No novo estudo, CENAP/ICMBio e parceiros indicam áreas prioritárias para proteção da espécie.
O estudo ‘Ameaças antropogênicas iminentes e priorização de áreas protegidas para onças-pintadas na Amazônia brasileira’, do WWF, CENAP/ICMBio e parceiros, analisou as ameaças às onças-pintadas (densidade populacional humana; estradas; pastagens; focos de incêndio; desmatamento; e áreas de mineração) e suas populações em 447 terras protegidas da Amazônia brasileira, incluindo 330 reservas indígenas, identificando áreas prioritárias para a conservação da espécie, reforçando o papel das terras indígenas como santuários para as onças-pintadas e a biodiversidade.
A Amazônia representa o maior reduto da espécie, com dois terços da sua atual área de distribuição (9 milhões de km²), sendo que a maior parte se encontra no Brasil. No entanto, o bioma está sendo degradado rapidamente com o desmatamento desenfreado para dar lugar à agricultura, à mineração, às obras de infraestruturas. Há, ainda, a caça generalizada: por exemplo, em áreas desmatadas com pastagens de gado, até 110-150 onças-pintadas e suçuaranas podem ser mortas anualmente por meio de carcaças envenenadas e perseguição direta por caçadores.
As 447 áreas analisadas correspondem a 1.755.637 km², o que representa 41,7% da Amazônia brasileira, e abrigam cerca de 26.680 onças-pintadas, de acordo com os modelos aplicados no estudo. As reservas indígenas cobrem 1.120.738 km² e estima-se que contenha 63,2% do número total de onças-pintadas nas 447 áreas protegidas, e um baixo nível de ameaças, comparável às áreas estritamente protegidas como as unidades de conservação e terras indígenas, salientando a sua importância para a conservação da onça-pintada.
O estudo identificou 10 principais áreas protegidas – as Terras Indígenas Apyterewa, Araribóia, Cachoeira Seca, Kayapó, Marãiwatsédé, Parque do Xingu, Uru-Eu-Wau-Wau, Yanomami, a Estação Ecológica da Terra do Meio e o Parque Nacional Mapinguari – que deveriam ser priorizadas para esforços imediatos de conservação da onça-pintada e 74 áreas adicionais que deveriam ser priorizadas para ações a curto prazo. Muitas delas estão localizadas na fronteira de áreas de desmatamento ou em fronteiras importantes com países vizinhos (por exemplo, a Amazônia peruana, colombiana e venezuelana) e estão entre as mais pressionadas pelo desmatamento, incêndios, e outras ameaças com necessidade de ação urgente.
As 10 áreas protegidas de prioridade máxima correspondem a um total de 25.254 km² (1,5% da área total), mas podem abrigar uma estimativa conservadora de 3.511 onças-pintadas – 13,2% da população total estimada de onças-pintadas para todas as 447 áreas protegidas. Se considerarmos as 10 áreas de prioridade máxima mais as 74 áreas prioritárias a curto prazo, estas 84 áreas poderiam proteger 53,1% do tamanho total estimado da população de onças-pintadas dentro das 447 áreas protegidas.
Como elas ocupam uma área de centenas de quilômetros quadrados, a preservação das onças pintadas no longo prazo exige um planejamento em grande escala, com redes eficazes de áreas protegidas (AP) e corredores de conectividade. Ao conservar as onças-pintadas e os seus habitats, geram-se benefícios mais vastos para a biodiversidade, bem como para as comunidades locais que dependem de florestas saudáveis, uma vez que as onças-pintadas são classificadas como uma espécie emblemática e guarda-chuva.
Este estudo visa ajudar as organizações ambientais e de investigação, e os tomadores de decisão a dar prioridade aos recursos para manter a maior população mundial de onças-pintadas. “Com uma Amazônia em rápida mutação e um financiamento limitado para a conservação, o estudo é fundamental para assegurar que as ações de conservação sejam dirigidas de maneira eficaz para onde são mais necessárias e possam proteger o maior número de onças-pintadas, ajudando a salvaguardar o seu reduto amazônico. Não há tempo a perder”, diz Ronaldo Morato, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros – CENAP/ICMBio.
“O futuro das onças-pintadas, mesmo nas regiões neotropicais mais intactas, como a Amazônia, só é seguro em áreas protegidas onde as restrições de uso do solo podem ser rigorosamente aplicadas e só se for possível resistir à pressão política incessante para reduzir o tamanho, recategorizar e extinguir as áreas protegidas. Estes espaços são centrais para a salvaguarda da biodiversidade, mas estão sob múltiplas pressões geopolíticas”,
diz Marcelo Oliveira, coautor do estudo, especialista em Conservação e líder programa de proteção de espécies ameaçadas do WWF-Brasil.
Atualmente, o governo brasileiro investe menos de um dólar por km² em todas as áreas protegidas sob jurisdição estadual e federal, não incluindo as terras indígenas.
Com as recentes eleições e a mudança de presidência, novas esperanças reavivam-se para a Amazônia brasileira e para as onças-pintadas, graças a uma maior vontade política de proteção ambiental. “O monitoramento participativo com protagonismo das populações da floresta e a utilização de tecnologia são estratégias importantes para compreender a delicada biodiversidade do bioma amazônico, e ajudam a conceber políticas e estratégias sólidas para a sua conservação”, continua Marcelo Oliveira.
Principais recomendações
– Aumentar o apoio, financiamento e mandato para agências ambientais como o IBAMA e o ICMBio, que sofreram cortes significativos nos últimos anos;
– Viabilizar políticas e arcabouços legais fortes que não deixem espaço para a redução, recategorização e extinção das áreas protegidas;
-Finalmente, a salvaguarda de áreas protegidas é de extrema importância para as onças-pintadas, mas não é suficiente. Precisamos também de manter a conectividade entre elas através de corredores seguros e de um planejamento sólido do uso do solo para assegurar o fluxo genético. Em última análise, conservar onças-pintadas significa conservar grandes áreas da Amazônia, com importantes benefícios planetários” afirma a Dra. Valeria Boron, coautora e Conselheira Sênior de Programas na WWF-UK.
Os autores do estudo, disponível na Revista Nature, são Juliano A. Bogoni, Valeria Boron (WWF-UK), Carlos A. Peres, Maria Eduarda M. S. Coelho (WWF-Brasil), Ronaldo G. Morato, e Marcelo Oliveira-da-Costa (WWF-Brasil).