Pior seca da história: Rio Negro atinge 12,66 metros em Manaus

Afluentes e lagos que atravessam a capital amazonense também secaram, criando um cenário devastador que afeta o ecossistema e a vida daqueles que dependem do rio para sobreviver.

Com Rio Negro medindo 12,69 metros, Manaus tem a pior seca da história pelo segundo ano consecutivo. Foto: Matheus Castro/g1 Amazonas

O Rio Negro alcançou 12,68 metros às 18h desta quinta-feira (3), marcando a pior seca da história de Manaus (AM) pelo segundo ano consecutivo, segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB). O Porto da capital, responsável pelo monitoramento das águas desde 1902, registrou a mínima das últimas 24 horas na manhã desta sexta-feira (4): 12,66.

Este ano, o recorde foi atingido 23 dias antes de 2023, quando o rio havia registrado 12,70 metros em 26 de outubro. Em comparação, no dia 3 de outubro de 2023, o Rio Negro mediu 15,14 metros, o que representa uma diferença de 2,46 metros a mais do que o nível registrado neste ano, conforme dados do Porto de Manaus.

Leia também: Seca de 2024 no Amazonas supera número de atingidos em 2023: mais de 747 mil pessoas

As águas devem continuar secando e podem ficar abaixo dos 12 metros, segundo as previsões do SGB. O tempo seco e a falta de chuvas regulares ajudam a piorar a situação.

Conhecido por suas águas escuras e com quase 1,7 mil quilômetros de extensão, o Rio Negro é um dos principais afluentes do Rio Amazonas e banha a capital do estado. No final de outubro do ano passado, o rio voltou a encher, mantendo um crescimento lento e constante. No dia 17 de junho deste ano, as águas pararam de subir e começou o período de vazante.

A rápida e antecipada queda no nível das águas gerou preocupação entre as autoridades, que já estão adotando medidas preventivas. Devido à estiagem, a Prefeitura de Manaus declarou situação de emergência por 180 dias e interditou a Praia da Ponta Negra, após o rio ultrapassar a cota mínima de segurança de 16 metros.

Além da capital, os 61 municípios do Amazonas também enfrentam uma situação de emergência devido à seca. Segundo a Defesa Civil, todas as calhas de rios do estado estão em estado crítico de vazante. Quase 750 mil dos mais de 4 milhões de habitantes do Amazonas estão sendo afetados, o que corresponde a mais de 186 mil famílias.

O fenômeno tem isolado comunidades e prejudicado a navegação, além de impactar o escoamento da produção das empresas do Polo Industrial. Navios cargueiros já não atracam mais na cidade; em vez disso, transferem as cargas para balsas com calado menor, que são embarcações menos profundas, para seguir até Manaus e atender à indústria.

A seca levou 29 escolas da zona rural, localizadas ao longo do Rio Negro, a encerrar as aulas no fim de setembro. Outras 16 unidades educacionais no Rio Amazonas continuam com o calendário escolar, sendo oito com aulas totalmente presenciais e oito em formato híbrido. As atividades serão encerradas no dia 18 de outubro, conforme informado pela secretaria de educação municipal.

Segundo a Prefeitura de Manaus, o calendário anual das escolas ribeirinhas inicia antes da zona urbana, devido à cheia e vazante dos rios, além das especificidades climáticas da região amazônica.

Em toda orla da capital, o cenário repete o que os manauaras viveram em 2023: o rio “sumiu” e a terra está em arrasada. Afluentes e lagos que cortam a capital amazonense também secaram. O cenário é devastador e impacta o ecossistema e a vida de quem depende do rio para sobreviver.

Na Colônia Antônio Aleixo, lago secou totalmente. Foto: Matheus Castro/g1 Amazonas

A Praia da Ponta Negra foi fechada para banho. Uma cerca foi instalada no local para impedir banhistas de se aproximarem da água, uma vez que há risco de afogamento por conta dos buracos com a vazante do rio.
Na Marina do Davi, ponto de partida de pequenas embarcações para as comunidades que ficam no entorno da capital, a situação é difícil. Moradores contaram ao g1 que um trajeto de barco que durava, em média, 10 minutos, está levando mais de duas horas para ser concluído. O preço das passagens também aumentou.

No local, a prefeitura uma ponta de 80 metros de extensão “para promover a acessibilidade segura de passageiros e minimizar os transtornos à população ao novo ponto de ancoragem dos barcos e lanchas”.
Na Praia Dourada, onde existem diversos flutuantes de recreio, o rio deu lugar a um mar de lama e o cenário é de abandono. Banhistas e donos de barcos e flutuantes deixaram o local.

No Lago do Puraquequara, a equipe do g1 adentrou cerca de 2 km no que antes era um braço do Rio Negro. A situação é a mesma na vizinha Colônia Antônia Aleixo, onde o Lago do Aleixo secou e se transformou em um filete de água.

No Porto da Capital, bancos de areia surgiram no meio do rio, forçando as embarcações a se afastarem e ficando cada vez mais longe do local onde costumavam atracar, próximo à pista.

Situação semelhante na Orla do Educandos. No entanto, por lá, o rio deu lugar a um mar de lixo que, comumente, é despejado nas águas e que ficou no local por conta da vazante.

A seca também afetou o famoso Encontro das Águas. Com a vazante, o fenômeno ficou difícil de ser visto. A mistura da água escura do Rio Negro, com a água barrenta do Rio Solimões, é um dos patrimônios do estado e atrai turistas de todos os lugares do Brasil e do mundo.

Seca impacta vida de quem mora às margens do Rio Negro e seus afluentes

O carpinteiro Getúlio de Castro, de 57 anos, mora na Marina Rio Belo, às margens do Rio Tarumã-Açu, na zona ribeirinha da capital amazonense. Segundo ele, para sair de lá, é preciso enfrentar um trajeto de duas horas até a Marina do Davi.

“Um trajeto que eu levava dez minutos pra fazer estamos fazendo duas horas. E em uma parte a gente ainda precisa descer do barco para empurrar, porque não tem como passar porque o riu sumiu”, continuou.

Quem também é afetado pelo problema é o estaleiro Felipe Lopes, de 54 anos. Ele tem um flutuante na Marina do Davi desde 1994, no qual faz barcos e reparos em pequenas embarcações. Com a seca, o empresário precisou dispensar os funcionários e viu os clientes irem embora.

“É um cenário muito triste. Estou aqui há muito tempo e nunca tinha visto o que aconteceu aqui ano passado e agora. E este ano parece que vai ser ainda pior. A gente sabe que ninguém tem culpa, mas é complicado, porque tem muita gente que vive aqui e ganha seu pão aqui também”.

No Puraquequara, na Zona Leste de Manaus, o empresário Erick Santos, de 29 anos, dono de um restaurante que serve peixes e outras comidas regionais, também viu os clientes irem embora.

“O nosso faturamento caiu em 50%. As pessoas vinham para cá porque além do peixe que a gente servia tinha o rio e no fim de semana era comum as pessoas pularem na água. Agora tudo é terra. Também tem muita coisa que está em falta. Banana, cheiro verde, coisa que a gente precisa na cozinha, não tem. A agricultura familiar está prejudicada. Fora o valor do peixe. Antes a gente comprava um tambaqui por R$ 14, hoje estamos comprando por R$ 19 e o preço, infelizmente, tem que aumentar”, explicou.

Seca severa é fruto da combinação de diversos fatores, alerta especialista

Segundo Renato Senna, pesquisador e coordenador de hidrologia do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Amazonas ainda está enfrentando os efeitos da seca do ano passado, como a falta de precipitação.

“A própria seca de 2023, devido principalmente ao El Niño e também ao aquecimento do Atlântico Tropical Norte, alterando a circulação atmosférica sobre nossa região; dificultaram a formação e o desenvolvimento das nuvens reduzindo o volume de precipitação durante a nossa estação chuvosa; que normalmente ocorre entre dezembro de um ano e abril ou maio do ano seguinte”, disse.

De acordo com o especialista, após a seca do ano passado, os rios não receberam um volume de chuvas suficiente.

O fenômeno deve perdurar até o fim de outubro, quando o tempo no Amazonas deve ser influenciado por outro evento climático: o La Ninã. Com isso, os rios devem voltar aos padrões normais de monitoramento.

“A expectativa atual é de que no final do último trimestre deste ano possa ocorrer no Oceano Pacífico um evento de águas superficiais mais frias, La Niña, o que poderá favorecer um período chuvoso ligeiramente mais intenso sobre a Amazônia no primeiro semestre de 2025, com perspectiva de recuperação das bacias hidrográficas que formam os rios Negro, Solimões, Madeira e por consequência o Rio Amazonas, voltando a normalidade”, finalizou.

Rio pode ficar abaixo dos 12 metros, aponta SGB

Um boletim divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil no fim da semana passada, aponta que o Rio Negro pode ficar abaixo dos 12 metros na vazante histórica deste ano.

Seca na Marina do Davi, em Manaus. Foto: Matheus Castro/g1 Amazonas

Ainda segundo Matos, o Rio Negro pode ficar abaixo da cota de 16 metros em Manaus por mais dois meses, com base nas observações do ano passado, que se assemelham ao cenário atual.

Conforme o SGB, na maior parte da Bacia do Amazonas, os rios estão abaixo da normalidade para a época, e em algumas áreas, as cotas já atingiram os níveis mais baixos da história.

Ajuda humanitária

No fim de setembro, a prefeitura da capital informou que concluiu a primeira fase da Operação Estiagem 2024, com a entrega de mantimentos para 55 comunidades ribeirinhas afetadas pela seca do rio Negro. A ação alcançou mais de três mil famílias que vivem desde o Rio Apuaú até o Rio Tarumã-Mirim, afluentes do rio Negro.

Nessa primeira etapa, a operação entregou cestas básicas, que somam 6.190 itens, mais de 61,9 mil litros de água potável e 6.190 kits de higiene. Algumas comunidades também receberam kits de água, com bombas, mangueiras de 100 metros, para auxiliar os produtores rurais com irrigação, e ainda, filtros de água com capacidade de garantir a produção de água potável, uma ação inédita da prefeitura realizada nesta operação.

As últimas comunidades atendidas na semana passada foram do rio Tarumã-Mirim, com 1.750 famílias recebendo os kits de ajuda humanitária. Somente nesta localidade foram entregues 3,5 mil cestas básicas, 2,1 mil kits higiênicos, além de 9,6 mil unidades de água potável de dois litros e mais 984 com 20 litros. As comunidades atendidas foram N. Sr.ª de Fátima, Abelha, N. Sr.ª do Livramento, Ebenezer, Julião, Agrovila, Novo Paraíso/Vai quem Quer, São Sebastião, União da Vitória, Três Galhos e Deus Proverá.

A prefeitura também disse que já se organiza para a segunda e, possivelmente, terceira ase da operação, que vai atender áreas urbanas e comunidades do Rio Amazonas.

*Por Matheus Castro, da Rede Amazônica AM, com informações atualizadas do Porto de Manaus em 04/10/2024

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Espécies novas de sapos ajudam a entender origem e evolução da biodiversidade da Amazônia

Exames de DNA feitos nos sapos apontam para um ancestral comum, que viveu nas montanhas do norte do estado do Amazonas há 55 milhões de anos, revelando que a serra daquela região sofreu alterações significativas.

Leia também

Publicidade