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Quinta, 25 Abril 2024

História da Medicina no Amazonas

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A História da Medicina no Amazonas pelo Instituto Alfredo da Matta está, intimamente, ligado à chegada da evolução da Hanseníase, em nossa região. Vale ressaltar que inúmeras pesquisas apontam que essa enfermidade já era reconhecida com um sério problema de saúde pública na Amazônia, como um todo, nos idos do ano 1800, como nos afirma o escritor Arthur Viana "Ser a hanseníase doença de importação muito antiga nas cidades de Belém e Santarém."

Isolamento de Umirizal, 1928. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

O médico e pesquisador Souza e Araújo concluiu, à época, que leprose já existia em Manaus, em razão do forte e intenso comércio realizado entre a nossa capital e as de Belém e Santarém.


No período de 1832 a 1890, principalmente, a capital do Amazonas, fora atingida por um processo migratório expressivo, aumentando seu contingente populacional de 8.500 para cerca de 50.300 habitantes. Tudo isso era possível porque estávamos no auge do período áureo do látex e a influência da Europa atingia-nos com a modernidade em todos os aspectos, hábitos, vestir, comer e beber, resultante de prostituição dos famosos polacos.


Nesse processo de transformação, usos, costumes e tradições próprias, foram, aos poucos, sendo colocados de lado, em todos os sentidos. A madeira deu lugar ao ferro, as casas de pau a pique, foram sendo substituídas pelas construções de alvenaria, a palha pela telha, o igarapé pelas avenidas, a carroça pelo bonde elétrico, a navegação a remo pelo navio a vapor, a iluminação a gás pela energia elétrica.


Vale ressaltar a famosa Rampa da Ribeira, o célebre Porto Real, que descia para o Igarapé da Ribeira. Não mais existente o igarapé, pois foi aterrado, onde ficava nas cercanias mais ou menos onde hoje está o edifício Colonial, ocupado pela Loja 22 Paulista.


À época, 1845, atual praça Osvaldo Cruz não existia, pois constitui excelente obra de engenharia urbana, quando havia engenharia urbana em Manaus. O local onde está construída a Catedral era um corte quase abrupto para o rio e no alto estava a célebre olaria que promovera transformação da cidade de Manaus, fundada pelo gênio Lobo D'Almada.


Em meados do século XIX, o látex despontava como produto de larga aceitação no mercado internacional, proporcionando ao lado café, a arrecadação de grandes somas para o Brasil.


Já naquela época, as autoridades de então procuravam retirar de circulação os pedintes e, principalmente, doentes leprosos, cuja presença nas ruas comprometia a boa impressão apresentada aos visitantes e imigrantes da nossa Paris das Selvas.

Registra a crônica que, em 1867, foi recolhida a primeira hanseniana, que vivia numa palhoça, em Umirizal, local situado acima de Manaus, a margem esquerda do Rio Negro. Não há dúvida de que, nessa época, a hanseníase já se desenvolvia com grande intensidade no Amazonas. Os pacientes recolhidos em estado avançado da doença eram internados na Santa Casa de Misericórdia. Em 1891, no início da Era Republicana, foi criado, em Manaus, uma repartição de saúde pública, denominada Inspetoria de Higiene do Estado do Amazonas, que englobava o serviço de saneamento das localidades e habitação, inclusive.


A saúde pública era prioridade e era tratada com rigor. Em 1893, o Código de Postura do Município estabelecia uma pena alternativa de multa, no valor de cem mil reis ou cinco dias de prisão para família do paciente acometido de doença infecto-contagiosa que não comunicasse o fato à Inspetoria de Higiene. No decorrer do tempo, em face do aumento do número de infectados, o Serviço de Higiene do Estado foi reorganizado e ampliado na forma da lei n. 286, de 30 de setembro de 1899.


Os primeiros levantamentos estáticos, relacionados aos casos de hanseníase em Manaus, foram organizados no período de 1900 a 1920. O bairro da Cachoeirinha foi o local mais detalhadamente trabalhado, talvez, por ser o mais distante, apresentando um resultado de 131 casos, sendo 103 masculinos e 28 femininos. Nessa mesma época, a estimativa para todo o Amazonas apresentava um total entre 800 e 1000 doentes.


Para proceder a um levantamento das doenças endêmicas na Amazônia, o Governo do Estado entrou em ação, contratando os serviços do famoso sanitarista Osvaldo Cruz e sua equipe. Segundo dados do relatório apresentado sobre o Amazonas, citados por Carlos Chagas:


[ ] … "A lepra não só na Amazônia, mas em todo Norte do Brasil, importa em calamidade social, cujos efeitos, na ausência atual de qualquer medida sanitária, bem devemos lamentar."


Em 1903, foi construída uma casa de isolamento, em Umirizal, destinada a portadores de varíola e, ante a impossibilidade de manter os doentes de hanseníase na Santa Casa de Misericórdia de Manaus, estes foram removidos para o respectivo local, tratado e assistido pelo doutor Miranda Leão. Segundo dado dos registros da Diretoria do Serviço Sanitário, até 1921, já haviam sido recolhidos ao Umirizal, 75 pacientes portadores de hanseníase.


Em 12 de novembro de 1906, foi assinado pelo Governador Constantino Nery, em relação à profilaxia da hanseníase e tuberculose que:


[ ] …"Nenhum estabelecimento em que vendam gêneros alimentícios ou medicamentos, nem habitações coletivas, poderão empregar tuberculosos e leprosos que eliminem o bacilo especifico, sob pena de multa de 200 mil reis."

Isolamento de Umirizal, 1928. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Por sua vez, decreto n. 01 – 1.403, de 30 de maio de 1921, no seu artigo 13, enfatiza que a Direção Clínica e Administrativa e Hospital de Isolamento ficará a cargo de um Inspetor Sanitário. Nesse mesmo ano, assumiu a chefia do serviço de Saneamento Rural do Amazonas o Dr. Samuel Uchôa. No ano seguinte, foi empossado no posto de Inspetor Sanitário Rural do Estado o Dr. Alfredo da Matta.


De acordo com a pesquisa realizada entre 1922 a 1923, foram computados 1936 portadores de hanseníase, no Estado do Amazonas. Até então, o cadastramento e tratamento dos pacientes eram centralizados na capital, o que tornava extremamente difícil a efetivação de cuidados em favor dos pacientes residentes no interior do Amazonas, devido às distâncias e à precariedade dos meios de transportes. Os doentes cadastrados eram encaminhados para o leprosário Belisário Pena, inaugurado em 1923, na localidade de Paricatuba, a margem do Rio Negro, duas horas acima de cidade de Manaus.


Com este trabalho, idealizado e realizado pelo Dr. Alfredo da Matta e sua equipe, o Amazonas passou a ter certo controle dos pacientes com hanseníase. A falta de recursos, à época, era o mais grave obstáculo do Governo Estadual para manter os doentes internados, surgiu, a partir daí, a Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra Lepra, coordenada pelo Dr. Alfredo da Matta, organização esta que logo se estendeu a todos os municípios do interior do Amazonas.


Em consequência da doença, muitas famílias se separavam dos entes queridos, pais ou irmãos. Em 26 de abril de 1926, na Rua Urucará, Bairro de Cachoeirinha, foi inaugurada a Creche Alice Sales, destinada ao amparo dos filhos de pacientes portadores de hanseníase.


A Colônia Antônio Aleixo, situada nas cercanias de Manaus, à época, o local era considerado afastado, inaugurada em 1942, pelo Governo do Estado do Amazonas, oferecia melhores condições de vida comunitária aos hansenianos internados. Essa medida amenizou, de certa forma, as dificuldades enfrentadas pelo Governo para localizar o grosso dos pacientes, pois o isolamento de Paricatuba só podia ser de barco. Assim, de forma lenta, porém, progressiva os doentes foram transferidos, sendo que, naquele mesmo ano, também entrou em funcionamento o Educandário Gustavo Capanema destinado aos filhos de hansenianos internados.

Não só como registro histórico, mas também por justiça, destacaram-se os médicos Geraldo Rocha, Menandro Tapajós e Leopoldo Krichanã, que se dedicaram ao atendimento dos pacientes das colônias Antônio Aleixo, Belisário Pena, Paricatuba e a Casa Amarela, mais tarde denominada Dispensário Alfredo da Matta.


A partir de 1953, a Campanha Nacional contra a hanseníase tomou vulto, tendo o Governo Federal feito a convocação de especialista para elaborar o Plano Nacional de Combate à Endemia. O plano apoiava-se, interiormente, na política de isolamento dos doentes em Leprocômios. Diante desse contexto, o Estado do Amazonas acompanhou a política adotada.

The Paredão Colony Along de Negro's River. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Do Dispensário ao Centro de Saúde


Em 28 de agosto de 1955, foi inaugurado o Dispensário Alfredo da Matta, em um prédio modesto, adaptado da antiga Casa de Trânsito, conhecida popularmente como Casa Amarela. A adaptação sofrida por esse tradicional imóvel para funcionar como dispensário, obedeceu, em linhas gerais, a uma planta elaborada pela diretoria de obras do Ministério da Saúde e que serviu de modelo para a construção e instalação de outros similares na Amazônia.

O nome dado ao dispensário foi escolhido pelos médicos: Silas C. de Andrade, Célio Mota e Menandro Tapajós, prestando uma justa homenagem ao Sanitarista Dr. Alfredo da Matta, tendo como primeiro diretor o Dr. Leopoldo Krichanã. À medida que o tempo passava, o trabalho desenvolvido no Dispensário Alfredo da Matta foi solidificando-se e adquirindo respeitabilidade.


O resultado desse trabalho deu à Instituição o reconhecimento oficial pelo Ministério da Saúde, pela Organização Mundial da Saúde e outras instituições não governamentais, sendo logo transformado em Centro Regional de Dermatologia da Região Amazônica. Mais tarde, passou a denomina-se Centro de Dermatologia Tropical e Venerologia Alfredo da Matta.

Um baiano que preferiu Manaus


[ ] … O dr. Alfredo da Matta nasceu em Salvador, Bahia, em 18 de março de 1870 e faleceu no Rio de Janeiro, em 3 de março de 1954. Seus estudos primários e secundários foram cursados na cidade natal e, logo ingressou na Escola de Medicina da Bahia, onde cursou brilhantemente. Em 8 de dezembro de 1889, terminou seu curso de medicina. Em abril de 1890, nomeado médico do Loide Brasileiro, seguindo viagem até Manaus, onde fixou residência.


Foi nomeado pelo Governador do Pará, para exercer uma das Circunscrições Sanitárias do Estado, cargo que não aceitou, pois preferia morar em Manaus. Nomeado médico do Exército para servir em Barbacena Minas Gerais, pediu transferência para Manaus, não sendo atendido, exonerou-se. Alfredo da Matta especializou-se em Medicina Profilática e em Dermatologia. Seu amigo dr. José Francisco de Araújo Lima, na Revista Amazonas Médico de Manaus, ano VI, página 17, ano de 1944, refere-se a ele: Alfredo da Matta é Sócio Bem Feitor da Santa Casa de Misericórdia de Manaus e Sócio Honorário e Bem feitor da Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas. Professor da Cadeira de Higiene e Enfermatologia dos Cursos de Farmácia da Universidade. Foi Tenente Coronel Cirurgião da Guarda Nacional do Asilo de Mendicidade. Representou o Amazonas em vários congressos nacionais e internacionais. Foi Delegado e Secretário dos Comitês do Amazonas. Foi membro Fundador da Sociedade de Medicina e Farmácia e Cirurgia do Amazonas, da Sociedade Amazonense de Agricultura, do Clube da Seringueira e da Revista Amazonas Médico, da União Acadêmica e do Círculo dos Auxiliares de Impressa.


As Academias de Geografia e Botânica de Mons na França e a italiana de Ciência Físico Química, Ladearam-no com a Medalha de Ouro pelo seu livro Flora Médica Brasiliense. Foi eleito Deputado à Assembleia da Legislativa do Estado do Amazonas, durante os anos de 1916 a 1920, ocupando o cargo de Presidente de 1917 a 1920. Mais tarde, foi Senador da República pelo Estado do Amazonas. Suas monografias foram em número de 234, quer avulsos, quer em revistas nacionais e estrangeiras, além de vários livros no ramo da Dermatologia. Em 1955, foi inaugurado o Dispensário Alfredo da Matta. Numa justa homenagem por todo trabalho realizado com dedicação e paixão a terra que escolheu para doar seus conhecimentos.

Fontes

Instituto Alfredo da Matta – Ontem e Hoje: uma História de Saúde Pública. Manaus: IDTVAM, 1997. P. 14. Francisco Gomes.

MONTEIRO Mário Ypiranga. A Catedral Metropolitana de Manaus – sua longa história. Manaus: Ed. Sérgio Cardoso, 1958. p. 14.

Conferência proferida na Escola Superior de Medicina da Universidade Federal do Amazonas, em 20 de janeiro de 2003, pelo jornalista e historiador Abrahim Baze, em um congresso de Medicina. Publicado na Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Universidade Federal do Amazonas – UFAM/Faculdade de Ciências da Saúde.

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