As árvores dessa espécie são conhecidas como gigantes da Amazônia consideradas sagradas na cultura indígena.
Os galhos, que podem ser vistos a quilômetros de distância no bairro Asa Branca, zona Oeste de Boa Vista, guardam lembranças preciosas para o casal de aposentados Francisco e Maria Neuza dos Santos, ambos com 78 anos. Foram eles que plantaram e regaram há cerca de 50 anos três árvores Sumaúma no terreno que hoje pertence ao Centro Espírita Estrela do Oriente. As árvores foram plantadas na rua Vicente Correia de Lira, nas margens de um igarapé que corta o bairro. Agora, com mais de 12 metros de altura, as gigantes da Amazônia serão cortadas.
Os responsáveis pelo o Centro Espírita pediram e a prefeitura de Boa Vista, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), autorizaram o corte. Segundo o município, as três Sumaúmas comprometem a estrutura do local, “com galhos secos podendo acarretar algum risco de queda”.
Ao fazer o pedido à Semma, segundo a prefeitura, foi apresentado um laudo pericial assinado por um especialista, que avaliou o grau de comprometimento de risco de vida humana e patrimonial em função das condições de localização das três árvores de Sumaúma, por isso foi recomendada “a retirada das árvores”.
A reportagem do Grupo Rede Amazônica procurou o responsável pelo Centro Espírita e questionou se havia o interesse em se posicionar sobre a decisão de cortar as três árvores. Também informou que a decisão causou revolta em moradores, mas o templo preferiu não se posicionar.
Comuns na Amazônia, a bióloga Amélia Carlos Tuler, doutora em botânica e professora na Universidade Federal de Roraima (UFRR), explicou que as sumaúmas são árvores de grande importância na região, isto porque são consideradas sagradas na cultura indígena.
“Além da grandeza e do porte, as sumaúmas se destacam pela importância cultural, sendo consideras árvores sagradas por diversas culturas, onde representa um portal de comunicação com o mundo espiritual, bem como é tida como uma espécie que protege todos os seres da floresta”,
explica a especialista.
Ela destaca ainda que, para cidades e ambientes urbanos, como praças, ela é uma espécie indicada, uma vez que produz muita sombra e protege da radiação solar. A bióloga explica que as árvores contribuem para a qualidade de vida nas cidades através da estabilização da temperatura, manutenção da umidade relativa do ar e bem-estar psicológico.
“Ambientes naturais, especialmente arborizados, apresentam capacidade de relaxamento, seja pela beleza, pelo barulho das folhas caindo, pelo canto dos pássaros. É importante que os gestores percebam o papel desempenhado pelas árvores urbanas na melhoria da qualidade ambiental das cidades e do bem-estar humano. A arborização urbana, longe de ser a vilã, traz múltiplos benefícios para toda a sociedade. Devido ao grande tamanho, ela não é indica para arborização de vias urbanas. Entretanto, a espécie foi plantada 50 anos, muito antes da construção das casas”, comenta.
“Protegem a gente do calor”
A decisão de derrubar as árvores trouxe tristeza e revolta ao casal de aposentados. Eles destacaram o calor intenso que ficará no bairro, já que as gigantes da natureza fazem sombra e refrescam a vizinhança, além do valor emocional.
“Se cortarem a gente vai sentir muita falta delas, elas protegem a gente do calor, agora se tirar ela daqui o cara não vai aguentar com o calor não. Eu prefiro desgalhar elas um pouco do que cortar tudo fora. Tem outras soluções”, diz o vigilante aposentado Francisco dos Santos.
Para Maria Neuza, que afirma ter plantado as três árvores junto do marido, o valor sentimental é o mais precioso. De acordo com a aposentada, ela e o marido vivem no bairro há 60 anos, 50 deles as árvores estavam lá, por isso, faz parte da história do casal.
“Se realmente cortarem essas árvores eu acho que eu vou é chorar. É uma tristeza, você chega aqui, eu arrumei minha casa, ajeitei tudo e de repente tiram algo tão importante, uma coisa que é nossa. Não é brincadeira, não. Além disso, o calor vai ser de matar”,
diz a aposentada Maria Neuza.
Gigantes que representam história
A árvore Sumaúma é considerada uma das mais importantes da Amazônia e chama a atenção de quem a vê. A espécie pode viver mais de 800 anos e chegar a até 70 metros de altura. É uma das árvores mais comuns em áreas de várzea e pode ser encontrada entre os trópicos.
Francisco relembra a rotina que levava na época em que as árvores ainda eram pequenas plantas. Elas foram trazidas do município de Rorainópolis, Sul de Roraima, e plantadas pelo casal acompanhando a vida deles desde então.
“Há mais de 50 anos a gente vinha aqui todas às 17h aguar. Elas eram pequenas, nem parece essas gigantes que são agora. Era para elas não morrer. Eu que aguava elas pequenas. Essas árvores vieram de Rorainópolis, aqui tinha muito mato, era só mato aqui nessa região, a gente plantou que era pra fazer sombra”, diz o aposentado.
Para ele, o principal motivo para não derrubar as árvores é o calor e o sol de Boa Vista. A sombra que os mais de 12 metros das sumaúmas trazem refrescam todo o quarteirão que compreende a casa dos aposentados.
“Além disso, tem o valor sentimental nessas árvores, se cortar ela, ninguém vai aguentar. Era melhor desgalhar elas. Ver que elas correm o risco de serem derrubadas é uma dor, Ave Maria! Não vai ter central [de ar condicionado] que dê conta. As pessoas que andam de bicicleta, que vem a pé, encostam aqui por causa da sombra”.
Para Maria Neuza, o que mais afeta é a questão afetiva. Já que durante todo o casamento as árvores estiveram lá, onde ela e o marido criaram os filhos e onde viveram “quase toda a vida”. Para ela, cortar as árvores é como “cortar a história”.
De acordo com ela, embora o terreno em que as árvores estão pertençam ao Centro Espirita, ninguém vive na casa construída no espaço, que está abandonado.
“Eu lembro muito da época que elas eram pequenas, de todo o tempo que eu e meu marido moramos aqui nesse bairro, elas acompanharam a gente, eu lembro quando eu decidi vender salgado na rua, quando ele [marido] trabalhava de vigilante… eu não queria que cortasse. É bom você ter uma coisa para você ficar na sombra. Eu lembro quando eu trabalhava, lavava roupa… essas árvores tavam sempre aí”.
A beleza e o esplendor das três gigantes encantaram a estudante de gestão ambiental Adriana Feitosa, de 24 anos. Em um passeio pelo bairro, ela decidiu tirar fotos das três árvores, mas foi surpreendida com a informação de que elas seriam derrubadas.
“Nunca tive a oportunidade de chegar tão perto delas, mas teve um dia que eu estava vindo do curso, eu sempre faço a trajetória na outra rua, e aí por acaso eu vim por essa rua aqui que dá diretamente nas árvores. Aí quando eu cheguei pertinho ali na esquina, eu já consegui ver ela e fiquei maravilhada assim com a dimensão e a proporção que ela tem”.
“Eu voltei no dia seguinte pela tarde e aí vinha uma mocinha aqui que ficava ao lado, que é do mesmo terreno onde a árvore está. E aí perguntei para ela como que eu fazia para entrar e poder ver as árvores mais de perto, conhecer mais as árvores e aí ela falou que era para eu ir mais rápido possível porque ela iria ser retirada”, disse a jovem, com revolta.
A situação deixou a estudante, que é moradora do bairro, indignada, já que ela não conseguia entender o motivo de derrubar árvores tão antigas como essas. Para ela, as Sumaúmas possuem um valor espiritual na Amazônia, e o certo seria “encontrar outras maneiras de conter os galhos secos e as raízes”.
“Eu acho que tem como ser repensado. Tem como a gente conseguir solução para isso. Então, a gente tá tentando ver todas as soluções possíveis para que ela não seja retirada daqui porque aqui é o lugar delas. Eu acho que o mais válido seria a gente se adaptar a ela e não ela se adaptar a gente”,
diz a jovem.
“Deve ser encontrado alguma maneira para que haja possibilidade do proprietário usufruir do terreno, mas ao mesmo tempo sejam preservadas essas árvores que são verdadeiros monumentos aqui nessa área de lavrado que é muito árida e com a árvores de menor porte.Inclusive nós estamos aqui ao lado de um Igarapé que é uma área de preservação permanente até 25 metros. Então, quer dizer: é uma série de questões que podem ser colocadas no sentido de clamar a população um apoio pra preservar essas três belezas”, diz o defensor público.
Dono deve decidir sobre corte
Segundo o secretário, em maio deste ano o responsável pelo Centro Espírita solicitou uma vistoria sobre a derrubada das árvores. Naquela ocasião, fiscais da Semma negaram. Porém, em uma segunda visita, o proprietário apresentou um laudo que indicava riscos aos arredores e a prefeitura teve de “concordar”.
“Dentro de um laudo técnico, de um especialista que avalia a toda a estrutura fisiológica da árvore, que vai dizer pra gente com mais eficiência, com propriedades se a árvore está tendendo a cair ou derrubar algum galho ou está oferecendo algum risco à vida humana ou às edificações que estão ao redor, a gente não pode ir contra esse laudo. A gente só pode concordar, na verdade”, defendeu o secretário.
“Agora, está tudo vencido. Ele não tem mais nenhum tipo de compromisso com a gente. Ele não retirou a árvore, a autorização dele expirou. Então, não existe mais autorização. Não existe mais termo de compromisso”, disse Alexandre, acrescentando que o proprietário havia se comprometido a plantar outras três Sumaúmas em outro endereço, como forma de compensar as que ele derrubaria.
As três árvores seguem de pé. Questionado se ainda há o interesse em cortar as árvores, o responsável pelo Centro Espírita disse o caso está com o Departamento Jurídico da Instituição. “No momento, me reservo o direito de não me pronunciar”, afirmou.
O especialista que assinou o laudo referendado pela prefeitura também foi procurado e deve se manifestar sobre o assunto nesta quinta-feira (23).
Embora a Semma afirme não tem poder de decisão sobre a possível derrubada das árvores, diante da repercussão, o secretário Alexandre Santos disse que deve acompanhar os desdobramentos e até marcar reunião com outros órgãos que tratam sobre questões ambientais.
“A gente tá pensando em reunir uma equipe técnica, Semma, o especialista que fez o laudo, uma pessoa da Defesa Civil para gente ir até o local e avaliar mais especificamente em conjunto quais são as condições e quais são os impactos que essas árvores podem oferecer”, pontuou.