“Fofas” e surpreendentes: saiba qual a importância das salamandras amazônicas para o meio ambiente

Elas podem “prever” mudanças climáticas e ainda possuem outras características com potenciais interessantes para a ciência, mas faltam pesquisas.

Algumas parecem estar sorrindo. Outras são tão pequenininhas que passam despercebidas. Mas assim como podem parecer fofas, a capacidade desses animais é surpreendente e o conhecimento sobre eles ainda é pouco. Essas são as salamandras.

Elas são espécies de anfíbios – mais aparentadas dos sapos, pererecas e cobras cegas (as cecílias) – que ocorrem em regiões de floresta. No Brasil só ocorrem na região amazônica.

E você sabia que elas podem prever mudanças climáticas? Calma. O Portal Amazônia conversou com a bióloga Isabela Carvalho Brcko para entender melhor o papel das curiosas salamandras no meio ambiente.

Bolitoglossa paraensis. Foto: Ângelo Dourado

Subestimadas

As salamandras que vivem na América do Sul podem medir de 3 a 12 centímetros de comprimento (no máximo). Elas respiram pela pele devido a ausência de pulmões e vivem geralmente em ambientes úmidos. Sua alimentação é composta por pequenos invertebrados, como cupins, formigas ou besouros.

“Quando ingressei no mestrado, já tinha ideia de trabalhar com espécies de anfíbios e conversando com meus orientadores (Selvino Neckel de Oliveira, da UFSC, e Marinus Hoogmoed, do MPEG), vimos que o número de informação coletada no Museu Goeldi já era o suficiente para desenvolver algum projeto sobre as salamandras”, lembra.

De acordo com Isabela, no seu estudo de mestrado em 2013 na Universidades Federal do Pará (UFPA), cinco espécies foram citadas: Bolitoglossa paraensis; Bolitoglossa caldwellae sp. nov.; Bolitoglossa madeira sp. nov.; Bolitoglossa tapajonica sp. nov.; e Bolitoglossa altamazonica.

“O primeiro trabalho em que foram coletados dados de biologia e características morfológicas foi no meu mestrado. A que temos mais informação é a B. paraensis, por estar inserida em uma metrópole em que existem pesquisas como no Museu Goeldi ou na UFPA”, comenta a bióloga.

Bolitoglossa tapajonica. Foto: Jerriane Gomes

No entanto, em um estudo mais recente, de 2020, foi descoberto que a espécie B. altamazonica não possui ocorrência no Brasil. Portanto, somente as outras quatro são descritas oficialmente em território nacional até o momento. E todas estão na região amazônica:

Bolitoglossa paraensis: encontrada em Belém e região metropolitana, ate 170 km de distância, em fragmentos de floresta e no Parque do Utinga, por exemplo;

Bolitoglossa caldwellae sp. nov.: ocorre na região oeste do Acre, no município de Porto Walter e Serra do Divisor, podendo ultrapassar a fronteira e chegar ao Peru. Seu nome é uma homenagem à Janelle Caldwell, que estudou muitos anos os anfíbios da Amazônia;

Bolitoglossa tapajonica sp. nov.: encontrada na região oeste do Pará, entre os rios Tapajós e Xingu, em região de mata, e recebe este nome por causa do rio Tapajós, onde foi pela primeira vez localizada;

Bolitoglossa madeira sp. nov.: foi encontrada na época em que os estudos de impacto de construção da Hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia, por conta do Rio Madeira. É possível que também estejam presentes no sul do Amazonas.

“Alguns anos antes do meu ingresso no mestrado, um estudo publicado sugeria que possivelmente a espécie B. paraensis não era a única espécie a ocorrer no Brasil. Baseados nessa hipótese, iniciamos o projeto e analisei todos os espécimes disponíveis, não só do Museu Goeldi, mas de outras instituições, inclusive fora do Brasil. A partir das análises da morfologia externa consegui observar a existência de pelo menos cinco espécies distintas. Em um trabalho posterior, em que colaborei com o pesquisador Juan Carlos Cusi, do Peru, observamos que os espécimes B. altamazonica do meu trabalho, na verdade eram de uma espécie nova esperando para ser descrita”, informou ao Portal Amazônia.

E não é só isso. A partir de novas coletas ao longo de toda a Amazônia, foi possível incluir análises de DNA num estudo mais amplo com as salamandras. Neste estudo, desenvolvido por Andres Jaramillo e colaboradores, onde me incluo, um dos achados é que há, pelo menos, mais cinco espécies esperando descrição.

“Ou seja, são pelo menos seis novas espécies, mas posso adicionar que além dessa hipótese, existe pelo menos uma espécie a ser descrita no Amapá, uma na região Norte do Amazonas, e possivelmente uma nova no Pará, na região da Ilha do Marajó. Então, no total temos quase dez espécies esperando para serem descritas. Precisamos de mais taxonomistas, mais pessoas que tenham interesse e disponibilidade para trabalhar com essas espécies”,

avisa.

Bolitoglossa caldwellae. Foto: Janalle Caldwell

B. caldwellae

As áreas em que B. caldwellae foi encontrada em Porto Valter, no Acre, foram completamente modificadas pela pecuária, em função da área urbana. Mas áreas em que ainda há proteção ambiental é mais “fácil” de encontrá-la.

“Eu diria que a ocorrência dentro de áreas protegidas da Serra do Divisor traz para essa espécie um pouco mais de tranquilidade em relação à conservação. No entanto, foi publicado um relatório em 2019 sobre vulnerabilidade da biodiversidade brasileira, que prevê que até 2050, em decorrência de mudanças climáticas, as áreas adequadas para a existência dessa espécie sofrerão redução de 94 a 100%. Então mesmo que esteja em áreas mais preservadas hoje, não é certeza que nos próximos anos ela não sofrerá com as mudanças climáticas e não somente essa espécie”, destaca a bióloga

No relatório de vulnerabilidade, segundo Isabela, foi usada uma modelagem baseada nas características de ambiente onde a espécie ocorre e projetaram, baseados em informações climáticas até 2050, quais áreas permaneceriam intocadas e continuariam adequadas para a ocorrência da espécie. “Por conta disso, é quase certeza que se nada mudar essa espécie será extinta em breve”, alerta. 

Ameaças ambientais

E um dos maiores problemas é que ainda não existem estimativas do tamanho e da distribuição de todas as populações das espécies, mas sabe-se que são sensíveis ao clima por conta de suas características fisiológicas e podem até servir como indicadores de mudanças climáticas ou perda de hábitats. Daí a ideia de serem verdadeiros “radares” das transformações no meio ambiente.

Isso porque os anfíbios, de maneira geral, são muito sensíveis à mudanças climáticas. Além da respiração pulmonar, também fazem a respiração cutânea: “Mas as salamandras que ocorrem no Brasil não possuem pulmões, então sua respiração é obrigatoriamente cutânea, tornando-as bem mais sensíveis. Para ocorrerem no ambiente, precisa de alta umidade para que as trocas gasosas sejam efetivas. O aumento da temperatura e redução da umidade, por exemplo, possivelmente levará a redução populacional e extinções locais”.

As salamandras são tão sensíveis que, para se ter uma ideia, Isabela conta que um amigo seu pesquisador no Acre, fez a coleta de alguns espécimes e os manteve alguns meses dentro de terrários (grande aquário que simula o habitat natural). “Elas ficaram vivas durante esse tempo, mas é um ambiente totalmente artificial e elas ficam totalmente dependentes. O cativeiro funciona para que nós tenhamos acesso à informações sobre reprodução, comportamentais, mas a longo prazo, para preservação da espécie não é viável”, explica.

“O ideal é manter fragmentos florestais, incluir áreas de proteção ambiental, para que elas sejam preservadas e não somente as espécies de anfíbios, mas as demais que vivem nessas áreas. Nós, seres humanos, também precisamos de um ambiente saudável e isso a gente só tem com a preservação de grandes áreas florestadas”, completa a bióloga.

Regeneração: uma capacidade surpreendente

Os principais predadores das salamandras são serpentes, gaviões e gambás. De acordo com a pesquisadora, ainda se sabe pouquíssimo sobre essas espécies, mas elas são surpreendentes em relação à forma como se defendem.

“Além desse ‘radar’, das mudanças climáticas locais, as salamandras são os únicos vertebrados terrestres que tem a capacidade de regenerar por completo os membros amputados. O gênero Bolitoglossa é pouco estudado em relação a isso. Mas o que a gente sabe em relação gênero é que, por exemplo, a salamandra possui uma cauda e quando está no ambiente e se sente ameaçada por um predador, seu mecanismo de defesa é a liberação da cauda, para que ela possa fugir do predador”, revela.

Isso quer dizer que essas salamandras tem a capacidade de regeneração completa da estrutura da cauda. “Lagartos tem o mesmo mecanismo de defesa, mas é outro tipo de tecido que é regenerado”, comenta.

Bolitoglossa madeira. Foto: Mauro Teixeira

Isabela conta ainda que existem casos que chamam mais atenção, como uma espécie de salamandra que ocorre no México (Axolote – Ambystoma mexicanum) em que acontece a regeneração completa de todos os membros, incluindo os ossos. “É um grupo muito interessante para se estudar. Há um conhecimento todo ainda que a gente não acessou e talvez nem tenhamos chance de acessar em função da grande perda de biodiversidade que a gente tem observado, infelizmente”, lamenta a bióloga

E para quem pensa que acaba aí, esses bichinhos ainda conseguem surpreender. Isso porque, também podem ser estudadas para responder outras perguntas, como até mesmo sobre questões passadas. Como elas são antigas e ocorrem no continente americano há pelo menos 60 milhões de anos, “provavelmente adentraram a América do Sul há cerca de 15 milhões de anos e se distribuíram por toda Amazônia”, segundo a especialista.

“Elas podem ser utilizadas para responder quais foram os eventos geográficos e climáticos passados que ocorreram para formar toda essa diversidade na Amazônia, com análises do DNA das espécies”, assegura Isabela.

Incentivo

É impossível não perceber o imenso potencial que esses bichinhos tão pequenos tem. No entanto, de acordo com Isabela, ainda “falta muito trabalho e coleta de campo”.

“É muito gratificante e empolgante ser capaz de ir a campo, ver o animal no meio que ele vive, com o comportamento dele livre. E mais gratificante é a partir de uma hipótese, de um estudo, você ser capaz de descobrir uma coisa que até então era desconhecida e contribuir um pouco mais para ampliar o conhecimento”, garante a bióloga.

Para ela, além da importância ecológica, “elas são bichinhos muito fofos, pequenininhas. As do Brasil medem entre três e no máximo cinco centímetros e elas tem a carinha fofa”, comenta empolgada.

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