O nascimento de José da Silva Azevedo, pai do Comendador José dos Santos da Silva Azevedo

José da Silva Azevedo nasceu na Rua Barão de São Domingos. A vida das famílias portuguesas, de menor poder aquisitivo era fatigada pelo trabalho e por doenças.

Todas as dificuldades de adaptação, aos costumes e hábitos do casal José da Silva Azevedo e de sua esposa Maria Ferreira Bernardes foram aos poucos sendo superados. O trabalho de ambos era um motivo forte para não esquecer a Pátria Mãe, mas para guardar recordações dos seus momentos de infância, lá do outro lado do Atlântico.

A baía do Rio Negro, imponente e majestosa, fervia com a chegada e saída de navios a vapor, barcos regionais, catraias e tantos outros meios de transportes fluviais. Aos domingos os jovens disputavam pelejas no remo, representando alguns clubes que existiam na época, que eram praticados em especial por três clubes, bem equipados e que, por sua vez, mantinham acirrada rivalidade competitiva. O Clube do Remo, antigo Ruder, fundado por alemães, tinha sua sede em um flutuante no igarapé de Manaus, ao qual se tinha acesso através da Ponte Cabral. O Amazonense localizava-se à margem do rio Negro, no início da Rua Corrêa de Miranda, hoje Joaquim Nabuco, e o Náutico tinha sua sede também na orla do Rio Negro, cujas, provas competitivas eram realizadas sempre na baía do Rio Negro.

PÉRES, Jeferson. Evocação de Manaus: como eu a vi ou sonhei. Manaus: Valer, 2002. Pág. 9

Todos esses acontecimentos vistos pelos olhos do jovem casal, que deslumbrados, ostentavam a majestosa margem do rio, vista alcançada do sobrado da residência, guarnecida de flores e rosas, plantada em latas simples, que por efeito de sua densidade eram como duas muralhas a embelezar o horizonte de sonhos. Este aspecto da época, narrado por seus familiares, hoje guarda entre si à distância de dezenas de anos, que se revelam ao ponto da estação de verão e inverno, ou a enchente dos nossos rios, quando pouco, de vez em quando, o soprar da brisa oriunda do Rio Negro.

Toda essa monotonia fora quebrada com a notícia da chegada do filho. Motivo de superação de todas as dificuldades seria a mão de Deus, unindo cada vez mais o casal. A interrupção da vida rotineira trouxera a alegria e a disposição ainda maior para o trabalho, afinal a família teria em breve mais um membro. As noites da cidade de Manaus eram, por tantas vezes, iluminadas pelo candeeiro de bronze, ou alumínio, a espargir luz em toda a sala, cujas, portas do sobrado se achavam, como que hermeticamente fechadas. As telhas portuguesas de vidro permitiam a luz das estrelas tocarem no ambiente onde haveria de nascer o menino que seria um exemplo de vida.

(À esquerda) José da Silva Azevedo (patriarca) aos dois anos de idade./ (À direita) José da Silva Azevedo e sua mãe Maria Ferreira. Fotos: Acervo familiar

Pois assim aconteceu, no dia 10 de julho de 1909, dia de Nossa Senhora do Carmo, nascia na Rua Barão de São Domingos, no velho sobrado, o menino que haveria de se chamar, por vontade dos pais, José da Silva Azevedo.

O curioso que podemos notar era a duplicidade nominal, ou seja, o filho era registrado com o mesmo nome do pai. Orgulho do pai em manter o seu nome. Há permanência dos dois sobrenomes do pai, no caso Silva Azevedo. É possível, porém esse detalhe naquele momento já não importava, pois o fato da alegria da família era a chegada do primeiro filho, cujo, nascimento fora recebido sob a égide de Deus, pois tratava-se de família extremamente religiosa.

José da Silva Azevedo nasceu na Rua Barão de São Domingos. A vida das famílias portuguesas, de menor poder aquisitivo era fatigada pelo trabalho e por doenças. A Manaus daquele período tinha uma medicina ainda alheia à penicilina e as poucas campanhas de vacinação. A mortalidade infantil, ainda assustava o Brasil e muito especialmente as cidades do norte do país, essas famílias viviam para o trabalho e na verdade não tinham vida social, eram privadas de roupas finas, lojas chiques com artigos importados.

O garoto José da Silva Azevedo com sete anos de idade, logo foi matriculado no Grupo Escolar Nilo Peçanha, que ficava na antiga Rua Corrêa de Miranda, hoje Avenida Joaquim Nabuco, sua mãe deixava o filho na escola e seguia para o Mercado Adolpho Lisboa para ajudar o marido.

Nas escolas da época em Manaus, havia laboratórios de física e química. A escola priorizava também a literatura, tabuada e caligrafia. Quanto ao desempenho em sala de aula, não havia notícias, permanecendo apenas um boletim que era assinado pelos pais.

Era uma Manaus de iluminação precária. A infância do garoto ocorria ainda em meio as notícias dos filmes dos cinemas Guarany e Polytheama, divertimento que era impossível à família Azevedo participar por conta da precária vida financeira de seus pais. As férias escolares eram sempre no trabalho com os pais.

José da Silva Azevedo, pai de José dos Santos da Silva Azevedo. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

José da Silva Azevedo, o navegante do Rio

Quando meditamos na grandeza da obra humana, estruturada na honestidade e no trabalho, encontramos a figura de José da Silva Azevedo (pai do Comendador José dos Santos da Silva Azevedo). Ele fez parte da linhagem de nomes importantes da nossa história que deixaram seus legados. Homem de vida simples e, muita vezes, heroica, pois, quando começamos a levantar seu passado, nos vemos diante de quão importante fora sua contribuição.

José da Silva Azevedo já nasceu em Manaus, filho de verdureiro de um Mercado Adolpho Lisboa que possuía o mesmo nome e, de Maria Ferreira Bernardes, ela lavadeira que ganhava vida para auxiliar lavando e passando. Se buscarmos o passado, vamos lembrar da Rua Barão de São Domingos e do pequeno sobrado qual servia como residência a família, aliás, esta rua que se localiza no perímetro urbano e tinha no passado o Bairro da Calábria o qual começava da Travessa Tabelião Lessa e terminava no litoral do Rio Negro, na antiga Rua Ramalho Júnior, hoje Barão de São Domingos, estava o sobrado alugado onde a família ocupava a parte superior sendo a parte inferior um pequeno comércio com a frente para Baía do Rio Negro.

A vida é um desafio, uma travessia marcada por provações, sonhos, frustrações e esperanças. Poucos chegam à outra margem, ao ponto onde a existência se completa e, podem colher os frutos das realizações. Só os fortes e resilientes vencem a inconstância, as intempéries e as incertezas da condição humana. A história desse homem simples, nascido no dia 10 de julho de 1910, no dia de Nossa Senhora do Carmo, no velho sobrado da Barão de São Domingos é a afirmativa desses atributos que caracterizaram a trajetória desse vencedor.

Hospital Beneficente Portuguesa. Foto: Domínio Público

Sua vida foi ilustrativa da trajetória que haveria de construir, muito especialmente, com Maria uma jovem portuguesa que conheceu por acaso do destino. Há homens predestinados para grandes realizações, eles constroem e dão exemplo de vida que ficam marcados para a posteridade. O sonho do jovem Luso-Brasileiro, que fora acalentado por tanto tempo que seria possível conhecer Portugal, estava realizado, porém, jamais imaginava daquela forma com o pai doente no leito de morte. Mas, o tempo haveria de escrever sua história lá em Portugal, trabalhou por um longo período como professor, trabalho diário percorrido sempre pelo mesmo caminho. Certa vez, conduzindo sua bicicleta em estrada de chão batido, nas Frias de Cima, em frente a casa da família Laranjeiras sofreu um acidente ao bater em uma pedra, esta casualidade lhe permitiu conhecer a jovem Maria que mais tarde, haveria de casar-se, trazendo ao mundo dois filhos José dos Santos da Silva Azevedo, ele Comendador e ex-cônsul honorário de Portugal, já falecido e Maria da Conceição dos Santos da Silva Azevedo, também falecida.

Seu retorno ao Brasil, especificamente para Manaus, com a esposa gestante de Maria e um filho pequeno. Aqui trabalhou duro como auxiliar de carpinteiro, em companhia de seu tio Manuel Ferreira Bernardes. Afinal, seu tio era um carpinteiro já reconhecido em Manaus, foram anos duro de trabalho, inclusive, prestando serviço como carpinteiro na sede do Luso Sporting Clube.

Os mitos permanecem no ar, é o caso da família Azevedo, sobrevoando a vida de seus descendentes, pois fora ancorado no trabalho por dias melhores, definitivamente, aquele jovem luso-brasileiro, antevia já naquela época que não fora em vão toda vontade de lutar.

Amealhou algumas economias e montou um Botequim Lusitano, com vendas se alimentos e bebidas, na esquina das Ruas Independência, hoje, Frei José dos Inocentes, paralela à Rua São Vicente, hoje, Bernardo Ramos, esquina com o Beco José Casemiro. Trabalho árduo e cansativo, ele no atendimento ao público e ela na cozinha.

Foto do casamento de José da Silva de Azevedo e Maria da Silva Santos. Portugal, 24 de setembro de 1932. Foro: Acervo familiar

Em fevereiro de 1936, sua esposa gestante passa a ter complicações e vem a falecer. Posteriormente, vende o Botequim Lusitano e compra uma estância à Rua Henrique Martins, n. 407, passando a residir com sua mãe e os dois filhos José e Maria, onde o endereço passou a funcionar a sua oficina de carpintaria.

Com algumas economias arrenda um barco e dá início a uma nova vida profissional, a de regatão, subindo e descendo os rios, comprando e vendendo produtos regionais. Esse novo trabalho acabou criando um distanciamento entre o pai e seus filhos, ficando sua mãe Maria Ferreira Bernardes responsável pela criação dos netos.

[…] Condenados a um terrível isolamento, os habitantes dessas circunscrições durante muitas décadas suportavam as dificuldades irremovíveis da navegação fluvial, único meio de que dispunham para se comunicarem com os centros de interesse social. A despótica via natural roubava-lhes o mais precioso dos bens da vida econômica: o tempo. Arrastavam-se os dias, os meses, os anos, arrebatados pela tortuosidade dos rios, pelos verões inclementes, pelos empeços do paralelismo hidrográfico.20

TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. Manaus: Valer, 2000. Pág. 35.

Anos mais tarde, seu filho José dos Santos da Silva Azevedo, já estabelecido como pequeno empresário e também apaixonado pelas belezas da região, ajuda-o a comprar uma propriedade nas proximidades de Manaus, onde passou a exercer a profissão de pecuarista.

[…] Homem acostumado a navegar pelos nossos rios, aprendeu a mar o vai e vem das águas e o bojo e o rebojo que sempre se desenvolviam provocando mutações coloridas nas águas. Esta homenagem em que nós da família recebemos com muito orgulho, conduzirá o espírito do meu avó a continuar a navegar nas águas do tempo, dos rios deste barco escola que será também missionário do saber. Tenho certeza que, a cada viagem, a cada paragem, seus sonhos e devaneios estarão presentes a iluminar o hoje e o amanhã. Este barco do saber será desdobramento de uma parte de sua vida, em busca de pessoas simples para partilhar conhecimento muito além de nossos próprios horizontes, porém, mais do que pode ser alcançado com os nossos próprios olhos. Este barco lançado pelo SESC-Am, que haverá seu nome.

BAZE, Abrahim. A Saga do imigrante português. Manaus: Valer, 2004. Pág. 35

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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