Expedição inédita revela biodiversidade única na unidade de uso sustentável Javari-Buriti, no Amazonas

O projeto mostra resultados importantes para basear a conservação do ecossistema e compreender a organização social da região.

Foto: Afonso José

A região da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Javari-Buriti, considerada uma Unidade de Conservação federal localizada na Bacia Hidrográfica do Rio Solimões, no município de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, abriga uma rica sociobiodiversidade até então desconhecida por pesquisadores. Em apenas 1,5 hectares de floresta, é possível encontrar mais de 112 espécies diferentes de árvores e palmeiras. Além disso, mais de 54 espécies de anfíbios e répteis, algumas possivelmente novas para a ciência, fazem parte da fauna dessa região.

O levantamento dessas informações sobre a região foi realizado por meio do projeto ‘Javari-Buriti’, uma iniciativa conjunta entre Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Coca-Cola Brasil.

O projeto decorre da necessidade de produzir os subsídios necessários para a construção do plano de manejo desta unidade de conservação, bem como da necessidade de criar o seu conselho gestor. Também é fruto de demanda direta de seu órgão gestor, o ICMBio, gerando informações necessárias para a melhoria da conservação e gestão da unidade e como subsídio para o futuro processo de construção do plano de manejo da ARIE Javari-Buriti, detalha o diretor geral do Instituto Mamirauá, João Valsecchi.

Realizada em 2022 e finalizada em sua totalizada em 2023, a expedição desempenhou papel importante no registro de espécies novas e na identificação de novos locais de ocorrência para espécies já conhecidas.

À esquerda, uma fêmea de esperança-arlequim registrada pela primeira vez no Brasil. À direita, uma esperança-verde até então desconhecida para a ciência. Fotos: Diego Mendes

Entre os achados, destacam-se duas espécies de esperanças, insetos parentes dos grilos e gafanhotos. São conhecidas por sua aparência e cores, que imitam folhas, produzindo uma camuflagem no ambiente como mecanismo de defesa contra predadores. Além disso, essas espécies são inofensivas e geralmente herbívoras, alimentando-se de material vegetal, e são predominantemente noturnas. São elas: a esperança-arlequim (Paraxiphidium versicolor), registrada pela primeira vez no Brasil, e uma nova espécie de esperança-verde (Ischyra sp. nov.), até então desconhecida para a ciência e encontrada nessa região.

Os pesquisadores também relatam a descoberta de uma possível nova espécie de peixe, conhecido como candiru, além de algumas espécies de anfíbios. Os candirus compreendem um grupo de bagres de tamanho pequeno, com corpo alongado, que habitam a maioria dos tipos de ambientes aquáticos, tais como rios, praias e igarapés. Alguns deles são conhecidos por possuírem hábitos hematófagos, ou seja, alimentam-se de sangue. No que diz respeito aos anfíbios, os pesquisadores encontraram a perereca-macaco (Cruziohyla craspedopus), um sapo de difícil avistamento, porém, presente na ARIE Javari-Buriti.

Foto: Afonso José e Diego Mendes

Com uma área que abrange mais de 13 mil hectares, o equivalente a aproximadamente 13 mil campos de futebol, a região da ARIE Javari-Buriti também abriga diversas espécies de mamíferos. Pesquisadores registraram 48 espécies de mamíferos que variam desde pequenos morcegos até felinos como a onça-pintada. As aves se destacam, com o registro de 206 espécies, incluindo migratórias e raras, ressaltando a importância da área para a ornitologia.

“Desde a criação esta unidade de conservação permanecia como uma das áreas menos conhecidas da Amazônia brasileira. Sem plano de manejo e sem conselho gestor, desde sua criação, era praticamente impossível encontrar informações sobre a ARIE Javari-Buriti antes desse projeto”, 

aponta João Valsecchi.

Essa abordagem demonstra que iniciativas como essa estão alinhadas com a preservação da floresta, a valorização e proteção dos povos e territórios tradicionais da região, e o uso responsável da tecnologia em prol da sustentabilidade. Isso ocorre porque, de acordo com o diretor de Relações Governamentais da Coca-Cola Brasil, Victor Bicca, a expedição não se limitou a descobertas científicas, ela também deu voz às comunidades locais e às suas necessidades ao criar o Conselho Consultivo para gestão da Unidade de Conservação. 

Resultado da expedição, a formação desse conselho permitiu que os moradores e usuários locais compartilhassem suas demandas, que incluem a regularização fundiária, políticas de moradia rural, geração de energia, infraestrutura nas comunidades, proteção da área e apoio aos produtores locais.

Essas demandas destacam a importância de abordar questões socioambientais em conjunto com a pesquisa científica. A ARIE Javari-Buriti não é apenas rica em biodiversidade, mas também abriga uma comunidade que busca prosperar de maneira sustentável.

Plano de manejo

Além da criação do Conselho Consultivo, a expedição também teve como objetivo coletar informações sobre espécies úteis para a comunidade local, incluindo aquelas com potencial para manejo e geração de renda. Essas informações desempenharão um papel essencial na elaboração do plano de manejo da ARIE.

O plano de manejo é um documento técnico e estratégico que estabelece diretrizes e regras para a gestão de uma Unidade de Conservação (UC) ou outra área protegida. Seu objetivo principal é garantir a conservação dos recursos naturais, a preservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos existentes na área. Ao mesmo tempo, considera as necessidades das comunidades locais e as atividades humanas permitidas na região.

Em relação à organização social, a região da ARIE Javari-Buriti, de acordo com o relatório do Instituto Mamirauá, abriga 21 localidades, incluindo aldeias, sítios e comunidades, cada uma com características distintas em termos de habitação, estrutura familiar e organização social. A população local, composta principalmente por ribeirinhos e indígenas, depende de práticas sustentáveis de uso dos recursos naturais, como agricultura, pesca, artesanato e extrativismo.

Uma ARIE, em geral, apresenta elementos naturais únicos ou abriga espécies raras da biodiversidade regional. Seu objetivo é proteger os ecossistemas naturais de importância regional ou local e determinar o uso apropriado dessas áreas, compatibilizando-o com os objetivos de conservação da natureza. A região é considerada uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, e, por isso, a coleta de informações para a criação do plano de manejo da ARIE é fundamental.

Diversidade Botânica da ARIE Javari-Buriti

No estudo botânico realizado na ARIE, pesquisadores registraram 816 árvores e palmeiras pertencentes a 112 espécies diferentes em uma área de 1,5 hectares amostrados. O destaque vai para o buritizeiro, representado por 135 indivíduos, com flores e frutos observados em 22 e 44 indivíduos, respectivamente. Além disso, outras espécies importantes, como o açaizeiro e a andirobeira, foram registradas, representando 32% de todos os indivíduos arbóreos amostrados. O estudo revelou a complexidade e riqueza desse ecossistema.

Peixes de água doce 

A Amazônia abriga a maior diversidade de peixes de água doce do mundo, com cerca de 2.700 espécies descritas. A ARIE Javari-Buriti também é rica em diversidade de peixes, incluindo bodós, candirus e bagres. A região é essencial para a reprodução e migração de espécies como a piramutaba, destacando sua importância para a biodiversidade e economia local.

Anfíbios e Répteis

A expedição registrou 54 espécies diferentes de anfíbios e répteis na ARIE Javari-Buriti, incluindo algumas espécies raras e possíveis novas descobertas para a ciência. O levantamento incluiu métodos como busca auditiva para detectar os sons dos sapos e jias, bem como captura de animais. Os anfíbios e répteis desempenham papéis importantes nos ecossistemas e são cruciais para a compreensão da biodiversidade da região.

Aves

Os pesquisadores registraram 206 espécies de aves na ARIE Javari-Buriti, incluindo algumas espécies raras e migratórias. A região mostrou-se importante tanto para aves residentes quanto para aquelas que migram sazonalmente. O levantamento foi feito por meio de pontos de escuta e redes de neblina, revelando a diversidade de aves do local e destacando a importância da preservação da área para a vida silvestre.

Mamíferos

Os mamíferos da ARIE Javari-Buriti incluem uma variedade de espécies, desde pequenos morcegos até grandes felinos como a onça-pintada. Durante a expedição, os pesquisadores registraram 48 espécies de mamíferos, incluindo o macaco-aranha, o tamanduá-bandeira e o bicho-preguiça. A presença desses animais destaca a riqueza da biodiversidade da região.

Para saber mais, confira a publicação ‘Área de Relevante Interesse Ecológico Javari Buriti: perfil social, ambiental e biológico’.

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

IBGE informa que mais de 60% dos indígenas do Amazonas moram em cidades

Segundo o IBGE, a população indígena total, em 2022, foi de 490.935 pessoas, sendo que 62,3% vive em áreas urbanas (305.866) e 37,7% em áreas rurais (185.069).

Leia também

Publicidade