Pé de mandioca com vassoura-de-bruxa. Foto: Adilson Lima/Embrapa
Encontrado pela primeira vez em março de 2023 em uma comunidade indígena do município de Oiapoque, no Amapá, o fungo Ceratobasidium theobromae, também conhecido como Rhizoctonia theobromae, espalha-se com rapidez entre as plantações de mandioca (Manihot esculenta) da região Norte.
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Mobilizados, especialistas de instituições de pesquisa do Brasil, da Guiana Francesa, onde o problema foi detectado na mesma época, e da França, trabalham no campo e no laboratório para conhecer e combater o agente causador da vassoura-de-bruxa da mandioca. A doença é assim chamada por induzir a formação de brotos finos, que depois secam e lembram o formato de uma vassoura, e se soma a outras, causadas por bactérias, vírus e outras espécies de fungos.
Os estudos preliminares indicaram que a espécie de fungo que chegou à Amazônia é a mesma que nos últimos anos arruinou de 40% a 60% das plantações de mandioca no Vietnã, Filipinas, Tailândia e Laos. No Sudeste da Ásia, a planta é usada principalmente para a produção de ração animal e de biocombustíveis, enquanto na região Norte do Brasil a também chamada macaxeira ou aipim é a base da alimentação diária.
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Os esporos — estruturas semelhantes a sementes — do fungo chegaram à América do Sul possivelmente em ferramentas ou plantas infectadas. Muito leves, se espalham levados pelo vento.
Rapidez prejudica plantações de mandioca
“A dispersão é muito rápida”, observa a bióloga Cristiane Ramos de Jesus, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Amapá, que tem visitado as plantações atingidas. “Em apenas dois anos, o fungo foi do norte do Amapá ao norte do Pará, ainda que as plantações estejam cercadas pela mata e separadas por rios”.
O biólogo peruano Wilmer Cuellar, com sua equipe do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat), na Colômbia, e colegas da Alemanha e do Laos, coordenou o primeiro mapeamento do genoma (o conjunto de genes) de C. theobromae, coletado de folhas e caules de plantas infectadas no Laos.
Como detalhado em um artigo publicado em agosto de 2024 na Scientific Reports, o genoma desse microrganismo é formado por 33 milhões de pares de bases (mpb) nitrogenadas, elementos básicos do DNA, e contém 8.247 genes expressos. É um tamanho médio entre os fungos causadores de doenças em plantas, cujo genoma varia de 30 a 80 mpb, com 10 mil a 20 mil genes. Nas bactérias, o genoma varia de 3 a 5 mpb e o número de genes de 3 mil a 5 mil. Os seres humanos têm um genoma com 3 bilhões de pares de bases e cerca de 45 mil genes.
Similaridades
As análises registraram várias enzimas associadas à infecção nos tecidos vegetais. Chamou a atenção a alta similaridade genética, de até 99,7%, com o genoma de uma variedade da mesma espécie que infecta cacaueiros na Ásia — veio daí um dos nomes da espécie, C. theobromae (o nome científico do cacaueiro é Theobroma cacao). Essa descoberta indica que o fungo poderia colonizar espécies diferentes de plantas, o que, no Brasil, colocaria em risco as mandiocas silvestres e o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), do mesmo gênero que o cacau.
Com especialistas de outros grupos de pesquisa da Ásia e das Américas, Cuellar investiga agora as diferenças entre as populações do fungo em cada país onde já chegou. “Queremos saber se uma população que evoluiu em ilhas das Filipinas, por exemplo, se desenvolve de forma diferente na parte continental do Sudeste Asiático ou nas Américas”, disse ele em entrevista a Pesquisa FAPESP.
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Uma equipe da Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas, na Bahia, completou o trabalho ao identificar fungos coletados no Amapá. Os resultados, publicados em fevereiro como preprint na plataforma bioRxiv, indicaram se tratar do mesmo microrganismo da Guiana Francesa e da Ásia, capaz de invadir os vasos condutores de água e sais minerais, os chamados xilemas, e bloquear a passagem de água e nutrientes, o que leva os ramos a murchar e morrer. O fungo pode também ocupar o exterior da planta, formando uma fina camada branca de micélio nas gemas (estruturas que podem originar ramos) e na base das folhas.
O engenheiro-agrônomo da Embrapa Mandioca e Fruticultura Saulo Alves Santos de Oliveira, coordenador do sequenciamento, teme que o fungo que chegou ao norte da América do Sul, por causa do clima na região, possa se mostrar mais agressivo que na Ásia.
“No Sudeste Asiático, as chuvas se concentram no verão, trazidas pelos ventos úmidos, as monções, enquanto na Amazônia o clima é constantemente úmido e quente, o que pode favorecer mais ainda a dispersão e crescimento do fungo”, diz.
A Embrapa e o Ministério da Agricutura e Pecuária (Mapa) recomendam aos agricultores uma série de medidas emergenciais para conter a doença. Entre elas estão a remoção e a queima das plantas infectadas, a limpeza rigorosa das ferramentas e a aplicação de fungicidas específicos. Também é indicada a higienização cuidadosa de roupas, calçados, chapéus e bonés usados em áreas afetadas, com o ensacamento e a lavagem imediata desses itens para evitar a disseminação dos esporos para outras regiões do país.
Para reduzir as perdas econômicas causadas pela nova doença, uma das alternativas sugeridas é substituir temporariamente os mandiocais por outras culturas, como a banana. “Estamos muito preocupados com a possibilidade de faltar renda e comida para as comunidades atingidas por esse problema”, comenta Ramos de Jesus, da Embrapa Amapá.
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Em janeiro de 2025, o Mapa decretou estado de emergência fitossanitária no Amapá e no Pará, indicando o alto risco de disseminação de uma praga capaz de causar grandes prejuízos. Até outubro de 2025, mandiocais infectados já haviam sido registrados em 48 localidades do Amapá e no município paraense de Almeirim.
O biólogo Marcelo Simon, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, pesquisa a diversidade genética em variedades de mandioca. Das 160 espécies do gênero Manihot nas Américas, o Brasil abriga 116 (ver Pesquisa FAPESP nº 311). “Estamos em uma posição boa em termos de variabilidade genética da mandioca. Mas há também grande preocupação em relação à conservação dessas espécies, que já correm o risco de desaparecer por causa da perda de hábitat e não sabemos se são resistentes ao fungo”, comenta. Segundo ele, não basta encontrar uma variedade de mandioca tolerante ao fungo: é preciso também atender às exigências de gosto e sabor de quem as consumirá.
Há anos, a identificação de espécies resistentes, além do aprimoramento das técnicas agrícolas, foi o que evitou uma tragédia maior com outra vassoura-de-bruxa, a causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa, que atacou as plantações de cacau (Theobroma cacao). Antes das mudanças, a praga fez a produção nacional, então ainda liderada pela Bahia, cair de 400 mil toneladas anuais (t/a) em 1980 para cerca de 100 mil t/a em 2000. Hoje o estado do Pará é o maior produtor nacional (ver Pesquisa FAPESP nº 128).
Artigos científicos
OLIVEIRA, S. A. S. et al. Rhizoctonia theobromae associated with a severe witches’ broom outbreak in cassava of the Brazilian rainforest and evidence of its Southeast Asian origin. BioRxiv. fev. 2025.
PARDO J. M. et al. First report of cassava witches’ broom disease and Ceratobasidium theobromae in the Americas. New Disease Reports. v. 50, n. 2, e70002. nov. 2024
GIL-ORDÓÑEZ, A. et al. Isolation, genome analysis and tissue localization of Ceratobasidium theobromae, a new encounter pathogen of cassava in Southeast Asia. Scientific Reports, 14, 18139. ago. 2024.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Revista Pesquisa Fapesp, escrito por Mariana Ceci
