Foto: Reprodução/Serviço Florestal Brasileiro
A Amazônia, maior floresta tropical do planeta, é fonte de recursos fundamentais para a economia de madeiras, óleos, sementes e frutos que alimentam a vida de milhares de espécies e centenas de povos indígenas e comunidades tradicionais. Diante do avanço do desmatamento e da exploração sem escala, entender como utilizar a floresta sem destruí-la se torna uma questão essencial.
📲 Confira o canal do Portal Amazônia no WhatsApp
O Manejo Florestal Sustentável é uma prática que alia o uso racional dos recursos naturais à preservação, pode ser a resposta, já que essa forma de manejo busca garantir que as gerações futuras continuem usufruindo dos mesmos benefícios que existem atualmente, mantendo o equilíbrio.
O que é o manejo florestal sustentável?
O manejo florestal sustentável trata-se da utilização da floresta sem destruí-la por completo, deixando-a irrecuperável.
De acordo com a geógrafa Ivani Faria (UFAM/UNIFAL), o manejo florestal sustentável consiste no conjunto de práticas que permite o uso dos elementos florestais, sejam eles madeireiros ou não-madeireiros, de modo que a floresta possa se regenerar de forma natural.
“Tem que haver essa ideia da regeneração ou a recuperação dessas florestas para o futuro, visando benefícios tanto ambientais quanto econômicos, sociais e culturais que permitam a recuperação, a regeneração delas para o futuro”, afirmou Ivani ao Portal Amazônia.

Leia também: Desmatamento e manejo florestal: entenda a diferença entre as duas formas de extração de madeira
A prática é amparada pelo Decreto nº 1.282, de 19 de outubro de 1995, que regulamenta a exploração das florestas da bacia Amazônica, e define o manejo florestal sustentável como a administração de uma floresta para obtenção de benefícios econômicos e sociais que respeita os mecanismos de sustentação do ecossistema.
Tipos de manejo
De acordo com Ivani, de um jeito mais didático para explicar, existem três formas de manejo florestal sustentável: o manejo de florestas plantadas, o de florestas nativas e os sistemas agroflorestais.
Manejo de florestas plantadas
O manejo de florestas plantadas, também conhecido como silvicultura, consiste no plantio de espécies homogêneas voltadas para a produção. Nessas florestas se cultivam espécies como eucalipto e pinus, voltadas para a fabricação de papel, celulose, carvão e madeira serrada.
Segundo a geógrafa, a silvicultura é um manejo totalmente econômico, voltado ao capital e à indústria, em que essas plantações são otimizadas por tecnologia e costumam ser implementadas na maioria das vezes, em áreas já desmatadas. No entanto, ela alerta para o problema recorrente que é a monocultura que pode causar desequilíbrios nos ecossitemas.
Leia também: Portal Amazônia responde: o que é manejo sustentável?

“Todo tipo de monocultura acaba com o solo e desequilibra o ecossistema, mas esse tipo de reflorestamento é totalmente voltado à indústria mesmo, ao capital”, explicou a professora.
Embora o reflorestamento possa ser lucrativo, ele é raramente considerado totalmente sustentável, já que provoca impactos ambientais significativos e reduz a biodiversidade.
Leia também: Pesquisa considera manejo florestal sustentável como alternativa viável para conservação
Manejo de florestas nativas
O manejo de florestas nativas busca conciliar a exploração econômica com a preservação ambiental e cultural. Neste manejo, a retirada de madeira acontece de forma seletiva e controlada, respeitando os ciclos naturais de regeneração.
Dentre os modelos de manejo nativo existem dois grupos:
- Manejo madeireiro: Tipo de manejo em que se retira madeira de espécies específicas de forma planejada, evitando danos às árvores vizinhas e mantendo a floresta em pé.
- Manejo não-madeireiro: Tipo de manejo que abrange a coleta de frutos, castanhas, óleos, sementes e cipós sem comprometer a biodiversidade.
Esses tipos de manejo são normalmente realizados por povos indígenas e comunidades tradicionais, que compreendem a floresta como parte da vida e não como mercadoria.
“As comunidades e os povos indígenas não pensam ou tratam os elementos naturais como mercadoria, como capital. Eles entendem os elementos naturais como parte da vida, para garantir a vida e para o bem viver. Um sistema de vida que não dissocia elementos naturais da sociedade mas se integram com um só. Então esse manejo de florestas nativas tem valor ambiental, social, cultural, que vai além, porque é para garantir o bem viver dessas comunidades e a tradição dos povos, que retira esses elementos não-madeireiros para a vida”, explicou Ivani.

Leia também: Manejo Florestal Sustentável estimula geração de renda apoiada na preservação ambiental
De acordo com a geógrafa, tudo isso está envolvido no “conhecimento sobre o saber, o fazer e como eles manejam o que é para a sobrevivência e o que é para o bem viver”.
Manejo de sistemas agroflorestais
O sistema agroflorestal (SAF), que combina agricultura, pecuária e floresta, é uma alternativa que tem ganhado destaque. Nele, as plantas nativas convivem com espécies agrícolas e pastagens, criando um ecossistema equilibrado e produtivo.
“Então, ele vem também com essa proposta de uso das espécies nativas, que articula a agricultura e a pecuária com a floresta, usando tantas plantas nativas, frutas e sistemas da agricultura para manter o equilíbrio do ecossistema”, explicou Ivani.

Esse tipo de manejo vem sendo adotado por assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e por pequenos agricultores da Amazônia, que encontram nesse tipo de prática uma forma de recuperar as áreas degradadas e garantir renda sem agredir o meio ambiente.
De acordo com a geógrafa, o problema que pode ocorrer nesse tipo de manejo é a introdução de espécies exóticas que não são próprias daquele ecossistema, e que podem provocar vários danos como o desequilíbrio ambiental.
Quem pode realizar o manejo?

Segundo Ivani, toda a sociedade, de certa forma, deveria realizar o manejo florestal sustentável. Por um lado, o manejo de florestas plantadas seja, em geral, realizado por grandes grupos econômicos, por outro, o manejo de florestas nativas e os sistemas agroflorestais têm se expandido entre pequenos produtores, assentamentos rurais, comunidades tradicionais e povos indígenas.
Projetos como o do fotógrafo Sebastião Salgado, em Minas Gerais, que reflorestou milhares de hectares de área degradada, e as experiências do MST com reflorestamento agroflorestal (Assentamento Quilombo Campo Grande e a projeto “Plantio de Água” a ser desenvolvido no Assentamento Popular de Campo Belo: Joaquim Rosa Cambraia, no sul de Minas Gerais), são exemplos de iniciativas que aliam a recuperação ambiental com a justiça social. Isso mostra que tanto proprietários de terra, posseiros, assentados e até mesmo as empresas podem fazer esse tipo de reflorestamento.
Na Amazônia, os povos indígenas e as comunidades tradicionais, como os castanheiros, seringueiros, açaizeiros, piaçabeiros, quebradeiras de coco, entre tantos outros, são os verdadeiros protagonistas desse processo de manejo.
De acordo com Ivani, essas comunidades realizam o manejo de verdade e “usam apenas o que é necessário para viverem, sem destruir o que garante a própria vida: a floresta”.
Leia também: Pesquisa analisa importância e impactos do manejo florestal sustentável no Amazonas
Como realizar um bom manejo florestal sustentável?
Para se realizar um bom manejo florestal sustentável, é preciso um planejamento técnico e um acompanhamento contínuo. De acordo com as orientações de manejo reunidas em publicação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), seis passos são fundamentais para o sucesso da prática:
- Definir os objetivos do manejo: Seja para abastecer uma indústria, preservar espécies nativas ou integrar agricultura e floresta, o manejo deve ter um propósito claro e um objetivo para que a floresta continue cumprindo seu papel.
- Calcular a área necessária: A área a ser manejada deve ser proporcional ao consumo de matéria-prima, já que em florestas naturais o ciclo de corte pode ser de 30 anos, tempo necessário para a regeneração das árvores. As técnicas adequadas podem reduzir esse período, aumentando a produtividade sem ampliar a área explorada.
- Executar um inventário florestal completo: O inventário é essencial para o manejo, pois permite identificar as espécies, volumes e condições da floresta, fornecendo dados para o planejamento da extração e recuperação. Nesta etapa, apenas engenheiros agrônomos habilitados devem conduzir o inventário, garantindo a precisão e a confiabilidade.
- Planejar e realizar uma exploração de baixo impacto: A exploração de madeiras é uma das fases mais críticas do manejo, e quando mal executada pode danificar até 60% da cobertura florestal. As técnicas de exploração de impacto reduzido, como o corte seletivo, o mapeamento prévio das árvores e o uso de guinchos para arraste, diminuem os danos e aumentam a eficiência.
- Monitorar o desenvolvimento da floresta: Os inventários contínuos, realizados entre dois a cinco anos, devem acompanhar o crescimento das árvores e a regeneração natural. Isso permite avaliar o impacto da exploração e ajustar as práticas de manejo.
- Aplicar tratamentos silviculturais e proteger a área: A manutenção de estradas e o combate a incêndios são essenciais para proteger o investimento e garantir a sustentabilidade da floresta. Os cortes de cipós, os desbastes seletivos e o controle de espécies competidoras ajudam no crescimento das árvores reservadas.
O manejo como ferramenta de conservação e mercado

Com o crescimento das exigências ambientais, o manejo florestal sustentável adquiriu um papel estratégico no mercado internacional, já que os países importadores de madeira tropical passaram a demandar certificações que comprovem a origem sustentável dos produtos.
A certificação florestal não só garante acesso a novos mercados, como fortalece a imagem da empresa e agrega um valor ao produto final. Além disso, o Brasil é signatário do Acordo Internacional de Madeiras Tropicais e compromete-se a garantir que toda madeira exportada tenha origem em áreas sob manejo sustentável.
Na visão da geógrafa, o manejo florestal sustentável (espécies nativas e sistema agroflorestal) é uma ponte entre o conhecimento ancestral e o saber científico.
“Cada povo tem seu modo de manejar, baseado em seu conhecimento da natureza. Essa diversidade é o que chamamos de sociobiodiversidade, um patrimônio que deve ser valorizado e protegido”, concluiu.
*Por Rebeca Almeida, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar
