Nova espécie de inhambu descoberta no Acre acende alerta sobre risco de extinção

A confirmação da espécie de inhambu - nome popular dado a diversas espécies de aves da família dos tinamídeos - é resultado de indícios acumulados desde 2021.

Foto: Luis Morais/Divulgação

Pesquisadores brasileiros confirmaram a identificação de uma nova espécie de inhambu na Serra do Divisor, no Acre, em uma descoberta considerada histórica para a ornitologia. A ave, registrada apenas entre 300 e 500 metros de altitude, recebeu o nome popular sururina-da-serra e o nome científico Tinamus resonans, em referência ao canto forte e prolongado que ajudou na sua detecção.

A confirmação da espécie de inhambu – nome popular dado a diversas espécies de aves da família dos tinamídeos – é resultado de indícios acumulados desde 2021, quando os ornitólogos Fernando Igor de Godoy e Ricardo Plácido registraram pela primeira vez um canto que não correspondia a nenhuma espécie conhecida. A partir desse registro, seguiram-se anos de busca, que culminaram na documentação completa entre 2024 e 2025.

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Canto único e características marcantes do Inhambu

As análises acústicas do inhambu revelaram um canto de mais de 45 segundos, dividido em dois módulos sonoros, considerado um dos mais longos e complexos já descritos entre os tinamídeos. A morfologia também impressionou os pesquisadores: a ave apresenta máscara cinza-azulada, peito ferrugíneo, dorso marrom-oliváceo com brilho bronzeado e flancos discretamente barrados. O corpo compacto e o comportamento manso reforçam a singularidade da nova espécie.

Segundo o pesquisador Luís Morais, a primeira observação direta em 2024 deste inhambu foi “chocante”, pela aparência distinta em relação a outros inhambus florestais conhecidos. A última descrição de um tinamu florestal pequeno havia ocorrido há cerca de 75 a 80 anos, o que reforça o caráter excepcional da descoberta.

“Nova espécie sem medo do ser humano”

Um dos aspectos mais surpreendentes observados nas expedições foi o comportamento dócil. Os pesquisadores relataram que a sururina-da-serra não demonstra medo de humanos, aproximando-se a poucos metros sem reagir.

Para Ricardo Plácido, esse comportamento aumenta o risco da espécie. Ele explica que, apesar de ser uma região protegida, a ausência de predadores naturais no topo da serra fez com que o inhambu não desenvolvesse mecanismos de defesa. A vulnerabilidade lembra a história do dodô, ave das ilhas Maurício extinta há cerca de 350 anos.

Dodó é uma ave extinta por consequências de ações humanas. Foto: Jacob Hoefnagel/Wikimedia Commons

Habitat extremamente restrito

A sururina ocorre exclusivamente nas áreas altimontanas da Serra do Divisor, em solos arenosos, ventos constantes e elevada umidade, onde predominam campinaranas de topo de serra. Essa faixa altitudinal é limitada e não possui áreas mais altas para expansão, o que torna a espécie altamente sensível a mudanças ambientais.

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O estudo indica que, entre os seis tinamús florestais pequenos registrados na região, apenas o Tinamus resonans se concentra acima dos 300 metros de altitude. A população estimada é de pouco mais de 2 mil indivíduos, distribuídos em fragmentos isolados no topo da serra.

Ameaças e risco de extinção

Embora viva dentro de um parque nacional, a espécie enfrenta riscos indiretos. O principal deles é a mudança climática, capaz de alterar temperatura, regime de chuvas e composição da vegetação. Caso o clima se torne mais quente, o “andar” de floresta adequado à sua sobrevivência tende a migrar para cima — mas o topo da serra já representa o limite.

Modelagens citadas pelos pesquisadores indicam que, a médio prazo, o aquecimento global pode reduzir ou eliminar o micro-habitat onde a espécie vive. Incêndios florestais, presença de animais domésticos, obras de infraestrutura e possíveis alterações nas regras de proteção ambiental também aparecem entre os fatores de risco.

Expedições e documentação científica

Para registrar a nova espécie, os pesquisadores percorreram áreas de difícil acesso, com trilhas íngremes, vegetação densa e longas caminhadas. Cada vocalização foi registrada com GPS e analisada posteriormente em laboratório, procedimento essencial para confirmar a distinção em relação a espécies próximas.

As descobertas foram publicadas na revista Zootaxa, reforçando a importância científica do achado. O grupo trabalha agora para que a ave seja incluída em listas oficiais de espécies ameaçadas, o que permitiria criar ações específicas de conservação.

A sururina-da-serra, que evoluiu isolada no alto da Serra do Divisor e demonstra comportamento similar ao do extinto dodô, já é considerada uma das aves amazônicas mais vulneráveis a distúrbios ambientais.

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