Seca no Amazonas chega antes do previsto e coloca cidades em emergência por estiagem

Medições demostram que a seca em 2024 pode ser mais grave do que a vivida no ano passado, a maior da história do Estado. Moradores de áreas afetadas e especialistas foram ouvidos para traçar panorama.

O Amazonas já registra os primeiros sinais da seca nos rios. As medições demostram que a situação da estiagem em 2024 pode ser mais grave do que a vivida no ano passado, quando foi registrada a maior seca da história do estado e, até o momento, 20 municípios já estão em estado de emergência devido ao fenômeno natural.

Em 2024, a descida dos rios teve início antes do previsto, com reduções registradas ainda na primeira quinzena de junho. Historicamente, o fenômeno começa entre a última semana de junho e as primeiras de julho.

A gravidade da estiagem já pode ser notada no município de Tabatinga, situado no Alto Solimões. O município foi o primeiro do estado a registrar a diminuição do nível do rio, entre os dias 17 e 18 de junho, quando as águas baixaram 26 centímetros, atingindo a cota de 7,34 metros.

Leia também: Previsão de seca severa: Defesa Civil recomenda estoque de comida e água no Amazonas

Após um repiquete – oscilação entre subida e descida do nível do rio -, entre os dias 29 de junho e 1° de julho, chegando a 6,81 metros, o rio voltou a descer, marcando 5,70 metros na última terça-feira (9).

Outro município que também apresenta níveis baixos é Itacoatiara, banhado pelo Rio Amazonas. A medição mais recente, de quarta-feira (10), indicou uma cota de 11,84 metros. A estiagem já reduziu o nível do rio em 49 centímetros desde o pico em 10 de junho.

Em Manaus, o Rio Negro iniciou sua descida no último mês e, desde então, desceu 35 centímetros em 18 dias, marcando 26,49 metros nesta quinta-feira (11). O ritmo de descida preocupa tanto a população quanto autoridades, considerando que no ano anterior o rio atingiu 12,70 metros, o nível mais baixo já registrado no estado em mais de 120 anos.

Fatores determinantes

Em 2023, um estudo realizado pela realizado pelo World Weather Attribution (WWA) apontou que as mudanças climáticas foram as principais responsáveis para a seca histórica no Amazonas.

A seca no Norte também ameaça o restante do país, uma vez que a falta de água na maior bacia hidrográfica do mundo colabora diretamente para o aumento das queimadas no Pantanal.

Ao Grupo Rede Amazônica, o ambientalista e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Erivaldo Cavalcanti, explicou que dois fenômenos naturais têm sido determinantes para os níveis dos rios.

Os efeitos dos dois fenômenos são opostos. Enquanto o El Niño provoca seca na Região Norte e chuvas intensas no Sul do Brasil, o La Niña traz chuvas intensas para o Norte e o Nordeste e estiagem na região Sul.

No ano passado, por exemplo, a seca severa registrada no Amazonas teve forte influência do El Niño. Este é um fenômeno climático que já existe há milhões de anos, mas que ultimamente tem se manifestado de maneira mais potente por conta do aquecimento global, como informa o meteorologista, Carlos Nobre.

“O El Niño sempre fez isso, aumenta a seca na Amazônia, aumenta a chuva no Sul, mas que agora bateram recordes, como a maior seca da história da Amazônia”, disse.

Já em 2024, diferentemente do que ocorreu no ano anterior, o período da estiagem estará sob influência do La Ninã, que favorece a ocorrência de chuvas. Para o analista em Ciência e Tecnologia do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Flávio Altieri, que monitora os rios da região amazônica, o fenômeno que deve entrar em cena no mês de setembro, pode ser um fator determinante para amenizar a seca deste ano.

Preocupação

Com os rios começando a descer mais cedo e rapidamente, a preocupação cresce entre os moradores que dependem dos rios para sustento e sobrevivência. A recomendação da Defesa Civil do Estado é para estocar água e alimentos e, diante do cenário, a população começa a se preparar.

A vendedora de peixe, Tayane Paz, relembrou as dificuldades enfrentadas no ano passado. Ela contou que foi complicado conseguir água potável e fazer compras, principalmente, nos dias de chuva em que a região da Marina do Davi, onde trabalha, ficava toda enlameada.

Este ano, para se preparar, a vendedora decidiu sair da zona rural e se mudar para a zona urbana de Manaus antes do agravamento da seca. Apesar disso, a vendedora disse ainda não saber como a seca vai impactar sua fonte de renda, já que a Marina do Davi, um dos pontos mais afetados pela seca de 2023, continua sendo seu local de trabalho, assim como moradia de muitos amigos e antigos vizinhos.

Outro trabalhador que deve ser afetado pela estiagem em 2024 é João Rocha, que faz parte da Cooperativa dos Profissionais de Transporte Fluvial da Marina do Davi (ACAMDAF). Ele diz que a única preparação feita por ele até o momento é guardar alguma quantia de dinheiro para se manter durante a estiagem, caso o trabalho seja afetado pela baixo nível da água.

“A gente depende do rio, né? E são coisas que a gente não pode evitar se vier acontecer mesmo. Não podemos fazer nada. A preparação que a gente pode fazer é guardar alguma coisa para se manter quando o rio secar”, disse João.

A situação é parecida para Karina Souza, comerciante que administra uma loja na rua de acesso a Marina do Davi, uma das áreas mais afetadas pela seca severa de 2023.

“Foi difícil manter uma vida normal, com os gastos e tudo mais. Cheguei a ficar sozinha trabalhando porque não dava para manter os outros funcionários”, disse.
Para este ano, ela não se preparou totalmente, mas planeja contar com ajuda para não enfrentar tudo novamente sozinha.

A preocupação também atinge empresas que dependem dos rios para fazer o transporte de insumos e das mercadorias. Em junho, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) divulgou uma nota de preocupação com os impactos que o período de estiagem pode trazer ao Amazonas em 2024 e cobrou medidas do poder público para evitar prejuízos ao setor.

Ações preventivas

As previsões indicam que a seca em 2024 pode ser tão severa quanto a de 2023, por isso, na última sexta-feira (5), o governo estadual decretou estado de emergência em 20 municípios, situados nas calhas do Juruá, Purus e alto Solimões.

Além disso, o governo também decretou emergência ambiental no estado devido as queimadas registradas no sul do Amazonas, Manaus e região metropolitana. Os decretos têm validade de 180 dias.

“O Decreto de Emergência é importante para que se possa dar amparo legal aos municípios e que eles possam se mobilizar e que a gente possa também estabelecer essa relação e essa comunicação com o Governo Federal. É importante para que a gente tenha um guarda-chuva de legalidade para tomar as decisões e as ações que vamos tomar, para que essa ajuda possa chegar o mais breve possível”, explicou o governador Wilson Lima durante entrevista coletiva.

Ainda conforme o governo, ações voltadas para o abastecimento de água potável, insumos e medicamentos para a saúde, produção rural, logística para a manutenção do funcionamento da rede estadual de educação, ajuda humanitária e dragagem dos rios são os principais focos do cronograma de atividades do plano de contingência do governo.

Municípios da calha do Juruá já estão recebendo medicamentos e insumos para a saúde, como Guajará, Envira e Ipixuna, segundo a secretária de saúde, Nayara Oliveira. Nas localidades, com a vazante dos rios, o transporte fluvial já está sendo prejudicado.

*Por Sabrina Rocha, da Rede Amazônica AM

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