Espécies de peixes endêmicos desaparecem após construção de usinas hidrelétricas no Amazonas

Dados são de estudo realizado no rio Uatumã, cuja proposta era avaliar a permanência de sete espécies endêmicas originalmente descritas apenas neste rio.

Construção de hidrelétricas ameaçam biodiversidade local, mas expedições revelam esperança em áreas preservadas. Cachoeira do rio Jatapu. Foto: Leandro Sousa

Após 35 anos da construção das Usinas Hidrelétricas (UHEs) de Balbina e Pitinga, distritos de Presidente Figueiredo, no Amazonas, os peixes endêmicos que viviam na região não estão mais presentes naquela área. Essa é a conclusão do projeto de pesquisa que visa entender esse cenário. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), o projeto é coordenado pela pesquisadora Lúcia Rapp Py-Daniel, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), e por Douglas Bastos, bolsista de pós-doutorado do projeto Fapeam, em parceria com pesquisadores da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Intitulado ‘Peixes reofílicos do rio Uatumã: avaliando o status de conservação após 35 anos da construção das UHEs Balbina e Pitinga, Amazonas, Brasil’, a proposta da pesquisa era avaliar a permanência de sete espécies endêmicas originalmente descritas apenas do rio Uatumã, um dos principais afluentes da margem esquerda do rio Amazonas, cuja biodiversidade foi afetada pela construção das usinas. Os primeiros resultados de campo indicaram que as espécies ameaçadas de extinção, descritas antes da construção das barragens, não foram mais encontradas na região.

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Douglas Bastos explica que a maioria dos peixes reofílicos — que habitam exclusivamente cachoeiras e trechos de águas rápidas — do rio Uatumã são conhecidos apenas por material-tipo, coletado durante o inventário das UHEs. Esses exemplares têm um enorme valor biológico e, segundo ele, são necessários novos esforços para encontrar essas espécies na localidade-tipo e em tributários que não sofreram os impactos das hidrelétricas. O rio Abacate e o rio Jatapu são exemplos de afluentes do rio Uatumã que não foram afetados.

Desaparecimento em áreas impactadas

Durante a primeira expedição ao rio Uatumã, em novembro de 2023, realizada abaixo da UHE de Balbina, a equipe coletou 945 exemplares, resultando em 247 amostras de tecidos e 170 lotes depositados na Coleção de Peixes do Inpa. Apesar das intensas atividades de captura, que incluíram cinco dias de trabalho e 20 horas de mergulho autônomo, as espécies esperadas não foram encontradas, levantando preocupações sobre o impacto significativo das UHEs na biodiversidade aquática local.

Nova Espécie – Acari/Bodó (Hypancistrus sp. n)Foto: Douglas Bastos

De acordo com Rapp Py-Daniel o ambiente alterado de um lugar de correnteza para um lago vai ter um impacto muito forte nas espécies que vivem nessas áreas.

Buscas em afluentes saudáveis

A segunda fase do projeto, realizada em outubro de 2024, concentrou-se na busca de espécies em habitats de cachoeiras que ainda não foram impactadas por hidrelétricas. Uma expedição foi realizada ao rio Abacate, mas por ser um tributário de pequeno porte, não tinha habitats similares das cachoeiras do rio Uatumã e nenhuma espécie alvo foi encontrada. No segundo semestre de 2024, a equipe realizou uma nova expedição ao rio Jatapu, afluente de grande porte do rio Uatumã, que apresenta ambientes similares ao rio Uatumã.

O material coletado na expedição do rio Jatapu continua em análise na Coleção de Peixes do Inpa. No entanto, segundo os pesquisadores, somente com as observações subaquáticas foi possível notar um ambiente muito saudável, com grande diversidade de organismos aquáticos. Muitas espécies de peixes reofílicos, que foram capturadas em Balbina na década de 80, estavam presentes nas cachoeiras do rio Jatapu. Entre elas, duas espécies ameaçadas foram recapturadas, uma espécie de sarapó (Apteronorus lindalvae) e uma espécie de bodó (Harttia uatumensis).

“Nossa expectativa de encontrar algumas das espécies, descritas para o rio Uatumã, no rio Jatapu foi confirmada. Nossos resultados preliminares, juntamente com os dados ecológicos obtidos em campo, podem contribuir para ações de conservação desta área e, consequentemente, dessas espécies”, afirma Bastos.

Equipe no rio Uatumã. Foto Leandro Sousa

As expedições revelaram também o desconhecimento sobre a ictiofauna da bacia do rio Uatumã. Até o momento, foram coletadas 10 a 15 espécies potencialmente novas, sendo cinco no rio Uatumã e dez no rio Jatapu. Além dos registros de pelo menos duas espécies de peixes que ainda não tinham ocorrência conhecida para a bacia do Uatumã.

“Essa é a primeira proposta, um primeiro projeto, a gente pretende dar um andamento nesse projeto, e ver se a gente consegue ter mais informação sobre a real diversidade dessas áreas. Para, inclusive, poder proporcionar informação para subsidiar planos de conservação, planos de ação, junto aos órgãos governamentais de conservação que nós temos, Ibama e ICMBio”, frisa a pesquisadora.

Para acompanhar de perto a expedição, a equipe produziu um vídeo:

Pesquisadores responsáveis: Lucia Rapp Py-Daniel, Douglas Bastos, Leandro Sousa, Jansen Zuanon, Marcelo Rocha, Valéria Machado, William Ohara, Valdenor Magalhães, Diana Kohler, Lucas Gama, Thiago Bueno

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