em geral, depende da análise de sua flor. O problema é que o florescimento da planta a partir de mudas pode levar até três anos, segundo a pesquisadora da Embrapa Marília Pappas.

O uso de ferramentas genômicas pode ser o caminho para facilitar e acelerar essa atividade. A pesquisadora coleta folhas de todas as amostras que chegam ao Banco de Germoplasma e extrai seu DNA, estrutura que carrega a informação genética de um organismo. Assim, ela garante um backup da informação genética desse material no Banco de DNA Vegetal da Embrapa, do qual é curadora, uma garantia extra para o caso de a planta não sobreviver na coleção.

“Análises a partir do DNA podem auxiliar no conhecimento sobre a diversidade genética dos materiais do Banco de Germoplasma e, consequentemente, da diversidade nas áreas amostradas, além de agilizar a identificação das espécies”, explica. É o caso de algumas plantas que vêm do campo sem a confirmação da espécie baseada em sua morfologia. A análise genética pode beneficiar vários interessados no cultivo de baunilha, pois garante ao comprador que a muda que ele está adquirindo é realmente da espécie pretendida e possibilita ao produtor de mudas a certificação de sua produção.

As metodologias genômicas usadas para as baunilhas são as mesmas aplicadas para espécies cultivadas comercialmente, como é o caso das commodities. “É comum existir pouca ou nenhuma informação genômica disponível para espécies de pouco apelo econômico, chamadas de espécies negligenciadas. Por isso, é preciso gerar as informações iniciais e, assim, construir um banco de dados para dar suporte às pesquisas de diversas áreas”, pontua.

Além disso, Pappas está em busca de marcadores moleculares para identificar precocemente as espécies de baunilhas brasileiras. “Nosso primeiro objetivo é obter um painel de marcadores moleculares para as diversas espécies nacionais, que permitam sua identificação precoce, ainda na fase de mudas. Com isso, é possível gerar informação sobre a diversidade das populações naturais e contribuir de forma significativa para a conservação das espécies e o fortalecimento da cadeia produtiva”, defende.

De Brasília para Mato Grosso 

De um total de cerca de 40 espécies brasileiras de Vanilla, menos da metade, entre 15 e 17, têm frutos aromáticos. Elas estão espalhadas principalmente pelos biomas amazônico e Mata Atlântica. O norte do estado do Mato Grosso, apesar de pertencer ao bioma Cerrado, faz fronteira com o sul da Amazônia brasileira. “A região escolhida para a expedição de coleta foi a de Itaúba e municípios vizinhos, por ser de transição entre dois biomas e abrigar boa parte da biodiversidade de ambos, e por isso costuma apresentar alta diversidade de espécies”, explica Rocha.

A premissa se mostrou correta. Dessa expedição, resultou a maior coleta de 2022, o que demonstra que o local pode ser considerado um centro de diversidade para o gênero. “Em uma área muito pequena, abrangendo poucos municípios, foram coletados 16 acessos pertencentes a prováveis oito ou nove espécies, em apenas cinco dias”, conta Rocha.

Apesar do aumento da representatividade do Banco de Germoplasma de Baunilhas da Embrapa, ainda há muito que fazer. “Em pouco tempo, conseguimos coletar uma quantidade expressiva das espécies conhecidas para o Brasil. Mas, quando olhamos os dados, tanto os da literatura e dos herbários quanto os que coletamos, notamos que há um grande vazio de amostragem no interior do Brasil, especialmente no sul do Pará e no Amazonas, além do Amapá”, analisa o pesquisador da Embrapa Cerrados.

Foto: Fernando Rocha/Acervo pessoal

Desafios da criação de sistemas de cultivo 

Durante as expedições, buscou-se também localizar produtores locais. Em todos os estados visitados – Goiás, Bahia, Mato Grosso e Pará – as propriedades visitadas apresentavam dificuldades para lidar com a produção das baunilhas brasileiras. Alguns fazem sua produção sob telado, outros, em sistema agroflorestal. Mas os problemas são comuns: inadequação quanto à umidade do solo e ao adensamento de plantas, doenças diversas, causadas por fungos e vírus, e ataque de pragas.

Essas observações são importantes para a pesquisa, pois, além da preservação do gênero, há a intenção de se desenvolver um sistema para produção das baunilhas brasileiras. “Essa etapa [de contato com pessoas que trabalham com baunilha] é essencial para a estruturação da cadeia produtiva das espécies brasileiras. Hoje, grande parte da exploração de espécies nativas, principalmente em Goiás, é feita por extrativismo”, explica o pesquisador Roberto Vieira.

Em geral, as informações disponíveis sobre o cultivo dessas orquídeas estão em língua estrangeira, o que se torna uma dificuldade para o cultivo da espécie por parte dos agricultores. Daí a relevância do primeiro resultado do projeto para a organização da cadeia produtiva dessa cultura: a cartilha “Cultivo de Baunilha – Práticas Básicas”. A publicação reúne informações de boas práticas de cultivo e manejo das baunilhas no Brasil para a obtenção de frutos de qualidade, com fundamento nos conhecimentos de sistemas de cultivo, aspectos fitossanitários, florescimento e polinização, processos de pós-colheita e beneficiamento.

O projeto contempla também capacitações para produtores rurais, profissionais de gastronomia e comunidades calunga. Vieira enfatiza a importância da difusão desses conhecimentos: “O estudo sobre o cultivo e a conscientização da sociedade são fundamentais para a preservação das baunilhas. O manejo é crucial para o estabelecimento da cadeia produtiva das baunilhas brasileiras, assim como a formação de viveiros para a produção de mudas voltadas a diferentes mercados e para a agricultura familiar”.

Do preparo da viagem aos materiais de baunilha 

O sucesso das viagens em busca de espécies depende de um bom planejamento. O primeiro passo é estabelecer um recorte geográfico. O objetivo pode ser a busca de uma espécie específica ou de alguma que se sabe que será perdida. Nos casos das expedições da equipe da Embrapa, o que se procura são áreas onde haja concentração de diferentes espécies.

Para isso, são realizadas consultas aos herbários nacionais e estrangeiros, locais onde são preservadas plantas desidratadas com informações do local onde foram coletadas. “É possível visualizar todas as plantas que foram historicamente coletadas no Brasil, ter uma ideia de onde estão e das regiões com maior número de espécies, o que é essencial para definir o roteiro da viagem”, conta o pesquisador Fernando Rocha.

Com uma revisão de literatura bem feita, é possível traçar o itinerário com possíveis pontos de coleta. O responsável pela atividade de coleta das baunilhas complementa: “Além disso, é fundamental estabelecer contatos com pessoas que conhecem as espécies e pesquisadores que já realizaram coletas na região pretendida e com guias de comprovada experiência no assunto”.  

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