A Floresta Amazônica é reduto para 216 espécies de plantas recém descobertas por pesquisadores. O resultado foi divulgado no relatório “Atualização e Composição da lista Novas espécies de Vertebrados e Plantas na Amazônia (2014-2015)”, realizado pela iniciativa Amazônia Viva, do World Wide Fund for Nature (WWF), em parceria com o Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que reuniu as novas descobertas da ciência na Amazônia entre os anos de 2014 e 2015.
Embora seja rica em biodiversidade, a Floresta Amazônica permanece ainda com lacunas de conhecimento. De grande extensão, a região abarca o Brasil, a Bolívia, a Colômbia, o Equador, a Guiana Francesa, a Guiana, o Peru, o Suriname e a Venezuela. Para o desenvolvimento da publicação, foram consideradas como área de amostragem a Amazônia Hidrográfica, a Amazônia Ecológica e a Amazônia Política.
O levantamento botânico foi feito com base nas informações disponíveis no banco de dados do The International Plants Names Index (IPNI) e na Lista de Espécies da Flora do Brasil. Nesse relatório também constam espécies descritas em 2013, que não estavam na edição anterior, com as novas espécies de 2009 a 2013, lançado pelo WWF. Na época, algumas espécies não fizeram parte do levantamento, em função do seu registro no IPNI ter sido realizado após a divulgação do relatório. Foram 44 espécies de plantas descritas no ano de 2013 após divulgação do relatório, totalizando 260 novas espécies, quando somadas às plantas descritas nos últimos anos. Desde 2009, foram catalogadas mais de 1.150 plantas da Amazônia.
Mariana Terrôla, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Ecologia Florestal do Instituto Mamirauá, foi uma das especialistas que participou do desenvolvimento do relatório. De acordo com ela, a publicação serve como uma forma de alerta para a sociedade, especialmente quando consideradas as ameaças à Floresta Amazônica.
“Ainda conhecemos muito pouco sobre a biodiversidade na Amazônia. E, aqui, não importa se a espécie é rara, endêmica ou de ampla distribuição. É uma questão de não conhecermos a biodiversidade e estarmos perdendo esta oportunidade por vários motivos como o desmatamento, a conversão de hábitat para pastagem e monoculturas, a alteração da paisagem por grandes obras hidrelétricas ou rodoviárias, e até mesmo as áreas sob ações de guerrilha. Isso tudo implica em agirmos sobre o ambiente sem conhecê-lo de fato”, afirmou.
O registro de novas espécies esclarece uma série de questões à ciência e pode contribuir para o estabelecimento de estratégias de conservação. Mariana descreve a importância desse tipo de iniciativa em dois tópicos: o primeiro, considerando o conhecimento da história natural da evolução das espécies, e o segundo, considerando a utilização de algumas das espécies e dos ambientes em que ocorrem pelo homem.
“Quanto história natural, sistemática, a descoberta de novas espécies nos permite colocarmos mais uma peça no quebra-cabeça da evolução das espécies, sua linhagem, seu ponto de origem e dispersão. E aí a espécie humana é apenas mais uma peça neste quebra-cabeça. Nos dá também chances de descobrirmos novos alimentos, novos fármacos, novas fibras. Além de propiciar um melhor entendimento das relações existentes entre os organismos, plantas e animais, e de conhecermos melhor o ambiente em que as espécies se encontram e assim alterá-lo ou intervir na paisagem com mais conhecimento”, revelou.
A bióloga molecular e taxonomista botânica Tiina Särkinen, do Royal Botanic Garden Edinburgh, na Escócia, participou da descrição de algumas das espécies contempladas no relatório. Tiina reforçou a importância do desenvolvimento de pesquisas científicas e da disseminação de informações sobre as novas espécies descritas na Amazônia. “Minha esperança particular é que as pessoas, tanto em áreas de alta biodiversidade, bem como mais ao norte ou ao sul, aprendam nas escolas e nos meios de comunicação que nem tudo sobre o nosso planeta é conhecido, e que ainda há espaço para mais descobertas”.
Os pesquisadores brasileiros e estrangeiros continuam empenhados em realizar pesquisas científicas em prol do conhecimento e conservação da biodiversidade, mas, de acordo com eles, essa não tem sido uma tarefa fácil. Mariana destacou desafios para o trabalho como o que ela caracterizou como um embate entre o desenvolvimento e a sustentabilidade. Ela cita a dificuldade para conseguir financiamento para o desenvolvimento da logística de expedições e para a manutenção de pesquisas de longa duração, a pouca fixação de centros de pesquisa na Amazônia, entre outras.
“Não só pela extensão, mas pela diversidade de ambientes, a Amazônia ainda tem muito a revelar quanto biodiversidade. Precisamos de diferentes frentes de pesquisa. Investimento em expedições que visem os levantamentos de espécies. E pesquisas de longa duração, principalmente as que envolvem os moradores locais, pois darão resultados mais robustos, com entendimento do ecossistema. E aí, não será tão importante o nome da espécie ou ela em si, mas o papel funcional que ela desempenha neste ecossistema”, comentou.
Adaptação às perturbações
Da família Solanaceae, as plantas descritas por Tiina Särkinen e outros pesquisadores compõem uma publicação com quatro novas espécies dessa família descritas na América do Sul. “A descrição da espécie Solanum arenicola é parte de um projeto em andamento para descrever e catalogar cerca de 1.500 espécies do gênero Solanum, do mundo todo”, comentou a pesquisadora.
Tiina destaca que esse é um gênero bem conhecido em nossa alimentação, que inclui o tomate, a batata, a berinjela e o tabaco. “Proteger os parentes das culturas selvagens dessas espécies, bem como a diversidade dentro do gênero, incluindo muitos da faixa de espécies restritas e endêmicas, é uma grande preocupação”, completou Tiina.
A planta ocorre na floresta de baixa altitude do Peru e Bolívia e na vertente oriental dos Andes e tem preferência por ambientes de solo arenoso, o que inspirou o seu nome científico. A pesquisadora contou que esteve em Madre de Dios, no Peru, em busca da planta e foi nessa região que aprendeu uma lição sobre a adaptação das plantas amazônicas aos sistemas hídricos e às perturbações. Ela havia reservado um dia inteiro para chegar a uma área remota da floresta, onde pensava que a planta estaria.
“Eu fui a um pequeno porto local para negociar um passeio de barco. Enquanto esperava o homem preparar o barco, eu me sentei em frente ao rio, no meio do porto, um ambiente muito perturbado. E ali eu descobri: a planta ama perturbação, apesar de achar que ela crescia apenas nas profundezas da floresta, percebi que ia crescendo a partir das margens degradadas do rio, ao lado de muitas plantas daninhas. A lição foi que nem todas as espécies na Amazônia são tímidas, muitas são adaptados aos sistemas fluviais dinâmicos que criam perturbação”, disse Tiina.
O relatório
Esses resultados fazem parte do Relatório de Novas Espécies de Vertebrados e Plantas na Amazônia entre 2014 e 2015. A publicação, desenvolvida pelo WWF e pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Ao todo, foram 381 novas espécies descritas no período na Amazônia, sendo 216 plantas, 93 peixes, 32 anfíbios, 19 répteis, 01 ave e 20 mamíferos