Encontro dos rios Negro e Solimões em Manaus. Foto: Reprodução/Setur-Amazonas
A Amazônia abriga a maior rede hidrográfica do planeta, formada por milhares de cursos d’água que se estendem por diferentes paisagens e ecossistemas. Esses rios não são apenas vias de transporte ou fontes de alimento para as populações ribeirinhas, mas também elementos que moldam a biodiversidade, influenciam o clima e determinam o modo de vida de milhões de pessoas.
A variedade de cores, transparências e características químicas da água resulta em classificações específicas que distinguem os tipos presentes na região.
📲 Confira o canal do Portal Amazônia no WhatsApp
A diversidade amazônica se reflete também nas águas que percorrem sua imensidão. Dependendo da origem, da geologia das cabeceiras, da quantidade de sedimentos transportados e da matéria orgânica dissolvida, os rios podem se apresentar como de águas brancas, negras ou claras.
Além dessa divisão clássica, pesquisas recentes mostram que existem categorias intermediárias, que ampliam o entendimento científico sobre os ecossistemas aquáticos da região. Essa classificação é fundamental para compreender a dinâmica ecológica, a distribuição de espécies e até questões relacionadas à saúde pública.
Leia também: Portal Amazônia responde: qual a diferença entre arroio e rio?
Rios de águas brancas, negras e claras: definições e exemplos
Os rios de águas brancas têm origem em áreas montanhosas, especialmente nos Andes. São ricos em sedimentos em suspensão, como argila e limo, que deixam a água com aspecto barrento e turvo. Eles apresentam pH próximo ao neutro e possuem concentração significativa de nutrientes, o que favorece a produtividade aquática. Exemplos incluem o Rio Solimões, o Madeira, o Purus e o Juruá, que formam extensas várzeas utilizadas tanto pela fauna como pelas populações humanas para agricultura e pesca.
Já os rios de águas negras têm como característica a presença de compostos orgânicos dissolvidos, oriundos da decomposição de matéria vegetal. Essas substâncias, conhecidas como ácidos húmicos e fúlvicos, conferem à água uma coloração escura, semelhante a um “chá forte”. O pH costuma ser ácido, em torno de 4 a 6, o que limita a quantidade de nutrientes disponíveis. O exemplo mais conhecido é o Rio Negro, cujas águas contrastam de forma marcante com as do Rio Solimões no fenômeno do Encontro das Águas, próximo a Manaus.
Os rios de águas claras apresentam coloração transparente ou levemente esverdeada. São formados em áreas de solos cristalinos antigos, com baixa quantidade de sedimentos em suspensão. Possuem pH próximo ao neutro e águas menos férteis em termos de nutrientes. Destacam-se nessa categoria o Tapajós e o Xingu, ambos com grande importância ambiental e cultural para as populações que vivem em suas margens.
Leia também: Conheça as diferentes cores de águas em rios da Amazônia e entenda suas mudanças

Outras categorias e variabilidades entre os rios
Além das três classificações principais, algumas pesquisas identificaram categorias intermediárias que ajudam a detalhar ainda mais a diversidade hídrica da Amazônia. É o que aborda, por exemplo, o estudo ‘Classificação dos rios da Amazônia: uma estratégia para preservação desses recursos‘, publicado na revista Holos Environment em 2013.
Os autores – Maria do Socorro Rocha da Silva; Sebastião Átila Fonseca Miranda; Roberto Naves Domingos; Sergio Luiz Rodrigues da Silva; e Genilson Pereira Santana – destacam que, por exemplo, há subtipos de águas claras que apresentam variações químicas específicas, bem como rios com características situadas entre as águas brancas e as negras.
Outra categoria é a das águas salobres, que possuem maior quantidade de íons dissolvidos e podem ocorrer em áreas de transição ou em trechos próximos à foz dos grandes rios.
“As águas dos rios na região apresentam na sua maioria composição bem diferenciada, sendo águas ácidas (pH variando de 3,60 a 6,59), ou de levemente ácida a próximo à região de neutralidade, bem como levemente alcalina (6,43-7,9). Nas águas do rio Amazonas e tributários da margem direita, devido a maior carga iônica, são elevados os teores de turbidez, material em suspensão e condutividade elétrica. Já os tributários da margem esquerda do rio Amazonas, que nascem no Planalto das Guianas (…) são baixos os teores de eletrólitos (…) e águas mais ácidas (pH de 3,6 a 6,59)”, explica o estudo.
Essa ampliação das classificações segundo os pesquisadores permite uma compreensão mais precisa sobre rios de menor porte, como igarapés, que desempenham papel essencial no equilíbrio ecológico da floresta.
Também auxilia na formulação de políticas de conservação e no manejo sustentável dos recursos naturais, já que cada tipo de rio apresenta particularidades que afetam tanto a fauna quanto o uso humano.
Importância ambiental dos diferentes tipos de rios
Há estudos que ainda destacam que há diferentes tipos de rios exercem influência direta sobre a biodiversidade da Amazônia. As águas brancas, ricas em nutrientes, alimentam extensas áreas de várzea que se tornam berçários naturais de peixes e de outras espécies aquáticas.
Já os rios de águas negras, apesar de menos férteis, oferecem habitats específicos para espécies adaptadas à baixa disponibilidade de nutrientes. Os rios de águas claras, por sua vez, abrigam ecossistemas singulares, em que a transparência da água favorece certos tipos de peixes e plantas aquáticas.
O estudo publicado em 2022 na Revista Science Advances, intitulado ‘Rearranjos da rede fluvial promovem especiação em aves das terras baixas Amazônicas’ -de autoria da pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), a bióloga Camila Ribas, e pesquisadores do Museu Americano de História Natural (AMNH), da qual Ribas é pesquisadora associada desde 2008 -, mostrou que até as aves são influenciadas pelos rios.
De acordo com Ribas, as aves se tornam “ótimos marcadores” da evolução das paisagens, por serem grupos especializados em diferentes ambientes Amazônicos, como sub-bosque de floresta de terra firme, várzeas, igapós, campinas e savanas.
“Aqui podemos testar hipóteses sobre como mudanças nas paisagens afetaram a distribuição das espécies de aves em cada ambiente amazônico no passado e com isso entender melhor tanto a formação da biodiversidade amazônica como a conhecemos hoje quanto o que pode acontecer com essa diversidade frente ás mudanças futuras, mais rápidas, causadas pelo homem”, explica Camila Ribas.
A diversidade de rios também tem implicações para a saúde pública. Vários estudos apontam que a acidez e a composição da água dos rios podem influenciar a proliferação de mosquitos transmissores de doenças, como a malária.
Além disso, o transporte de sedimentos em grandes volumes modifica os leitos, margens e áreas de inundação, impactando tanto os ecossistemas quanto as comunidades humanas que vivem em regiões de cheias sazonais.
Fatores que determinam o tipo de rios na Amazônia
Entre os principais fatores que determinam o tipo de rio estão a origem geológica das cabeceiras, a topografia, a composição do solo e os processos hidrológicos sazonais. Rios que nascem em regiões montanhosas tendem a arrastar grandes quantidades de sedimentos, formando águas brancas.
Já os que se originam em áreas de solos antigos e cristalinos, pobres em sedimentos, formam águas claras. Em áreas planas e alagadas, com acúmulo de matéria orgânica em decomposição, predominam rios de águas negras.
Além disso, a sazonalidade desempenha papel fundamental: durante as cheias, aumenta o transporte de sedimentos e matéria orgânica, alterando temporariamente a cor e a composição da água. Esses fatores tornam os rios da Amazônia sistemas dinâmicos e complexos, que variam não apenas de um curso para outro, mas também ao longo do próprio ciclo anual.
