Igapó do médio Rio Negro, no Arquipélago de Mariuá. Foto: Jochen Schöngart
Em artigo publicado publicado no periódico internacional Geomorphology, pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em parceria com uma pesquisadora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), abordam o Arquipélago de Mariuá, no Rio Negro, o maior sistema de ilhas fluviais do mundo e que engloba extensa floresta de igapó.
No texto, os cientistas alertam que a estabilidade desse ecossistema tem sido deteriorada devido a eventos climáticos extremos, como ciclos irregulares de chuvas e elevação da temperatura.
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A equipe de pesquisadores é composta por Matheus Silveira de Queiroz, Rogério Ribeiro Marinho, José Alberto Lima de Carvalho e Camila Fuziel Silva. Esse trabalho demonstra a capacidade da ciência produzida na Amazônia para gerar dados cruciais para a compreensão e a defesa de um dos biomas mais vitais do planeta, fornecendo a base técnica necessária para debates ambientais de impacto global.
O artigo científico aborda Mariuá como “uma paisagem fluvial em não equilíbrio permanente que vinha se mantendo morfologicamente estável por cerca de mil anos”. Todavia, os pesquisadores chegaram à conclusão de que tal estabilidade histórica foi afetada por uma série de “eventos hidrológicos extremos”.

A análise dos processos fluviais ao longo de uma década revelou uma mudança acentuada na morfologia hidrológica daquela região. No período entre 2014 e 2024, houve um aumento significativo na intensidade dos processos de erosão e de deposição de sedimentos ao longo do arquipélago, indicando que o sistema está se aproximando de um “limiar de estabilidade”. O texto afirma, por exemplo, que a taxa de erosão naquele sistema aumentou 33%, ao passo que o percentual de deposição cresceu 83% no mesmo período.
Conforme os pesquisadores, a causa principal dessa aceleração é a influência das mudanças climáticas e a intensificação dos eventos hidrológicos extremos. Segundo o texto, episódios cada vez mais comuns de cheias ou de secas “históricas” na bacia do Rio Negro, e que vêm ocorrendo com mais frequência nas últimas quatro décadas, têm relação com anomalias na temperatura dos oceanos.
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A chamada Oscilação Sul-El Niño (ENOS) é o padrão climático do Pacífico equatorial, e ele envolve a interação entre a temperatura do mar (na superfície) e a pressão atmosférica. Na prática, há uma alternância entre esses ciclos de dois a sete anos, a qual é composta por uma fase quente, o El-Niño, e uma fase fria, a La Niña.
Historicamente esses fenômenos influenciam a estabilidade dos sistemas hidrológicos ao longo da região alcançada. No entanto, uma alteração significativa tanto nos padrões de chuva quanto nos picos de temperatura do planeta – ambos relacionados ao aquecimento global – acaba potencializando os processos de erosão e de sedimentação no Arquipélago de Mariuá.

Cenário irreversível para o igapó?
O arquipélago, considerado uma “maravilha geomorfológica do mundo” pelos especialistas, é um sistema complexo e capaz de sustentar uma vasta biodiversidade. O estudo alerta que a perda do equilíbrio delicado terá potencial para desencadear transformações morfológicas irreversíveis nessa paisagem particular da região amazônica.
A intensificação das cheias, por exemplo, eleva a pressão hidrostática (a pressão atmosférica exercida sobre um determinado volume de água), permitindo que os sedimentos sejam depositados nas baixadas e nos lagos da camada que é conhecida como “planície de inundação”.
Trata-se de uma área que era historicamente “incompleta”, ou seja, isso significa que ela vinha apresentando uma espécie de déficit de sedimentos há aproximadamente um milênio.
Porém, os pesquisadores descobriram que a intensidade do processo de sedimentação ocorrida ali nos últimos dez anos pode reativar o preenchimento dessa planície muito rapidamente.
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A partir dos achados dessa investigação, os pesquisadores argumentam que é urgente a inclusão da geomorfologia fluvial no conjunto das políticas de mitigação e de adaptação às consequências das mudanças climáticas. No caso do Mariuá, o artigo concluiu que um equilíbrio ecossistêmico centenário já vem se transformando há mais de uma década devido à instabilidade climática e aos eventos hidrológicos extremos com impactos naquela região.
O estudo serve ainda para fazer coro e dar visibilidade à urgência de se monitorar ecossistemas amazônicos sui generis como esse. Seus resultados podem fundamentar cientificamente a ação das instâncias decisórias, das locais às globais. De modo particular, a divulgação dos achados também pode pressionar a adoção de medidas protetivas a esse sistema fluvial nos seus aspectos ecológico e hidrogeomorfológico, convocando à ação.
*Com informações da UFAM
