Sessenta anos após o último avistamento de Ararajubas nos céus de Belém, oito indivíduos dessa espécie foram devolvidos à natureza no início da manhã desta quarta-feira (31), no Parque Estadual do Utinga. Foram mais de 10 anos de pesquisa para que as aves símbolo do Brasil pudessem voltar ao seu habitat natural por meio do Programa de Reintrodução e Monitoramento de Ararajubas (Guaruba guarouba) em Unidades de Conservação da Região Metropolitana de Belém, que é desenvolvido pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) e pela Fundação Lymington, de São Paulo.
As aves que foram soltas vieram de São Paulo, onde foram reproduzidas em cativeiro. Elas chegaram a Belém em agosto do ano passado e, desde então, vinham passando por um processo de readaptação no habitat amazônico. O próximo passo será a reintrodução da espécie na Área de Proteção Ambiental (APA) da Região Metropolitana de Belém, APA do Combu, Refúgio de Vida Silvestre (Revis), Alça Viária e APA do Abacatal, em Ananindeua.
O coordenador do projeto, Professor Doutor Luís Fábio Silveira, um dos maiores ornitólogos do país, explica que o processo de reintrodução em um novo ambiente costuma ser longo, porque as aves precisam ter condição de sobreviver na natureza. Ele ressalta que durante os seis meses iniciais de readaptação elas foram expostas aos frutos nativos coletados na mata para aprender a reconhecê-los. “Mesmo sem nenhum contato anterior com estes frutos elas souberam manuseá-los e demonstraram grande interesse pelo açaí e pelo muruci. Agora elas estão com condições físicas e de comportamento adequadas para serem soltas”, afirma.
Das 14 ararajubas trazidas para o PEUt, duas não se adaptaram e acabaram morrendo. Nos últimos meses, duas foram soltas para fazer o reconhecimento do novo habitat e retornaram aos viveiros. Estas servirão de guias para as demais. Mesmo soltas, elas continuarão a ser monitoradas. “A soltura é a fase mais importante do projeto, é quando vamos observar a capacidade delas de sobreviverem na natureza”, explica o ornitólogo. Nos próximos meses mais um grupo de ararajubas virá de São Paulo para que o processo de reintrodução prossiga.
O biólogo Marcelo Rodrigues Vilarta acompanhou de perto e foi o responsável pelos seis meses de readaptação. Ele destaca que os animais começaram a apresentar um comportamento agressivo causado, provavelmente, pela chegada do período de reprodução da espécie, quando passam a formar casais e adotar hábitos como a troca de alimentos. As ararajubas também começaram a atrair potenciais predadores, como as jibóias, que passaram a rondar o viveiro onde elas estavam. O principal objetivo, comenta o pesquisador, é que as aves formem casais, se adaptem e reproduzam neste habitat.
O diretor de Gestão da Biodiversidade do Ideflor-Bio, Crisomar Lobato, comenta que recompor a biodiversidade de uma área urbana é de fundamental importância para a biodiversidade local. Ele ressalta que as aves vão ajudar na recomposição da fauna e contribuir para o equilíbrio da cadeia alimentar e recuperação do meio ambiente da região metropolitana de Belém. “Uma fauna recuperada contribui para amenizar o clima e para a recomposição da paisagem do maior aglomerado urbano na Amazônia, que é Belém”, disse.
Relação com a espécie
O primeiro registro científico de aparição das ararajubas na região metropolitana de Belém se deu em 1848. De cor amarela e verde vibrante, a ave já fez parte da paisagem local. Luis Silveira destaca que as elas desapareceram entre as décadas de 40 e 50 por conta da expansão urbana, do desmatamento e do comércio ilegal de animais silvestres. A beleza das ararajubas é tanta, que no final do século XVI a espécie foi mencionada por Fernão Cardin, na Bahia, como uma ave muito valiosa comercialmente, equivalente ao preço de dois escravos.
Para o gerente do Parque Estadual do Utinga, Julio Meyer, a reintrodução da Ararajuba não significa apenas o retorno de uma espécie ao seu habitat. “Significa que há caminhos possíveis para se resgatar a biodiversidade local mesmo com a região metropolitana em expansão. Isso equivale a resgatar a confiança na proteção da biodiversidade”, destaca.
O gerente ainda destaca que o Parque Estadual do Utinga possui uma fauna exuberante, com mais de 200 espécies de aves registradas, constituindo o mais importante projeto de preservação da biodiversidade na região metropolitana de Belém.
Obras
O Parque Estadual do Utinga (PEUt) é uma Unidade de Conservação administrada pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio). Foi criada em 1993 e objetiva a proteção sanitária dos lagos Bolonha e Água Preta, que abastecem cerca de 70% da população de Belém.
Com mais de 1.300 hectares, a área, classificada como uma UC de Proteção Integral, preserva ecossistemas naturais de grande beleza e relevância ecológica, estimulando a realização de pesquisas científicas e incentivando o desenvolvimento de atividades de educação ambiental, incluindo o turismo ecológico. Seu funcionamento foi readequado às regras do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) em 2008, por meio de decreto.
Atualmente, o Parque do Utinga está fechado para visitação por conta das obras de revitalização. A construção da infraestrutura para atender os usuários começa na entrada, com o Pórtico do Parque e o Centro de Acolhimento, que oferece ao visitante lojas de souvenires, um café, banheiros, estacionamento com 400 vagas, bicicletário (com aluguel de bicicletas) e arborização com espécies nativas; o Mirante do Bolonha e o Centro Global de Gastronomia da Amazônia, que vai priorizar a culinária regional no cardápio oferecido; uma trilha de quase quatro quilômetros inteiramente pavimentada (para caminhadas e passeios de bicicleta); o Centro de Visitação, que conta agora com área para exposição de cerâmica (por conta de uma parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi), dois trapiches e um café, e o Recanto da Volta, antigo Clube da Cosanpa, com espaço de contemplação e área lazer.