Aumento de períodos prolongados de seca ameaça anfíbios brasileiros

Segundo estudo, o aquecimento global causará aumento de secas em até 33% dos habitats de sapos, rãs e pererecas; no Brasil, os biomas mais afetados serão Amazônia e Mata Atlântica.

Perereca-de-ampulheta (Dendropsophus minutus), espécie que habita as florestas da América do Sul. Foto: Reuber Brandão, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons

O Brasil abriga a maior diversidade do mundo de anfíbios: das mais de 8 mil espécies conhecidas globalmente, cerca de 1.200 são encontradas no país, sobretudo nos biomas Amazônia e Mata Atlântica. Mas seu futuro está em risco devido ao aumento dos períodos de seca em seus habitats.

Seca e anfíbios não são uma combinação viável. Esses animais dependem de água e umidade para sobreviver. Sem elas, podem desidratar em poucas horas e morrer.

“Os anfíbios possuem a pele fina e permeável, diferentemente de outros animais terrestres, como humanos, pássaros, répteis e insetos. Essa pele úmida deixa passar água e outras substâncias, tornando-a mais sensível ao ar seco. É por isso que você não vê sapos expostos ao sol por muito tempo – eles secam muito mais rápido do que outros animais”, explica o biólogo Nicholas Wu, pesquisador da Western Sydney University, na Austrália.

Leia também: Anfíbios amazônicos estão entre os 40% dos anfíbios no mundo ameaçados de extinção

Com a ajuda de outros cientistas, Wu mapeou regiões do planeta onde anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas), um grupo de vertebrados sensíveis à água, enfrentarão condições mais áridas e secas no futuro, podendo gerar um maior risco de declínio de populações e até de extinção de espécies.

“Descobrimos que muitas partes do mundo onde vivem anuros correm o risco de ficarem mais áridas e sofrerem com aumento de secas. Também constatamos que a combinação de temperaturas mais altas e ambientes mais secos terá grandes impactos na janela de atividades deles, ou seja, as horas em que o clima não impede os anuros de forragearem e procriarem”, diz o pesquisador.

estudo de Wu, publicado na Nature Climate Change, aponta que até 33% dos habitats dos anuros poderão se tornar mais áridos até 2100. Num cenário de aquecimento global, caso o clima no futuro fique 4 ºC mais quente, 36% desses habitats terão secas mais duradouras, com aumento de até quatro meses por ano.

Ainda de acordo com a análise, a previsão é que o agravamento das secas duplique as taxas de perda de água através da pele desses animais. No futuro, espera-se que a combinação de seca e aquecimento reduza pela metade o tempo em que os anuros ficariam ativos.

E essa é uma realidade que já está sendo sentida por biólogos. “A maioria das espécies não fica ativa o ano inteiro. No Brasil, o comum era perceber maior atividade de muitos anuros nas primeiras chuvas de setembro”, diz Rafael Bovo, pesquisador da Universidade da Califórnia, Riverside, nos Estados Unidos, e um dos coautores do estudo.

“Entretanto, nos últimos anos, quando realizamos trabalho de amostragem no campo, tem sido comum observar o adiamento tanto da estação de chuvas quanto do período de maior atividade desses animais”.

O brasileiro ressalta que, ao entrar em atividade mais tarde, esses anfíbios podem ter menos tempo para seu desenvolvimento biológico – como por exemplo, de seus órgãos sexuais –, realizar o chamado cortejo reprodutivo, encontrar alimento para ter energia e, finalmente, achar seus parceiros.

Preocupação com sapos no sul da Amazônia e na Mata Atlântica

A análise, elaborada a partir de diversos cenários climáticos e da distribuição de mais de 5 mil espécies de anuros, indica que várias regiões do planeta com grandes concentrações desses animais serão afetadas pela aridificação nas próximas décadas, mas com impacto maior em áreas da África e particularmente, da América do Sul.

O que realmente preocupa os envolvidos no estudo é que existem muitas espécies de anfíbios nas florestas do continente sul-americano, como já mencionado anteriormente. E mais do que isso, muitos são endêmicos, ou seja, não existem em nenhum outro lugar, como é o caso da perereca-flautinha (Aplastodiscus leucopygius) e do sapinho-pingo-de-ouro (Brachycephalus pitanga)que só ocorrem na Mata Atlântica.

“O bioma abriga mais de 700 espécies dos anfíbios anuros conhecidos no Brasil, e mais de 50% delas são endêmicas”, ressalta Bovo. “Quando se pensa em um cenário de Mata Atlântica, de perda de quase 90% de sua vegetação original, e agora com uma piora climática ainda mais rápida, boa parte dessas espécies pode desaparecer.”

Já na Amazônia o alerta cai sobre o Arco do Desmatamento, no sul do bioma, onde há maior expansão das atividades agropecuárias. “Essa é a área do nosso mapa onde aparecem manchas críticas em que haverá aumento de seca, sendo que essa região já sofre com um processo histórico de desmatamento, desde a década de 70, inclusive com a construção das estradas, que destroem não só as florestas como também outros habitats importantes para os anuros”, destaca Bovo.

Adaptação e evolução: uma incógnita

Anfíbios são animais essenciais para seus ecossistemas. Entre alguns dos muitos serviços ambientais que eles prestam estão a regulação de populações de insetos – como mosquitos, conhecidos vetores de doenças –, a ciclagem de nutrientes e a sustentação de diversas teias alimentares.

Em um clima mais quente e árido, a dúvida é se haverá tempo para que eles consigam se adaptar ou evoluir ao longo das gerações para sobreviver a essas novas condições.

Leia também: Seca e aquecimento global vão prejudicar anfíbios da Amazônia, aponta estudo

“É possível que os anfíbios se adaptem a um mundo mais quente, mas eles precisam de tempo para tal. Atualmente, a taxa de aquecimento excede sua capacidade de adaptação, razão pela qual muitos sapos correm risco de extinção”, afirma Wu. “Se fornecermos alguma proteção ambiental, por exemplo, restaurando florestas, isso fornecerá microclimas adequados para que os anfíbios se adaptem ao nosso mundo em rápida mudança.”

Os pesquisadores reforçam que estudos como esse são importantes para ajudar na elaboração de políticas públicas de conservação enquanto essas espécies ainda existem, antes que seja tarde demais, após elas já terem sido extintas.

O próximo passo é entender melhor como alguns animais são mais resilientes do que outros. Bovo cita como exemplo espécies com adaptações específicas, como aquelas que produzem cera na pele e conseguem resistir a situações adversas, sem desidratar muito rápido. E outras que se enterram, criando um casulo, com pele morta acumulada, desenvolvendo uma barreira física para reduzir a perda de água.

“Muitos dos estudos feitos nas últimas décadas sobre mudanças climáticas tiveram como foco apenas a mudança da temperatura, e não o efeito separado ou combinado de calor e seca, como esse nosso estudo. Além disso, estamos aprendendo que não é só a média que importa; é preciso levar em conta ainda a variação de temperatura e umidade e a ocorrência mais frequente de eventos extremos”, destaca o biólogo.

“Por isso não é fácil responder à simples pergunta se todos ou apenas alguns grupos de animais que dependem de água, como os anfíbios, irão sobreviver às mudanças climáticas”, conclui.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Suzana Camargo

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Xapuri, a ‘princesinha do Acre’, foi berço do início da Revolução Acreana

Terra de Chico Mendes e berço da Revolução Acreana, Xapuri é uma das cidades mais históricas e emblemáticas do Acre.

Leia também

Publicidade