O estudo hidrogeológico binacional detectou altas concentrações de nitratos e coliformes fecais no aquífero que constitui uma das principais fontes de abastecimento das cidades Tabatinga (BR) e Letícia (CO).
A aglomeração urbana mais dinâmica de todas as fronteiras amazônicas, formada pelas cidades gêmeas de Tabatinga e Letícia, está localizada na fronteira entre o Brasil e a Colômbia. A população local circula livremente entre as duas cidades e os dois países, compartilhando laços econômicos e de parentesco, bem como características comuns que formam uma identidade cultural e regional, apesar das diferenças de origem e idioma.
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Os mais de 109.000 habitantes dessa aglomeração urbana transfronteiriça que liga Letícia, no lado colombiano da fronteira, e a cidade brasileira de Tabatinga, no Amazonas, também compartilham desafios comuns, como deficiências no sistema de saneamento e a ocupação de áreas não urbanizadas, entre outras questões ambientais e de desenvolvimento socioeconômico.
O estudo hidrogeológico binacional, apresentado em junho, detectou altas concentrações de nitratos e coliformes fecais no aquífero que constitui uma das principais fontes de abastecimento das duas cidades. A contaminação do aquífero se deve principalmente à infiltração de substâncias provenientes de fossas sépticas e efluentes domésticos.
Programa de Ações Estratégicas (PAE)
O Brasil e a Colômbia realizaram em conjunto esse estudo de vulnerabilidade e risco hidrogeológico no aquífero de Letícia e Tabatinga com o objetivo de desenvolver políticas comuns para a proteção e o uso das águas subterrâneas na região. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico do Brasil e o Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia acompanharam o estudo.
A iniciativa faz parte do projeto de implementação do Programa de Ações Estratégicas (SAP), executado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), com apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).
Desde a aprovação conjunta do PAE em 2017, os países amazônicos vêm desenvolvendo projetos no âmbito da OTCA em níveis nacional, binacional e regional para fortalecer a GIRH e melhorar a adaptação às mudanças climáticas. A produção de dados regionais consolidados para melhorar a tomada de decisões é uma das estratégias estabelecidas no PAE.
O engenheiro Fabián Caicedo, Diretor de Gestão Integrada de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, disse:
“Esse estudo é um exemplo excepcional de cooperação transfronteiriça na gestão sustentável dos recursos hídricos subterrâneos. Ele demonstra a importância da cooperação internacional para enfrentar os desafios relacionados ao conhecimento das águas subterrâneas em bacias compartilhadas e que a articulação entre os países é essencial para garantir a disponibilidade e a qualidade das águas subterrâneas em uma região crítica”.
Caicedo também enfatiza que o projeto não apenas avalia a situação atual, mas também fornece informações para a reformulação da Política Nacional de Gestão Integrada de Recursos Hídricos da Colômbia.
Mauricio Abijaodi, diretor da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico do Brasil, ressalta como aspecto crítico a cobertura limitada dos serviços de saneamento na região. Ele afirma que “é essencial aumentar a cobertura dos serviços de abastecimento de água e saneamento nas duas cidades por meio de parcerias estratégicas e do desenvolvimento de um plano de expansão desses serviços”. Esse tema foi incluído na pauta do Comitê de Vizinhança, para que sejam estudadas alternativas de gestão compartilhada entre os dois países.
A Comissão de Vizinhança e Integração Brasil-Colômbia é um mecanismo bilateral que vem se reunindo periodicamente desde 1994 para examinar questões de interesse para a cooperação fronteiriça entre os dois países.
Água e saúde pública
O inventário atualizado dos 68 poços nas áreas urbanas de Letícia e Tabatinga, bem como nas áreas suburbanas da cidade colombiana, mostrou que a água subterrânea é usada predominantemente para fins domésticos e, em menor escala, para abastecimento público, usos industriais, recreativos e pecuários.
Como se trata de um problema ambiental com implicações para a saúde pública, a realização do estudo gerou expectativas na população. Claudia Silva, 34 anos, tem um poço de água potável em sua casa em Leticia. Quando foi contatada pela equipe que conduzia o estudo, ela ficou entusiasmada e garantiu que, quando fosse informada sobre a qualidade da água que usava, tomaria as medidas necessárias para melhorá-la.
Para o geólogo Fabrício Cardoso, especialista em Regulação de Recursos Hídricos e Saneamento Básico da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), quando o relatório final do estudo for divulgado, a participação social será fundamental para melhorar a situação do aquífero. Segundo ele, um ponto chave considerado no relatório é a participação de diferentes atores nas discussões sobre cenários futuros desejáveis para alcançar a sustentabilidade desse sistema hídrico e de seus serviços ecossistêmicos, aproveitando o conhecimento local para proteger essa fonte de abastecimento, bem como para reduzir sua contaminação, com base na forma como suas águas são utilizadas.
“Os governos devem tratar a questão da qualidade da água potável e do abastecimento de água como uma prioridade, trabalhando ativamente para construir espaços de debate, compartilhando responsabilidades e dividindo tarefas de acordo com suas competências”,
diz Cardoso.
Monitoramento da água
O projeto binacional também resultou em uma proposta para a criação de uma rede de monitoramento da qualidade e do nível das águas subterrâneas para prevenir e reduzir os riscos identificados, bem como uma estratégia para manter sua operação ao longo do tempo.
Representantes e autoridades dos órgãos responsáveis pela gestão da água em nível nacional, estadual e municipal no Brasil e na Colômbia, que participaram do evento de divulgação do estudo, indicaram que a Secretaria de Meio Ambiente de Tabatinga será responsável por propor a inclusão de uma discussão sobre o tema na próxima agenda da Comissão de Vizinhança e Integração Brasil-Colômbia.
Da mesma forma, a Secretaria de Agricultura, Meio Ambiente e Produtividade da Governadoria do Amazonas (Colômbia) manifestou interesse em participar de uma possível aliança estratégica para monitorar a qualidade das águas superficiais e subterrâneas por meio de sua equipe técnica profissional e utilizando equipamentos multiparamétricos portáteis.