A versatilidade do tucumã: pesquisa desenvolve coproduto com valor antioxidante

O potencial é tamanho que há destaque ainda nos mercado de cosmético e de biocombustível, além de alimento.

Foto: Reprodução/Prefeitura de Manaus-AM

Comumente, o processamento de frutas pela indústria gera para o planeta uma grande quantidade de resíduos e subprodutos, constituindo um montante que pode chegar a 40% de toda a produção. Sementes, cascas e bagaços, normalmente descartados, contribuem, direta ou indiretamente, com impactos ambientais e econômicos, na gestão de resíduos.

Uma frente atual, entretanto, tem-se ocupado em demonstrar o potencial de tais resíduos como fonte alternativa para o desenvolvimento de novos produtos ou para o melhoramento de características de outros alimentos. A ideia é alcançar produtos com maior valor agregado e fortalecer ações sustentáveis em relação aos setores econômico, social e ambiental.
Na Universidade Federal do Pará (UFPA), uma pesquisa com o tucumã (Astrocaryum vulgare Mart) avança nesse sentido. O fruto amazônico pode ter o caroço aproveitado em produtos de artesanato; as folhas, em cestarias; a polpa, consumida em preparações de vinho, sanduíche e até sorvete.
O potencial é tamanho que há destaque ainda nos mercado de cosmético e de biocombustível, além da já reconhecida boa utilidade como micropartículas que, ricas em compostos antioxidantes, podem ser adicionadas em pães, por exemplo, e exploradas como alimento. Resultado esse que está na dissertação da farmacêutica Lindalva Maria de Meneses Costa Ferreira, Obtenção, caracterização e microencapsulação de extratos ricos em antioxidantes naturais a partir do coproduto das amêndoas do tucumã.

“Buscamos conhecer o valor nutricional e potencial antioxidante do coproduto do tucumã agroindustrial, no intuito de reaproveitá-lo para a obtenção de novos produtos. Seria uma forma de minimizar os impactos ambientais causados pelo descarte inadequado desse coproduto e contribuir com a sustentabilidade, bioeconomia e valorização das espécies da nossa região amazônica”,

defende a pesquisadora.

Partículas produzidas compõem alimento funcional 

Focada em pesquisar, desenvolver e apresentar um novo produto à sociedade, Lindalva Ferreira buscou microencapsular o extrato do coproduto das amêndoas do tucumã utilizando a técnica de secagem conhecida como spray drying, também chamada de nebulização. A técnica consiste em um processo no qual um produto (solução, emulsão ou suspensão) é transformado do estado fluido para o estado sólido, em forma de pó, dentro de uma câmara.

“A microencapsulação por spray drying promove a retirada do solvente e a transformação dos extratos líquidos em sólidos, conservando as propriedades bioativas e possibilitando uma maior estabilidade destes”, justifica a pesquisadora. O processo também favorece a incorporação de componentes bioativos em diversos produtos alimentícios, enriquecendo e conferindo propriedades funcionais.

Para a pesquisa, Lindalva contou com o apoio da Indústria Amazon Oil, responsável por ceder o coproduto. O primeiro passo do trabalho foi realizar o tratamento do material obtido e efetuar um controle de qualidade.

Nessa fase, foi avaliada a composição nutricional, envolvendo aspectos como umidade, cinzas, proteína, fibras, lipídeos e carboidratos. Na sequência, foi obtido o extrato hidroetanólico bruto e microencapsulado. O extrato também passou por um controle de qualidade e teve avaliada sua composição química e atividade antioxidante. Por fim, foram obtidas as micropartículas secas por spray dryer, usando maltodextrina para o extrato hidroetanólico e maltodextrina e goma arábica para o extrato oleoso.

“Os resultados da pesquisa mostram que o coproduto do tucumã é rico em macronutrientes como proteínas, lipídeos, carboidratos e fibra alimentar. O extrato hidroetanólico é rico em ácidos fenólicos (cafeico e gálico). O extrato oleoso é rico em carotenoides e as micropartículas obtidas por spray dryer são ricas em ácidos fenólicos e carotenoides. Todos com potencial antioxidante”, descreve Lindalva Maria de Meneses Costa Ferreira. “Desta forma, as micropartículas contendo o extrato do coproduto do tucumã, ricas em antioxidantes, podem ser utilizadas como alimento funcional”, aponta.

Pães e biscoitos vão abastecer escolas ribeirinhas

Com a etapa inicial concluída, a pesquisa de Lindalva Costa Ferreira segue agora para um segundo estágio de execução. “Uma aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Thalita Nilky Oliveira, vem dando continuidade ao estudo, que consiste na aplicação dos resultados da minha pesquisa”, explica a pesquisadora.

“Serão desenvolvidos pães e biscoitos contendo as micropartículas utilizadas como alimento funcional. Os pães e biscoitos serão oferecidos na merenda escolar de crianças das comunidades ribeirinhas do estado do Pará”, 

comemora a pesquisadora.

Foto: Alexandre de Moraes

O projeto vai receber apoio financeiro do Banco da Amazônia, sob coordenação da professora Roseane Maria Ribeiro Costa, do Laboratório de Síntese e Nanotecnologia Farmacêutica (PPGQ³/UFPA). A nova pesquisa também conta com orientação do professor José Otavio Carréra Júnior, do Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento Farmacêutico e Cosmético (Faculdade de Farmácia/UFPA). Atualmente, a pesquisa aguarda aprovação no Comitê de Ética.

“Foi de grande importância realizar a pesquisa e mostrar que um produto geralmente desprezado possui potencial promissor para ser reaproveitado e gerar novos produtos. Deixei minha contribuição para a ciência e sustentabilidade, com foco na valorização da região amazônica”, orgulha-se a farmacêutica.

O poder do tucumã 

O tucumã é um fruto alaranjado, quando maduro, que apresenta 3 a 5 cm de comprimento. Trata-se de um alimento bastante nutritivo. A polpa é considerada uma fonte alimentícia rica em compostos pró- vitamina A, macronutrientes e ácidos graxos, principalmente ácidos oleicos, esteáricos e linoleicos. Apresenta quantidades relevantes de fibras e vitamina E e possui boas quantidades de vitamina B1, vitamina C, compostos fenólicos, fi toesteróis e tocoferóis, o que torna o fruto uma excelente alternativa ao combate da hipovitaminose A. 

Pelo elevado teor de carotenoides, é utilizado para o tratamento de problemas nos olhos e na pele. A título de comparação, o fruto possui um teor vitamínico três vezes superior ao da cenoura e 90 vezes maior que o do abacate, superando três vezes a necessidade diária de vitamina A recomendada para um homem adulto, característica esta que lhe confere elevada capacidade antioxidante, anti-inflamatória e anticarcinogênica. O fruto pode ser consumido in natura ou na forma de sucos, licores, doces, massas, picolés, geleias, mingaus, sorvetes, tortas, sanduíches e farinhas. 

Da polpa, é extraído um óleo de cor alaranjada, cujo uso na culinária se assemelha ao do azeite de dendê, com alto teor de ácidos graxos e consistência de vaselina em temperatura inferior a 27°C. Pode-se utilizar a casca do caroço in natura, mas também se pode extrair um óleo da amêndoa, o qual contém ácidos graxos 90% saturados.

Sobre a pesquisa

A dissertação ‘Obtenção, caracterização e microencapsulação de extratos ricos em antioxidantes naturais a partir do coproduto das amêndoas do tucumã (Astrocaryum vulgare Mart.)’ foi defendida por Lindalva Maria de Meneses Costa Ferreira, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF/ICS), da Universidade Federal do Pará, em 2019, com orientação do professor José Otavio Carréra Júnior.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio/UFPA, edição 167, escrito por Edmê Gomes

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