Plantação de árvores nativas da Amazônia recupera áreas de preservação permanente no Sudeste do Pará

O planejamento de espécies nativas – florestais e frutíferas – é a forma mais indicada de recuperação de áreas de preservação permanente na agricultura familiar da região amazônica.

Um trabalho participativo da pesquisa junto a agricultores familiares do Sudeste do Pará revela que o plantio de espécies nativas – florestais e frutíferas – é a forma mais indicada de recuperação de áreas de preservação permanente na região amazônica. Para áreas de reserva legal, a recomendação é a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs).

Realizado no projeto de assentamento Mamuí, no município de Itupiranga, o trabalho aposta na adoção de estratégias de baixo custo de restauração florestal, como o plantio de sementes pré-germinadas e mudas de espécies já existentes no local. O objetivo maior da iniciativa é reduzir o desmatamento e melhorar a condição socioprodutiva dos agricultores familiares na Amazônia.

Foto: Enilson Solano/Embrapa

O Sudeste do Pará concentra uma grande quantidade de projetos de assentamentos que abrigam milhares de famílias de agricultores. Em geral, a ocupação cumpre uma lógica de abertura de áreas de floresta para atividades produtivas, seguindo o processo tradicional de derrubada e queima.  

“Os locais próximos a nascentes e igarapés são os mais vistos para derrubados. É uma estratégia do pequeno agricultor instalar casas nesses locais, para ter acesso à água e salvar animais peçonhentos”,

explica o pesquisador Ademir Ruschel , da Embrapa Amazônia Oriental.

Estas áreas, no entanto, são consideradas pela legislação como de preservação permanente e o seu desmatamento gera um passivo ambiental para a propriedade. Também contém o quadro de manipulação ambiental para a agricultura e a peculiaridade com baixa adoção de tecnologia, descrito pela queda e queima, e que depende do abandono e reabertura de novas áreas para renovar a fertilidade do solo.

A região é um dos pontos de implantação das ações do Inovaflora, um dos 19 projetos que fazem parte do Projeto Integrado da Amazônia (PIAmz), parceria entre a Embrapa e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com ações financiadas pelo Fundo Amazônia.

No projeto de assentamento Mamuí, por meio da troca de experiências, informações e tecnologias e da construção coletiva do conhecimento, a equipe e os agricultores implantaram sistemas de recomposição com base na diversidade de espécies de florestas nativas, frutíferas, e outros cultivos agroalimentares já utilizados ou de interesse das comunidades. 

Tecnologias e diversidade para produzir sem desmatar

“Levamos tecnologias e construímos alternativas com os agricultores para que eles possam se adequar à legislação e produzir mais em suas áreas”

explica a engenheira florestal Michelliny Bentes, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e coordenadora do Inovaflora.

Foto: Vinícius Braga/Embrapa

Segundo a pesquisadora, um dos principais gargalos nos trabalhos de recuperação envolve os custos com a produção ou aquisição de sementes, mudas e insumos, e com adubação, viveiros e transporte até as áreas de plantio. “Esses custos são altos na Amazônia. A entrega de sementes de espécies florestais nativas é outro gargalo, assim como o conhecimento sobre seu desenvolvimento germinativo”.

Para contornar as dificuldades, a equipe do projeto avaliou em conjunto com a comunidade a utilização da técnica de plantio de sementes escarificadas ou pré-germinadas, que, entre outros benefícios, diminui os custos na etapa de viveiro (semeadura, repicagem e condução) e sem transporte até o local definitivo de plantio. “É uma técnica simples e barata que pode ser aplicada pelo produtor com facilidade”, explica o pesquisador Ademir Ruschel, integrante do projeto 

Nessa técnica, as sementes das espécies escolhidas germinam diretamente sobre o solo, protegidas por uma cobertura de palha umedecida, e depois são levadas para o plantio nas áreas de recuperação. “No fim do processo, elas se desenvolvem tão bem quanto uma muda que começou num saquinho com substrato e protegido pelo viveiro, ou mesmo avantajada, por preservar a formação radicular, principalmente mantendo a raiz pivotante provida da coifa, o que fisiologicamente favorece a saúde da planta”, avalia Ruschel.

Seguindo essa técnica, nas áreas de preservação permanente escolhidas para recuperação, as sementes escarificadas ou pré-germinadas foram plantadas de forma adensada e sem dobro da quantidade de indivíduos previstos. “Isso em função da previsão de perda por mortalidade natural (seleção), condições ambientais adversas e entrada de animais e de que nem todos os tratos silviculturais sejam aplicados até o fim do estabelecimento das espécies plantadas. Mesmo assim, na última avaliação – três anos após o plantio -, a sobrevivência se mostrou superior a 50%”, explica Ruschel.

Também nesses locais, foram plantadas diversas mudas de espécies florestais fornecidas por viveiros para uma maior diversidade de espécies. A produção de mudas em viveiro deve ser aliada à técnica de plantio direto de sementes, principalmente em virtude da necessidade de armazenamento e período de plantio. “Sugerimos frutíferas nativas, a exemplo do bacuri, açaí, taperebá, castanha-do-Pará, piquiá, graviola, cacau, cupuaçu, ingá, uxi, buriti, puxuri, e espécies que fornecem óleos e resinas, como andiroba, cumarú, pracaxi , e copaíba”, completa.

O açaí nativo (Euterpe oleracea) foi outra aposta dos técnicos e dos agricultores nas áreas de preservação permanente, conta Michelliny Bentes.

“Com isso o projeto conseguiu conciliar dois objetivos: reintroduzir uma espécie nativa no seu habitat natural e promover a atração da fauna e o aumento da polinização, que se destaca com um dos mais nobres serviços ecossistêmicos para a restauração ecológica”,

explica.

Mais de 50 espécies arbóreas nativas, algumas já praticamente escassas na região, foram introduzidas nas áreas de preservação permanente que anteriormente estavam cobertas com pasto e uma regeneração secundária empobrecida. Entre elas jatobá, amarelão, mogno-brasileiro, maranhoto, timborana, pau-preto, jarana, sumaúma, fava-arara-tucupi, angelim-branco, oiti, bacaba e bacuri. 

SAFs para reserva legal 

Do grupo de oito agricultores que aderiram à recuperação das áreas de preservação permanente, três também tiveram interesse em recuperar a reserva legal. Nesse trabalho, foram implantados sistemas agroflorestais em parcelas de 3.500 metros quadrados divididos em três componentes: núcleo de produção, frutíferas de pequeno porte e essências florestais nativas. O primeiro é o que reuniu o maior número de plantas distribuídas entre açaizeiro, bananeira e cacaueiro. 

Foto: Enilson Solano

A família do agricultor Antônio Maurício é uma das que obteve a recomposição da reserva legal. O agricultor ( foto à esquerda ) atualizou um sistema agroflorestal para recuperar uma nascente localizada no seu lote. “Foram 45 mudas de banana, 90 de açaí, 90 de cacau, além de mogno, andiroba, buriti e ipê. Tudo para proteger a água da minha área”, conta. Ele tem observado que uma vegetação nascente é condição fundamental para manter a qualidade da água. “As nossas áreas de preservação permanente devem ser cobertas com vegetação nativa e produtivas também. Se descobrirmos tudo, isso compromete a qualidade da nossa água”, acredita.

A pesquisadora Michelliny Bentes destaca que um importante benefício ecológico oferecido nas avaliações a campo, nas áreas do projeto de assentamento Mamuí, é a formação de pequenos corredores ecológicos, que estão interligados à reserva legal das propriedades. “No médio prazo, teremos uma nova formação florestal trazendo mais benefícios às famílias de agricultores, além da produção diversificada com os SAFs que também já começaram a dar os primeiros resultados de produção”, finaliza Bentes 

Seu João e a restauração florestal

 

A animação, inspirada na experiência do projeto Inovaflora, no Sudeste do Pará, mostra a história do seu João, personagem fictício que representa um pioneiro na ocupação de lotes na Amazônia. O reflorestamento com espécies nativas foi uma solução encontrada para melhorar a condição produtiva do lote e promover a adequação ambiental. 

Benefícios que vão além do ambiente 

 A pesquisa aponta diferentes estratégias de restauração e a escolha de uma depende do contexto local e dos objetivos da intervenção na área, que podem ser resgatar os serviços ecossistêmicos, melhorar a produção agropecuária e florestal ou diminuir passivos ambientais. Entre as estratégias estão a reabilitação produtiva da área; o reflorestamento com sistemas integrados de produção, como Sistemas Agroflorestais e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF); o reflorestamento com plantio de espécies arbóreas; e uma regeneração natural.

Joice Ferreira, também pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, explica que os serviços ecossistêmicos são funções que os ambientes naturais são fornecidos para os seres humanos. 

“A polinização, a produção e qualidade da água, do solo e outros são exemplos. A restauração tenta justamente resgatar esses serviços que foram perdidos a partir do desmatamento e manipulação. Trazendo a floresta de volta, permitimos o aumento da produção de água, de frutos, de culturas agrícolas, de alimentos e outros serviços”,

acrescenta.

Foto: Enilson Solano

Em locais onde o uso da terra é mais recente, com a presença de florestas remanescentes por perto, a regeneração natural, que envolve apenas o isolamento da área, é uma boa estratégia, segundo os especialistas. Já em áreas que foram abertas há mais tempo e onde não existem florestas por perto, o reflorestamento com o plantio de espécies nativas e também a implantação de sistemas integrados são mais indicados.

“É importante que o agricultor tenha consciência de que esse ambiente é uma área que vai ser perenizada. Então a restauração ou recuperação desse ambiente degradado tem que ser atrativa para o agricultor com o uso de sistemas de baixo custo e também com a obtenção de benefícios”, ressalta o pesquisador Ademir Rushell. “A recuperação pode, portanto, especificar a função de restaurar o ambiente e trazer benefícios sociais e econômicos ao agricultor”, conclui. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Embrapa

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