São Félix do Xingu assume posição após mais que dobrar rebanho bovino em um período de oito anos
As altas taxas de desmatamento e o tamanho de seu rebanho bovino são os responsáveis por São Félix do Xingu liderar as emissões nacionais. Em 2018, a cidade possuía 2.256.734 cabeças de gado, o que representava 10,9% de todo o rebanho bovino do Pará naquele mesmo ano. Se o setor da agropecuária foi responsável por 28% das emissões nacionais em 2019, conforme resultados do SEEG Nacional 2020.
O subsetor que mais contribuiu com as emissões do setor agro foi a fermentação entérica, que é a emissão de metano por parte dos bovinos, fruto do processo de digestão, responsável por 61,1% das emissões do segmento. Já em São Félix do Xingu, esse processo foi o responsável por 84,1% das emissões do setor. Isso se reflete também nos resultados encontrados pelo SEEG Municípios: a fermentação entérica foi o principal responsável pelas emissões de 78,5% dos municípios brasileiros (4.372 municípios), em 2018.
São Félix do Xingu ultrapassou a cidade de Corumbá, que lidera as emissões no Mato Grosso do Sul, com 3,6 Mt CO2e, e possui mais do que o dobro das emissões de Marabá, segundo lugar entre os maiores emissores do Pará, com 2.04 Mt CO2e. “Historicamente, Corumbá apresentava o maior rebanho do país até 2010, quando foi ultrapassado por São Félix do Xingu, que teve um salto enorme a partir de 2000”, explica Renata.
No acumulado entre 2000 e 2018, porém, Corumbá continua à frente de São Félix do Xingu, com 71,6 Mt CO2e, mas seguida de perto pela cidade paraense, que acumula 69,9 Mt CO2e liberados na atmosfera no período. Entre o ano de 2000 e 2018, a cidade paraense deu um salto de 172% no total de suas emissões, passando de 1,5 Mt CO2e para 4,2 Mt CO2e. O aumento no rebanho acompanhou esse crescimento: foi de 682.407cabeças em 2000 para as 2.256.734 em 2018, um aumento de 231%.
Se os números de São Félix do Xingu passam a impressão de que o aumento das emissões é inevitável, existem alternativas que mostram que é possível reduzir as emissões e sequestrar carbono a partir da atividade agrícola. “É importante que sejam incentivadas e implementadas técnicas de bom manejo do solo, por exemplo, e de intensificação sustentável da produção, que podem contribuir para a diminuição dessas emissões”, afirma Renata Potenza, coordenadora de clima e cadeias agropecuárias do Imaflora.
Um estudo desenvolvido pela organização no município campeão em emissões demonstrou que sistemas silvopastoris e enriquecimento de agricultura orgânica podem reduzir a emissão de gases de efeito estufa por hectare em cerca de 66%. O levantamento, feito junto a produtores de agricultura familiar atendidos pelo programa Florestas de Valor, do Imaflora, indicou que, com uma melhoria das pastagens extensivas (degradadas), por meio da introdução de sistemas silvipastoris (10% da área inicial) e o enriquecimento do cacaueiro orgânico com árvores de sombra, foram identificadas taxas de sequestro de carbono no solo e na biomassa aérea que reduziram o balanço de emissão de GEE por hectare em 66,19% e em 28,17% por produto (unidade animal e amêndoas).
Se a produção de cacau no sistema silvipastoril fosse estendida para toda a área disponível de agricultura familiar do município, haveria uma diminuição de 1% das emissões de GEE totais ou 6% do setor agropecuário de todo o Estado do Pará e, ao mesmo tempo, aumentaria em quase 50% a produção de cacau do País sem precisar diminuir a produção pecuária.
O sistema silvipastoril, mesmo implementado em apenas 10% da área total de pastagem, permitiu aumentar a lotação animal em 120%. Nesse sistema, é feita a combinação intencional de árvores, pastagem e gado numa mesma área, com o objetivo de incrementar a produtividade por unidade de área e trazer benefícios econômicos e ambientais, intensificando a produção pelo manejo integrado dos recursos naturais, evitando sua degradação, além de recuperar sua capacidade produtiva.
O programa Florestas de Valor, que também desenvolve ações em outras cidades da região da Calha Norte, no Pará, mostra que é possível adotar soluções que permitem conciliar a produção agropecuária com o controle de emissões, beneficiando mais de 2.100 pessoas, numa área total de 449 mil hectares manejados pelo extrativismo de produtos florestais não madeireiros, gerando R$ 1,4 milhão em comercialização de produtos da sociobiodiversidade e agricultura familiar.
“O setor agropecuário tem um enorme potencial de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, de forma que continue atendendo a demanda por produtos da atividade pecuária e da agricultura. Essa iniciativa pioneira de se ter um olhar para as emissões dos municípios brasileiros é um importante passo para o entendimento das oportunidades e desafios do setor frente à emergência climática e a transição para uma agropecuária de baixo carbono”, afirma Renata.
“O Florestas de Valor já tem dado resultado, mas precisamos ganhar escala. Queremos reforçar novas parcerias e dar mais capilaridade, para diversificar a produção”, afirma Celma Gomes de Oliveira, coordenadora de projetos no Imaflora. “Quanto mais diversificarmos e implementarmos novos modelos de produção, conseguiremos mitigar o desmatamento e emissões de gases estufa.” O desafio, segundo ela, é ampliar o público e chegar a novos atores, como os produtores pecuários, para que também tenham uma produção sustentável.