Foto: Héctor Bottai, CC BY-SA 4.0 via Wikimedia Commons
O desaparecimento e posterior redescoberta de espécies sempre despertam atenção no meio científico. No caso da Amazônia, onde a biodiversidade é vasta, histórias assim ganham contornos ainda mais surpreendentes.
Entre os exemplos está o de uma ave discreta, de porte reduzido e aparência modesta, conhecida popularmente como Maria-da-campina. A trajetória dessa espécie reúne mais de 160 anos de mistério até ser reencontrada em seu habitat natural.
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A Maria-da-campina (Hemitriccus inornatus) é um pássaro do gênero Emitricus, que passou despercebido por décadas. Sua história é marcada tanto pela coleta inicial feita em 1831 quanto pela redescoberta, apenas em 1993, por guias de observação de aves.
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Segundo o ornitólogo Mário Cohn-Haft, no canal Cantos da Amazônia, trata-se de um caso emblemático da ornitologia brasileira, que mostra como ambientes pouco estudados ainda podem guardar surpresas.
Primeira coleta no século XIX
O primeiro registro da Maria da Campina remonta a 1831, quando o naturalista austríaco Johann Natterer explorava o alto Rio Negro, no Amazonas. Em uma região de solos arenosos e vegetação típica de campina, ele coletou um exemplar do pequeno pássaro.
Esse material foi enviado a Viena (Áustria) e, cerca de 40 anos depois, descrito como uma nova espécie pelo curador da coleção. Recebeu o nome Inornatus, que significa “não ornamentado”.
A nomenclatura refletia a ausência de cores marcantes, algo que contribuiu para a falta de interesse posterior pela espécie.
Durante mais de um século, o exemplar permaneceu praticamente esquecido, enquanto cientistas questionavam se não se tratava apenas de uma variação de outra ave já conhecida.
Redescoberta após 160 anos
A história do passarinho ganhou novos capítulos em 1993. Os ornitólogos Andrew Whittaker e Kevin Zimmer, durante atividades de observação em uma campina próxima a Manaus, ouviram um som peculiar.
Inicialmente, não atribuíram importância ao canto. Mas, após investigarem, encontraram um pequeno pássaro do gênero Emitricus. A análise confirmou que se tratava da espécie coletada por Natterer no século XIX.
A confirmação levou ao reencontro científico da Maria-da-campina, após um intervalo superior a 160 anos desde o primeiro registro.
O próprio Mário Cohn-Haft relata que levou um exemplar taxidermizado a Viena para comparações detalhadas, assegurando a identidade da espécie:
Características da Maria-da-campina
Descrita como uma ave de pequeno porte, possui plumagem verde-oliva escuro na parte superior e branco ligeiramente amarelado na parte inferior.
Seu canto é característico e diferenciado, lembrando um som agudo, cristalino e quase gaguejado, conforme descrito por Cohn-Haft. Apesar da singularidade, a ave se mantém discreta, habitando áreas de vegetação rala e árvores esguias, a aproximadamente cinco metros do solo.
O comportamento reservado dificulta a localização. Quando não está cantando, a chance de encontrá-la é mínima. Outro fator observado é que o playback, técnica utilizada para atrair aves por meio da reprodução de seus cantos, costuma silenciar em vez de estimular resposta desse pássaro.
Habitat e desafios de observação
A espécie está associada a áreas conhecidas como campinas, ambientes de mata rala que contrastam com a densa floresta amazônica.
Essas formações vegetais se assemelham a ilhas de vegetação baixa, espalhadas pelo coração da Amazônia. Justamente por estarem em áreas pouco valorizadas pela ciência no passado, acabaram recebendo menor atenção em estudos ornitológicos, o que contribuiu para o longo período de esquecimento da Maria da Campina.
Segundo Cohn-Haft, a ave só foi registrada novamente porque guias de observação prestaram atenção em detalhes do canto, até então ignorados em visitas anteriores.
Importância científica da redescoberta
O reencontro da Maria-da-campina estimulou novas pesquisas sobre os ambientes de campina e o conjunto de espécies endêmicas que habitam esses locais.
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Para os especialistas, o caso evidencia a necessidade de ampliar os estudos em diferentes tipos de vegetação da Amazônia. A aparente simplicidade desses ambientes pode esconder espécies únicas, como ocorreu com a Maria-da-campina.
A partir do interesse despertado por essa redescoberta, pesquisadores passaram a dedicar mais atenção às campinas, resultando em novas descobertas de aves e aprofundando o conhecimento sobre a biodiversidade amazônica.
