Seca histórica: trabalhador perfura poço onde antes era inundado pelo Rio Negro

O Amazonas vive um cenário ambiental crítico devido à combinação de seca dos rios e queimadas.

Morador relata que tem dificuldade em conseguir água potável. Foto: Lucas Macedo/g1 Amazonas

A seca histórica que atinge o Amazonas em 2024 tem mudado o cenário e a rotina na orla do Educandos, área portuária localizada na Zona Sul de Manaus. O ponto é um dos mais afetados pela estiagem na capital amazonense e a vasta faixa de terra, onde antes havia rio, agora dá lugar a um poço improvisado por trabalhadores que sofrem com a falta de água e dificuldades para trabalhar.

No dia 3 de outubro, o nível do Rio Negro, na capital amazonense, atingiu a marca de 12,68 metros, o mais baixo nível já registrado na história [até então].

Entenda: Saiba quais foram as maiores vazantes do Rio Negro em Manaus

Raimundo Filho, de 65 anos, é chefe de máquinas de embarcações e um dos afetados pelo baixo nível do Rio Negro. Durante a maior parte do ano, ele trabalha fazendo o transporte de cargas e pessoas até a orla, além de realizar a manutenção de outras embarcações.

Ele relata que neste período de seca é difícil conseguir renda no final do mês pela falta de trabalho, uma vez que o transporte que realizava está prejudicado pela pouca água, e sem embarcações navegando, não há manutenção a fazer.

Desde que precisou atracar o barco em terra firme, há pouco mais de dois meses, Raimundo teve a embarcação assaltada quatro vezes. Para tentar contornar o problema, se mudou com a esposa para a embarcação e precisou lidar com outra dificuldade: a falta de água para atividades do dia a dia.

O chefe de máquinas decidiu, então, perfurar um poço artesiano improvisado onde antes era tomado pelas águas do rio. O recurso tem ajudado ele e outros trabalhadores a se manter no local em meio aos desafios causados pela seca.

“Essa água é para manter um lastro de água no barco, porque ele não pode ficar seco. E também a gente usa essa água para fazer as coisas por aqui, a gente só não consome por causa da poluição que tem aqui”, ressaltou.

Raimundo e a esposa também relatam a dificuldade de acesso à água potável. Para obter o recurso, é preciso caminhar por cerca de 1,5 quilômetros, subir dois lances de escada na orla e caminhar por mais alguns metros até a casa de uma antiga vizinha, que fornece a ele.

“Eu estava indo agora mesmo pegar água ali em cima na vizinha, eu não posso deixar o barco aqui porque eu já fui roubado quatro vezes. Tá cruel a situação aqui, esses meses todinhos aqui nessa “sequidão’ fica muito difícil, já está afetando todo mundo”, completou Raimundo.

Seca impacta também quem presta serviço para embarcações

O soldador José Honório, de 68 anos, já trabalha há mais de 40 anos na Orla do Educandos realizando manutenção nas embarcações que passam pelo local, entretanto ele afirma que desde o ano passado as secas intensas do rio tem afetado negativamente seu trabalho.

“É um problema porque afeta o trabalho da gente que depende de trabalhar aqui na beira. As embarcações dependem da água para chegar aqui e, com o rio seco, os barcos não chegam aqui, aí fica difícil o serviço para gente”, disse José Honório.

O soldador relatou que torce para que as chuvas aconteçam logo e que o rio suba para a vida voltar a normalidade. Ele terminou dizendo que, para não ficar totalmente sem renda, começou a fazer serviços provisórios em outros pontos da cidade de Manaus.

A reportagem entrou em contato com a prefeitura de Manaus e com o governo do estado para saber quais medidas estão sendo adotadas para auxiliar financeiramente os trabalhadores afetados pela seca, mas até o fechamento da matéria não houve retorno.

Decreto de emergência

A Prefeitura de Manaus publicou, em setembro, um decreto de situação de emergência com validade de 180 dias devido à seca severa que afeta o Rio Negro. A medida tem como objetivo implementar ações para atender às necessidades das comunidades ribeirinhas impactadas e inclui a capital na lista de municípios que devem receber recursos do Governo Federal para enfrentar a estiagem que atinge a região.

O Amazonas vive um cenário ambiental crítico devido à combinação de seca dos rios e queimadas. Segundo dados divulgados pelo governo estadual em agosto, a seca já afeta mais de 740 mil pessoas. Cidades têm dificuldades de receber insumos, há aumento no preço de produtos e comunidades indígenas e ribeirinhas podem ficar isoladas, atualmente todos os 62 municípios estão em situação de emergência.

*Por Lucas Macedo, da Rede Amazônica AM

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