Levantamento geofísico orienta busca por artefatos arqueológicos debaixo d’água em assentamentos indígenas na Amazônia

Com uso do Radar de Penetração no Solo (GPR), linha de pesquisa de institutos de São Paulo e do Maranhão tem como objetivo reduzir os custos da investigação arqueológica e ajudar a melhorar o conhecimento sobre o sítio subaquático na região da Amazônia Oriental.

Foto: Rodrigo Méxas/FioCruz Imagens

A Aldeia de Jenipapo, no Pantanal Maranhense, teve os seus assentamentos construídos por populações indígenas que lá habitaram durante o período pré-colonial. No local, que fica às margens do Tio Turiaçu, foram erguidas palafitas, moradias sustentadas por pilares de madeira. As palafitas foram construídas entre cerca de (1 e 1100 depois de Cristo), sendo um tipo de habitação humana registada a longo prazo em todos os continentes, com exceção da Antártica. As mais antigas palafitas documentadas correspondem a povoações que mostram a transição do Neolítico para a Idade do Bronze (5000 a 500 antes de cristo) na Europa, com registros na região Circum-Alpina, em países como Suíça, França, Itália e Alemanha.

Com a proposta de ampliar o conhecimento sobre o sítio arqueológico subaquático na região da Amazônia Oriental, que é onde se localiza a Aldeia de Jenipapo, foi aplicado um levantamento pioneiro de Radar de Penetração no Solo (GPR), cujos resultados foram publicados na revista científica Journal of Archaeological Science Reports por pesquisadores do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), dos Departamentos de Oceanografia e Limnologia e de História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e do Departamento de Geofísica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT).

O trabalho demonstra a capacidade do método GPR em mapear um pilar de madeira subaquático e aumentar a probabilidade de encontrar artefatos arqueológicos no fundo do rio, o que contribui para melhorar o conhecimento da arqueologia amazônica no Brasil. Para tanto, foram estabelecidos doze perfis GPR, todos eles adquiridos com antenas de 270 MHz, utilizando um barco de borracha. Os doze perfis tinham ~425 metros de comprimento na direção norte-sul com formato irregular e espaçamento de ~20 metros entre as linhas, quase paralelos entre si.

Os resultados do GPR indicaram uma reflexão do sinal no fundo do rio e várias hipérboles de difração suspensas sobre o fundo do rio, relacionadas ao topo dos pilares de madeira. “Nós conseguimos fornecer um mapa em alta resolução do fundo do rio Turiaçu e dos topos dos pilares de madeira que sustentavam as casas de palafitas no período pré-colonial”, afirma o geofísico Jorge Luís Porsani, professor do Departamento de Geofísica do IAG-USP e autor correspondente do estudo.

Para apoiar a interpretação dos resultados, foi realizada uma modelagem numérica GPR para simular as hipérboles de difração suspensas na água, relacionadas aos pilares de madeira. De acordo com os autores, a modelagem numérica GPR apresentou boa concordância com dados reais, o que auxiliou na interpretação dos resultados. Além disso, eles observam que a localização de diversas hipérboles de difração pode orientar os mergulhadores na busca e coleta de artefatos arqueológicos ao redor dos pilares de madeira subaquáticos.

A importância do estudo após La Niña e suas aplicações

Desde 2018, esses sítios não estão secando, devido ao La Niña, que é um fenômeno oceânico e atmosférico que provoca fortes chuvas na região. Com isso, a busca por artefatos arqueológicos deixou de ser realizada, porque os lagos e rios ainda são relativamente profundos durante o período seco.

Assim, a aplicação do método GPR, que é indireto e não invasivo, contribui para a investigação arqueológica das seguintes formas:

  • Podem ser localizados os pilares de madeira no leito do lago ou rio e, desta forma, criar um mapa do local da vila de palafitas;
  • Uma vez localizados os pilares de madeira, podem ser colhidas amostras para datação e, assim, analisar as madeiras para descobrir as espécies utilizadas na construção das aldeias.
  • O GPR também possibilita a procura artefatos entre os pilares de madeira. Em trabalhos de campo anteriores, quando os locais estavam secos, os pesquisadores do LARQ da UFMA conseguiram recuperar diversos artefatos que revelam o cotidiano dessas pessoas, desde os tipos de panelas, até mesmo aquelas utilizadas em interações e rituais com grupos distantes, como o muiraquitã, um amuleto de pedra verde (jade nefrítico) no sítio Boca do Rio. Esse achado corrobora a existência de uma conexão em rede entre esses grupos e outros localizados em áreas mais distantes, uma vez que o jade não existe na região do Maranhão. Esses artefatos também indicariam redes de longa distância entre viajantes do baixo Amazonas e, possivelmente, das Antilhas e do Caribe.
  • Trabalhos futuros podem utilizar o GPR para ajudar a definir a forma e a extensão das aldeias. Além disso, outros métodos geofísicos, como o Side Scan Sonar (que criam imagens de grandes áreas do fundo do mar), poderiam ser combinados com o GPR para ajudar nesta tarefa.

Com esta linha de pesquisa, portanto, os autores vislumbram, além de contribuir para reduzir custos e otimizar a investigação arqueológica, também ajudar a melhorar o conhecimento sobre os sítios arqueológicos subaquáticos na região da Amazônia Oriental, que é uma das duas partes da Amazônia Legal, composta pelos estados do Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins, Mato Grosso, Acre, Roraima, Rondônia e Acre.

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