Atenção ao ‘cri cri’: pesquisadores afirmam que grilos são importantíssimos na natureza 

Os grilos são conhecidos pela sua potência sonora, seja para acasalar ou até mesmo para intimidar outros machos.

A Amazônia é uma rica região quando se fala em biodiversidade, certo? Com muitas espécies até desconhecidas, você já pensou nos insetos que parecem tão comuns… como os grilos?

O Brasil é um dos países que, segundo o ‘Livro Insetos do Brasil – diversidade e taxonomia’ (Inpa), tem a maior riqueza conhecida do mundo em diversidade de insetos (confira a publicação no fim da matéria). E o grilo (Grylloidea) faz parte desse universo que ainda precisa de muita pesquisa.

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Os grilos são ortópteros, com hábitos em sua maioria noturnos, onívoros e que vivem em lugares escuros, embaixo de pedras e tocas. São insetos de cores relativamente escuras, variando do verde até o preto. Possuem um par de pernas traseiras adaptadas para o salto, um par de pernas dianteiras com tímpanos para escutar os sons, e um par de asas responsáveis pela emissão dos sinais acústicos, dos quais só os machos podem produzir.

O doutor em biologia animal e pesquisador de bioacústica no Instituto  de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Riuler Corrêa Acosta, relata que não há um número exato de espécies quando falamos em grilos, pois faltam estudos que monitorem as espécies e que façam o levantamento inventário de determinadas regiões.

Segundo o pesquisador, há plataformas específicas como o Orthoptera Species File, um catálogo digital voltado para grilos e outros insetos aparentados que indicam alguns números. Porém, Acosta afirma que não condiz com a realidade. Como é uma plataforma dependente de atualizações constantes, os dados sobre todas as regiões podem estar desatualizados.

Recentemente, ainda em 2024, foi divulgada uma descoberta: os doutores Riuler Corrêa Acosta e Diego Mendes, do Instituto Mamirauá, descreveram mais duas novas espécies de inseto encontradas na Amazônia: um grilo (Oecanthus buxixu) e uma esperança predadora (Spinaraptor taja).

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Na imagem, uma fêmea de um pequeno grilo do gênero Hygronemobius pertencente a uma espécie ainda não descrita. Foto: Gustavo Tavares

O entomólogo, doutor em Zoologia e pesquisador na Universidade Federal do Pará (UFPA), Gustavo Tavares, contou ao Portal Amazônia que os poucos registros compilados de espécies que se tem confirmados são em nível nacional. Segundo ele, os grilos são organismos pouco estudados, principalmente na região amazônica, por isso “é difícil saber com exatidão”.

“Segundo o Sistema de Informação sobre Biodiversidade Brasileira, o SiBBr, existem aproximadamente 250 espécies de grilos no Brasil, mas na região amazônica nós não temos informações compiladas sobre isso”, esclareceu.

Grilos arbustivos 

Um pequeno grilo arborícola do gênero Hebardinella. Foto: Gustavo Tavares

Sobre as principais características dos grilos encontrados na região, o Dr. Gustavo Tavares comentou que os grilos normalmente são organismos de solo, então o padrão de coloração é usualmente o marrom ou preto, pois se camufla mais facilmente entre a cor das folhas secas da serrapilheira e do solo.

O entomólogo explicou ainda que existem espécies de grilos que são encontrados nas copas das árvores. Esses podem apresentar uma coloração mais esverdeada, com a função de se camuflar entre as folhas verdes. “Mas não há um padrão claro que diferencie entre os biomas”, informa.

Grilos e o equilíbrio ambiental

“Todo organismo é importante para o ecossistema”, alega o entomologista. “Eles [os grilos] normalmente são onívoros, se alimentando tanto de matéria vegetal quanto animal, desempenhando seu papel na cadeia trófica [que é relativo ou pertencente à nutrição] como consumidores em diferentes níveis. Mas além de consumidores, esses animais servem de alimento para uma grande variedade de organismos, tanto vertebrados, como invertebrados”, contou o Dr. Gustavo.

Grilo do gênero Gryllus sendo consumido por formigas. Foto: Gustavo Tavares

O que pode levar os grilos a um possível risco de extinção?

Para o Dr. Riuler Acosta, a ações antrópicas, realizadas pelo ser humano, são as mais graves e podem levar espécies à extinção. Os insetos geralmente são noturnos, utilizam os sons para se comunicar, e a luz urbana interfere no voo desses insetos, assim como os sons urbanos interferem diretamente na comunicação deles, impedindo o alcance destes sinais e até mesmo silenciando estes insetos.

Acosta expõe que essa é uma área que necessita de apoio, como o Projeto Providence, que é uma parceria internacional entre o Brasil, através do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, e a Espanha, através da Universidade Politécnica da Catalunha, que há 5 anos tem como objetivo monitorar as espécies amazônicas.

“Há muitas espécies de insetos e uma das espécies monitoradas é o Eneoptera surinamensis, espécie comum na Amazônia e em parte do Brasil. Com os dados de monitoramento através do som, desta e de outras espécies, em breve podemos dizer quais espécies poderão ou não correr risco de alguma forma. Porém, como são insetos, se reproduzem rápido, e talvez não tenha um impacto tão grande”.

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O Brasil também conta com espécies invasoras, como o grilo Gryllodes supplicans, uma espécie que foi introduzida em muitos países através de navios de mercadorias. Embora sejam grilos pequenos, uma das poucas que produz sinais no meio urbano, as invasoras podem comprometer e muito a saúde ambiental e o nicho de outras espécies. Como ela não possui predadores, até este momento desconhecido, ela se reproduz rapidamente, passando a ocupar tanto o nicho de outras espécies quanto nichos até então desocupados. É importante que estas sejam monitoradas.

Um grilo da espécie Gryllodes supplicans, introduzido em várias partes do mundo, inclusive na Amazônia. Foto: Gustavo Tavares

Curiosidades 

Os pesquisadores listaram uma série de curiosidades sobre as espécies de grilos que ambos acompanharam em locais distintos da Amazônia.

Existem alguns fatos entre eles que são considerados similares, por exemplo a produção sonora alta. Confira:

  • Apesar dos grilos serem conhecidos pelo som que emitem, é comum ter espécies que perderam a capacidade de produzir som, como é mostrado no trabalho publicado recentemente pelo Dr. Gustavo Tavares em colaboração com pesquisadores do Brasil e Colômbia, descrevendo, para a Amazônia, a primeira espécie de grilo do gênero Zebragyllus que não é capaz de produzir som, o Zebragryllus aphonus.
  • É comum também que grilos machos utilizem atrativos químicos para as fêmeas, secretados por glândulas normalmente no tórax, abdômen ou nas pernas posteriores. No entanto, algumas espécies abandonaram a produção de sons e utilizam somente sinais químicos, assim como o grilo amazônico Xulavuna krenakore, outra espécie descrita recentemente em um outro trabalho assinado pelo Dr. Gustavo, a qual apresenta uma grande glândula na asa e outra no tórax (logo abaixo da asa)
  • O sistema de comunicação acústica de grilo é bem rico, pois eles normalmente têm mais de um tipo de canto. Dentre estes sinais, há um sinal específico para atrair fêmeas a longas distâncias (som de chamado), um sinal que serve para manter a fêmea nas proximidades e posteriormente copular (som de corte), e um sinal produzido entre os machos para disputas territoriais ou acesso a recursos (som de agressividade). Este é o repertório comum de espécies que produzem sons, mas também há suas variações, como espécies sem som de chamado ou até mesmo somente com som de corte.
  • Grilos da família Oecanthidae alteram a produção de seus sinais de acordo com a temperatura do local, como o grilo recém descrito Oecanthus buxixu. Se estiver com temperaturas altas, o sinal é emitido de forma frequente, se a temperatura estiver alta o sinal é emitido de forma esporádica.

Grilos: vilão ou mocinho? 

Para muitas pessoas o “canto” dos grilos pode ser incômodo, assim como sua presença em locais urbanos. Mas eles são “vilões ou mocinhos”? Para o Dr. Riuler a funcionalidade desses insetos no meio ambiente é importante e pode ser reinterpretada.

“Eles são mocinhos. Embora o grilo seja conhecido pelo ‘cricri’ noturno que interrompe o sono dos humanos, ele só está tentando se reproduzir. Grilos são importantíssimos na natureza. Através de seus sinais acústicos podemos saber a qualidade de determinado ambiente: eles reciclam  matéria orgânica, transportam sementes, constroem tocas que aumentam a circulação do oxigênio no solo. Os grilos nos ajudam muito, muito mais do que sabemos”, justificou.

*Por Karleandria Araújo, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar

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