Empreendedorismo LGBTQIA+ em Belém é ato de resistência contra o preconceito

Devido ao mercado de trabalho nada animador para pessoas LGBTQIA+, muitos buscam soluções no empreendedorismo para garantir renda

No Dia Internacional de Combate a LGBTfobia, Belém destaca o cenário da empregabilidade de pessoas LGBTQIA+, que em muitos casos esbarram em situações de preconceito e falta de inclusão. Segundo o estudo “Demitindo Preconceitos”, da empresa de consultoria Santo Caos, 38% das empresas afirmam que não contratariam pessoas LGBTQIA+. 

Outro ponto destacado na pesquisa foi que 61% dos funcionários LGBTQIA+ no Brasil escolhem esconder sua orientação sexual no trabalho. Devido a esse mercado de trabalho nada animador para as pessoas LGBTQIA+, muitos buscam soluções no empreendedorismo para garantir renda.

Isabella Pamplona, mulher transgênero, de 24 anos e moradora do conjunto Satélite, faz parte dos LGBTQIA+ que estão empreendendo na cidade. A jovem atua nos segmentos de design, moda e beleza, criando roupas autorais, modelando e maquiando. Para Bella Pra Jesus, como também é conhecida Isabella, o empreendedorismo chegou com a necessidade de garantir o próprio sustento. 

“No momento da minha transição de gênero eu precisei sair da casa dos meus pais, e nesse momento foi que eu senti a necessidade urgente de transformar isso em um trabalho rentável e que me sustentasse. Comecei nesse meio aos poucos, primeiro vendendo peças para minhas amigas, maquiando e fazendo figurino para clipes”, explicou.

Foto: Joyce Ferreira/Prefeitura de Belém

Bella destaca ainda que “no empreendedorismo existe a possibilidade de você selecionar certos nichos que você quer trabalhar, e como eu trabalho diretamente com arte eu acabo trabalhando com pessoas que têm uma visão e uma cabeça mais aberta. Então isso me ajuda um pouco no meu trabalho”, pontua a jovem.

O casal Rafael Ferreira, homem transgênero e pansexual, de 26 anos, e a mulher cisgênero e também pansexual, Danyelle Duarte, de 23 anos, são os idealizadores da barbearia Studio TmanBarber, no bairro do Telégrafo. O espaço conta com mais dois homens trans, que atuam como barbeiros, e tem como um dos principais objetivos atender pessoas LGBTQIA+ que não se sentem confortáveis em barbearias onde de modo geral o ambiente é machista e homofóbico. “Eu comecei com essa ideia de trazer esse pessoal para cá para que eles não passem por nenhum tipo de preconceito”.

Tanto Rafael como Danyelle contam que já tiveram experiências com o trabalho formal e ambos passaram por situações de constrangimento e preconceito nos locais devido a suas orientações sexuais e identidades de gênero. Esse foi um dos motivos que fez o casal criar há três anos o seu próprio empreendimento.

O desafio de ter um empreendimento feito por LGBTQIA+ e dedicado a esse público, mas que atende também pessoas em geral é uma motivação para Danyelle Duarte. “A gente ainda encontra aquela dificuldade de poder ou não ser o que a gente é. Às vezes a gente fica pensando se é legal mesmo colocar uma bandeira enquanto pessoas LGBTQIA+, sendo que isso pode nos tornar um pouco mais vulneráveis e desagradar alguns clientes. Mas o que faz a gente seguir é o nosso ideal de acolher quem realmente importa em nosso espaço, que são as pessoas LGBTQIA+. Mesmo que a gente também dependa de clientes que não fazem parte da comunidade”, pontuou a idealizadora da barbearia.

Outro empreendedor é o universitário Daniel Marinho, homem gay, de 21 anos. Ele tenta aliar a faculdade de medicina, na Universidade do Estado do Pará (Uepa), com sua loja virtual de doces, a Dr. Brownie. Daniel conta que começou a fazer brownie aos 15 anos, quando sentiu a necessidade de ajudar os pais financeiramente e, para isso, começou a vender o doce na escola. O negócio, que começou despretensioso, ganhou forma e se transformou no Dr.Brownie. “Eu faço os brownies geralmente à noite, que é quando eu tenho tempo. Hoje, devido à pandemia, é muito difícil levar brownie e vender na faculdade, então a alternativa que eu tenho é aceitar encomendas”, conta o universitário.

Daniel descreve uma situação de preconceito velado que passou ao vender seus brownies. “Eu já fui vender brownies onde as pessoas não aceitavam, falavam que eu tinha um jeito estranho, que elas agradeciam por eu ter oferecido, mas preferiam não comprar de mim”, conta. Ele também considera empreender, um desafio. “Eu tenho muita confiança no meu trabalho, conheço pessoas que também trabalham muito bem, mas elas não conseguem oportunidade de chegar a certos lugares já que algumas pessoas se negam a tentar o novo, que acabam às vezes sendo mais baratas, mais gostosas, mais interessantes”, relata.

O jovem universitário finaliza com suas perspectivas para um cenário futuro de empregabilidade de pessoas LGBTQIA+. “Eu acho que as duas palavras que resumem muito bem essa situação são respeito e dignidade, que hoje é o que nós como sociedade procuramos, mas sendo LGBTQIA+ nós temos que lutar muito mais para ter. Hoje eu quero entrar em uma empresa, em uma loja, e não ficar com aquela imagem de um quadro de funcionários que tem apenas uma pessoa gay, uma pessoa trans. Eu não quero ver isso, eu quero ver pessoas LGBTQIA+ nos ambientes em que eu convivo. Um futuro empregatício que eu desejo é que essas pessoas estejam mais presente nesses lugares, onde pessoas cis e heteronormativas sempre estiveram ao longo da história”, enfatiza Daniel.

A atual gestão municipal reafirma seu compromisso com a comunidade LGBTQIA+ da cidade na garantia de cidadania, proteção e direitos, por meio de secretarias, fundações e coordenadorias, em que se destacam as atividades de fomento e articulação de políticas públicas e serviços para os LGBTQIA+ realizadas na Coordenadoria de Diversidade Sexual de Belém (CDS) e na Secretaria Municipal Extraordinária de Cidadania e Direitos Humanos (SECDH). Nessas duas instituições a comunidade pode buscar os serviços de aconselhamento, assistência jurídica, amparo psicossocial, assistência social, formação, além de outros serviços oferecidos. 

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