Proteção territorial: beiradeiros do Riozinho do Anfrísio, em Altamira, lançam Protocolo de Consulta
Os beiradeiros da Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio, da região de Altamira (PA), lançaram seu Protocolo de Consulta. O documento é fruto de um processo de meses de discussão em reuniões comunitárias e deliberação coletiva, e estabelece como governos, empresas, pesquisadores e outros interessados devem consultar os beiradeiros a respeito de atividades que impactam seu território e modo de vida.
A consulta aos povos tradicionais é um direito estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Os protocolos de consulta são instrumentos fundamentais para garantir seu exercício, com respeito à autonomia das comunidades, à transparência na transmissão de informações e à busca pela construção de consensos.
Esses princípios oferecem legitimidade e segurança jurídica para as decisões consultadas.
"A gente não pode ser consultado de qualquer forma. Tem que passar pelas comunidades, passar na assembleia. E se a proposta for negada, eles não podem mais nos procurar",
afirma Lindones Silva de Castro, da localidade Boi Morreu, Comunidade Lajeado.
As Assembleias são a principal instância de decisão dos beiradeiros. Para Edileno, Comunidade Bom Jardim, o lançamento do protocolo foi um momento histórico. "Quando falamos do Riozinho, estamos falando da nossa própria casa. Quem aqui não quer saber o que está acontecendo dentro da nossa casa? Todos têm direito de saber. Nós queremos, sim, ser consultados e esse documento vai ajudar nesse processo", diz.
O presidente da Associação dos Moradores da Resex Riozinho do Anfrísio (Amora), Herculano Filho, resume o documento: "o protocolo é aquilo que a gente faz na prática escrito no papel, que fica melhor pra entender o passo a passo".
Segundo ele, a consulta não pode ser feita só junto às lideranças. "Será que só eu e o Pisada (vice-presidente) podemos assinar um projeto que vai impactar a comunidade toda? Não", responde.
Território e ameaças
A Resex Riozinho do Anfrísio foi criada em 2004, consolidando uma grande conquista dos beiradeiros, que vivem na região desde o final do século XIX.
Desde essa ocupação inicial, os beiradeiros desenvolveram um modo de vida próprio, baseado no uso e manejo múltiplo da floresta e na ocupação do território de baixa densidade, com localidades espalhadas por centenas de quilômetros.
A criação da Resex reconheceu essa ocupação histórica e tradicional: um marco para a região, em meio ao avanço da grilagem, do garimpo e da extração ilegal de madeira que ameaçavam as comunidades.
Nos últimos anos, a pressão sobre as comunidades beiradeiras do Riozinho do Anfrísio aumentaram novamente. Nesse contexto, a consolidação do protocolo é também uma expressão importante da organização política dos beiradeiros e da defesa de seus direitos.
De 2017 a 2022, houve um aumento de 48% em ramais ilegais dentro da Resex: um claro indicativo de expansão do roubo de madeira e grilagem de terras. Há ainda os contínuos e cumulativos impactos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, construída sem a devida consulta às comunidades e que teve impactos regionais sobre as dinâmicas populacionais e de uso do solo.
As comunidades beiradeiras do Riozinho do Anfrísio são atores regionais fundamentais para a conservação, uma vez que seus territórios estão na fronteira noroeste do grande bloco de áreas protegidas da Terra do Meio, com mais de 8 milhões de hectares de Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
Junto com a Terra Indígena Cachoeira Seca, a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio sofre com os vetores de pressão que partem da BR-163 e da BR-230.
Consulta simples ou completa
A organização tradicional do território beiradeiro ocorre em localidades. Cada família se estabelece em um trecho na beira do rio, onde faz sua casa, sua roça e tem suas estradas de seringa, de castanha, e de outros produtos da mata.
Hoje, as localidades se separam por viagens de algumas horas de barco. Mas, nos tempos antigos, antes dos motores e da gasolina, as distâncias demoravam muito mais para serem percorridas.
Na Resex, existem dois espaços principais para informação e decisão: as assembleias e as reuniões comunitárias. As reuniões comunitárias são espaços informativos, com a participação de famílias de várias localidades, que se reúnem em torno de uma comunidade. Já as assembleias são feitas com a participação de todos os ribeirinhos do Riozinho do Anfrísio, e têm caráter tanto informativo como deliberativo.
O Protocolo de Consulta dos Beiradeiros do Riozinho do Anfrísio estabelece duas possibilidades de consulta: na Consulta Simples, o tema será exposto na Assembleia e já será deliberado.
Na Consulta Completa, o tema terá que passar pelas reuniões comunitárias informativas - em todas as comunidades - e só depois passará para deliberação na assembleia.
A definição pela modalidade de consulta depende da complexidade do tema e é feita a partir de uma avaliação da diretoria da associação de moradores.
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