Para onde vão as aves das várzeas amazônicas quando a água do rio sobe?

Mesmo com as grandes mudanças no ambiente, há muitos animais terrestres, sem habilidades para a vida aquática, que se aventuram em viver nestes locais por toda a sua vida.

Solta-asa-do-norte (Hypocnemoides melanopogon) no período de cheia dos rios, alimentando-se de uma aranha próximo à linha da água. Foto: Anaís Prestes

As várzeas amazônicas são florestas extremamente dinâmicas, devido à sua forte sazonalidade que é dada pela água, e não pelo clima. Isso acontece devido ao aumento do volume de água nos rios, que transbordam e inundam grandes áreas de florestas ribeirinhas todos os anos, transformando ambientes terrestres em ambientes aquáticos por vários meses. A vegetação nesse ambiente precisa ser adaptada às inundações, e muitas espécies de plantas regulam seus ciclos de vida de acordo com o ciclo dos rios.

Mesmo com as grandes mudanças no ambiente, há muitos animais terrestres, sem habilidades para a vida aquática, que se aventuram em viver nestes locais por toda a sua vida.

Mas assim como o ambiente é sazonal, o comportamento e uso do ambiente por estes animais também precisam ser sazonais. Então, sabendo que o ambiente permanece alagado por meses e que grande parte da floresta fica submersa e indisponível para animais exclusivamente terrestres, como essas espécies se adaptam e vivem nas várzeas amazônicas?

Para os aracnídeos, como as aranhas e opiliões, já há algumas respostas, e é incrível como cada espécie pode utilizar diferentes estratégias para sobreviver. Existem aranhas que possuem seu ciclo de vida sincronizado com o ciclo anual da inundação. Quando está seco, as aranhas colonizam o solo da floresta, alimentam-se e reproduzem-se entre as folhas caídas.

Quando a água começa a subir, essas aranhas já estão no fim de sua vida, e são seus filhotes que permanecem na floresta, subindo nas árvores e ocupando o ambiente vertical disponível acima da linha da água. Nas árvores, os filhotes crescem e, quando a água começa a descer, eles recolonizam o solo assim como seus pais haviam feito.

Há também um pseudoescorpião (também chamado de “falso escorpião”) que utiliza uma estratégia diferente. Ele habita o solo e lá permanece quando a floresta é alagada, no entanto, este pseudoescorpião regula sua fisiologia do corpo para permanecer em um estado de dormência na cheia, e volta a despertar no período seco.

As adaptações não se limitam aos aracnídeos, elas também foram observadas nas aves, um dos grupos mais biodiversos e estudados do mundo. No entanto, até pouco tempo não se sabia sobre as adaptações das aves a estes ambientes efêmeros das florestas de várzea.

Embora seja fácil imaginar que as aves simplesmente poderiam deixar a região voando, na realidade, a complexidade é maior devido à grande diversidade de espécies de aves, o que implica em diversos comportamentos e hábitos de vida. Um caso que chama a atenção são as aves que se alimentam de insetos (insetívoras) e que vivem no sub-bosque da floresta, ou seja, em um estrato mais próximo ao chão da floresta. Para estas aves, espera-se que elas não consigam fazer grandes deslocamentos.

Fêmea de papa-formiga-de-sobrancelha (Myrmoborus leucophrys), uma das cinco espécies de aves insetívoras de sub-bosque estudadas na floresta de várzea. Foto: Anaís Prestes

Até então, o que se sabia é que espécies de aves insetívoras de sub-bosque são as mais sensíveis a mudanças do ambiente, principalmente as espécies que vivem em terra firme, um ambiente que não está sujeito a inundações. Essas espécies são as primeiras a desaparecerem da região quando há algum distúrbio no ambiente, muitas vezes evitando, inclusive, locais próximos à borda da floresta. Se essas espécies de aves são tão especializadas em viver apenas no sub-bosque da floresta, sendo sensíveis a bordas e mantendo-se longe do dossel, como se adaptam quando seu ambiente de preferência está inabitável?

Para entender isso, realizamos um estudo com cinco espécies de aves insetívoras de sub-bosque das áreas de florestas de várzea do baixo rio Purus.

Ou seja, como a floresta é alta, há uma parte da vegetação que não fica submersa, então as espécies ocupam uma altura da floresta quando está cheio de água e outra altura quando está seco. Apesar dessa movimentação, cada espécie possui sua preferência em relação à altura em que habita na floresta, algumas mais altas e outras mais próximas da linha da água.

Mesmo com a movimentação vertical na vegetação, algumas aves procuram permanecer em locais com a vegetação do micro-habitat, o local específico dentro ambiente maior, muito parecido com as que habitavam na seca. E outras espécies podem se adaptar ainda mais, procurando habitar locais específicos com a vegetação mais densa e fechada na cheia, comparada com os ambientes mais abertos que preferem na seca.

Quando a água sobe, o espaço vertical da floresta para as aves diminui. As aves se adaptam movendo-se verticalmente, procurando ocupar parte desse espaço disponível, algumas preferindo ficar próximas à linha da água, enquanto outras optam por áreas mais elevadas na vegetação. Juntamente com elas, muitos insetos do solo e dos troncos também se adaptam, movendo-se verticalmente.

Isso pode ser vantajoso para as aves, uma vez que muitos desses insetos são suas presas. No entanto, há várias espécies ocupando um espaço menor, mas com a movimentação vertical dos insetos essas aves podem ter mais facilidade em encontrar alimento, já que durante a seca há mais locais de abrigo para esses insetos no solo da floresta.

Floresta de várzea na cheia com cigarras nos troncos das árvores próximo a linha da água. Foto: Anaís Prestes

Ciência se faz com parceria

O estudo apresentado neste texto é resultado da pesquisa realizada por Anaís Rebeca Prestes Rowedder durante seu curso de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ecologia, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). A orientação foi realizada pelo professor Mario Cohn-Haft e co-orientação de Thiago Orsi Laranjeiras, também com a parceria do doutor Torbjørn Haugaasen e colega em campo Benjamin Gilmore. Esta pesquisa contou com o apoio financeiro do governo federal por meio da bolsa de mestrado do CNPq e da Faculdade de Ciências Ambientais e Gestão de Recursos Naturais (MINA) da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida (NMBU).

Para saber mais:

Adis, J. 1997. Estratégias de sobrevivência de invertebrados terrestres em florestas inundáveis da Amazônia central: Uma resposta à inundação de longo período. Acta Amazonica, 27(1): 43–54. (acesse aqui)

Rowedder, A. R. P., Laranjeiras, T. O., Haugaasen, T., Gilmore, B., Cohn-Haft, M. 2021. Response of understory avifauna to annual flooding of Amazonian floodplain forests. Forests12(8), 1004. (acesse aqui)

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Conexões Amazônicas, escrito por Anaís Prestes Rowedder 

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