Foto: Reprodução/Livro ‘Negritude e modernidade’, de Mário Ypiranga Monteiro
Por Abrahim Baze – literatura@amazonsat.com.br
Se a arquitetura é o símbolo mais visível de uma sociedade, a fisionomia urbana de Manaus reflete bem o espírito da sociedade que aqui floresceu em fins de 1800 e início de 1900. Na verdade a arquitetura de Manaus, a arquitetura mais antiga, exprime uma atitude emocional e estética do apogeu de um período do látex e da burguesia enriquecida pelo processo produtivo.
A cidade que despertou a admiração de tantos estrangeiros, imigrantes ou visitantes, nas primeiras décadas de 1900, surgiu como por encantamento.
De uma aldeia dos indígenas Manaós, o antigo Lugar da Barra se transformara num dos mais importantes centros do mundo tropical, graças à vitalidade econômica da borracha, que lhe deu vida, riqueza e encantos, como na antiguidade o comércio intenso no Mediterrâneo e no Adriático possibilitou a Roma, Florença e Veneza papel preponderante na economia, nas artes, nas letras e na arquitetura da Velha Europa.
Tal como Veneza, por meio de seu comércio de longo alcance com povos europeus e extra europeus, Manaus veio conhecer o gosto e a experiência de países extra americanos onde sua burguesia procurava inspirações de vida e de ação. O passeio de férias à Europa era ocorrência de rotina para a família de Manaus que, por sua vez, de lá trazia ideias e sugestões transformados em valores culturais, às vezes um tanto invulgar de uma sociedade desejosa de crescer e firmar-se como força civilizadora.
Cidade de suaves colinas, Manaus desdobrava-se em vistas múltiplas para quem a cruzasse nas avenidas e ruas de um lúcido urbanismo. E não deixa de impressionar a obra urbanizadora da capital, creditada ao governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro, a topografia da cidade, antes do governo dele, deslumbrava-se em cortes hidrográficos: era o Igarapé do Salgado, o Igarapé da Castelhana, o Igarapé da Bica, o Igarapé do Espírito Santo, Igarapé de Manaus, Igarapé da Cachoeirinha, Igarapé de São Raimundo, Igarapé dos Educandos, etc.
Eduardo Gonçalves Ribeiro aterrou os caudais em benefício de um urbanismo funcional, que lutou contra a natureza até fazer secar os pequenos cursos d’água, transformada em amplas avenidas.
[…] Avenida Eduardo Ribeiro, com sua imponência, resultado do aterro do Igarapé do Espirito Santo. Outros tantos igarapés atravessados por sólidas pontes de ferro, em disposições geométricas artisticamente apresentadas. O Teatro Amazonas erigido no topo de uma colina, como se fosse a Acrópole dos Deuses da Floresta, marca a capital no espaço e no tempo, inaugurado em 1896.
Fonte: TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. Manaus: Valer, 2000. Pág.: 188-189.
Cidade rica, progressista e alegre, calçadas com granito e pedra de liós, trazida de Portugal, sombreadas por frondosas mangueiras e de praças e jardins bem cuidados, com belas fontes e monumentos, tinha todos os requisitos de uma cidade grande urbe moderna: água encanada e telefonias; energia elétrica, rede de esgoto e bondes elétricos deslizando em linhas de aço espalhadas por toda malha urbana e penetrando na floresta até os arredores mais distantes do Bairro de Flores. O seu porto flutuante, obra-prima da engenharia inglesa, construído a partir de 1900, o qual recebia navios de todos os calados e das mais diversas bandeiras.
O movimentar do centro comercial regurgitando de gente de todas as raças, nordestinos, ingleses, peruanos, franceses, judeus, norte-africanos, norte-americanos, alemãs, italianos, libaneses, portugueses, caboclos e índios.
A Avenida Eduardo Ribeiro concentrava um número expressivo de casas comerciais. Nas proximidades do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, Ruas Marcílio Dias, Guilherme Moreira, Quintino Bocaiúva, Sete de Setembro, Henrique Martins, Instalação, Praça XV de Novembro. Tudo o que o comércio internacional oferecia à época poderia ser encontrado nesta longínqua cidade, plantada a milhares de quilômetros dos principais centros capitalistas.
Atividades comerciais bem constituídas abrigavam, no andar inferior, o comércio, e no andar superior a residência do proprietário, instalado próximo ao seu trabalho, o que ocorria normalmente das 7h às 21h.
Esse espaço residencial era o que predominava em nosso centro comercial. Mas, afastadas como a Praça dos Remédios ao longo da Joaquim Nabuco, Largo de São Sebastião, Avenida 7 de Setembro, Rua Barroso, 24 de Maio, Saldanha Marinho e outras ruas circunvizinhas, dispunha-se as residências mais ricas, magníficos palacetes construídos no melhor estilo da época, assoalhos de acapu e pau amarelo, pinho-de-riga, onde o sol vazava as janelas e vitrais europeus. As salas normalmente iluminadas de belíssimos lustres europeus, paredes e tetos decorados de pinturas e telas ou de ar frescos.
Seus salões amplos exibiam luxuosíssimos móveis, porcelanas, cristais, pratarias e que permaneciam sempre abertos para receber visitas e festas de aniversários, banquetes e saraus, as diversões familiares da belle époque.
Casas de alvenaria com porões habitáveis, com fachada de painéis de azulejos europeus, com suas entradas de escadas em degraus de pedra de liós, ou madeira, sala de visita, alcova, sala de jantar, o grande corredor, ladeados de dois três quartos, cozinha em mais dependências.
[…] As famílias de menores recursos habitavam as extensas vilas de casas populares, o que ainda encontramos hoje nas ruas 24 de maio, Lauro Cavalcante e Joaquim Nabuco e as chamadas estâncias, extensas construções de meia-água divididas em pequenos quartos para aluguel. Entre os hotéis destacavam-se o Casina, na Praça Dom Pedro II e o Grande Hotel na Rua Municipal número 70, belíssimo edifício de dois andares, com quarenta e dois quartos, cujos, cômodos eram decentemente mobiliados.
Fonte: LOUREIRO, Antônio José Souto. A Grande Crise. Pág.: 33 e 34. In. BAZE, Abrahim. Luso Sporting Clube: A Sociedade Portuguesa no Amazonas. Manaus: Valer, 2007.
Poucas cidades do Brasil tenham passado pela fase de esplendor que atravessou Manaus, entre 1895 a 1915, quando conquistamos do grande ciclo econômico do látex o que de melhor era trazido da Europa e utilizado em nossa cidade. Não é, na realidade, um tema ignorado para muitos, mas poucos conhecem as verdadeiras relíquias históricas da arquitetura que, em tempos passados marcaram o desenvolvimento e o embelezamento da cidade de Manaus.
Turistas, estudiosos e outras pessoas que procuram Manaus se deparam com Teatro Amazonas, com Tribunal de Justiça, com a Alfandega e outras obras importantes daquele período, mas, passam despercebido por prédios menores que desafiam as gerações e a técnica moderna, esboçando na sua estrutura e apresentação, um tipo de arte, implantada em Manaus pelo arquiteto Severiano Mário Porto.
É o caso do Restaurante Chapéu de Palha que foi um dos lugares mais curiosos e marcantes da história da arquitetura regional e obra-prima do referido arquiteto. Inaugurado no dia 24 de fevereiro de 1968, esse point da gastronomia regional tinha como endereço a esquina da Rua Paraíba com Rua Fortaleza no Centenário Bairro de Adrianópolis.
Projeto totalmente regional idealizado pelo arquiteto Severiano Mário Porto um ícone da nossa arquitetura, cuja inspiração era formatada num estilo de chapéu de palha usado pelos ribeirinhos de nossa região como proteção contra o sol em suas longas jornadas de pescaria em nossos rios a estrutura do restaurante era totalmente feita de materiais locais, incluindo troncos de aquariquara que promovia sua sustentação e cuja cobertura era feita de palmeiras regionais (palha), além de concreto armado que formavam suas sapatas. Uma área que possuía aproximadamente 7.850 metros quadrados e o restaurante ocupava uma área de 2.400 metros quadrados.
Severiano Mário Porto manteve o escritório no Rio de Janeiro com a coordenação de seu sócio, o arquiteto Mário Emílio Ribeiro, que foi seu colega de turma na FNA e coautor de projetos importantes. Muito dos projetos desenvolvidos em nossa região foram premiados pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB, como o restaurante Chapéu de Palha, demolido em 1967. Suas obras e sua história de vida fica a espera de um estudo mais aprofundado e quem sabe autobiografia.
A modernidade de uma cidade a luz da administração de Eduardo Ribeiro
Ainda hoje é muito comum o entendimento de que tudo que Manaus possui foi trabalho do Governador Eduardo Gonçalves Ribeiro. Não se pode deixar de considerar que aquele período foi importante na tentativa bem-sucedida de transformar a fisionomia da cidade especialmente as pontes trazidas da Europa para sobrepor os nossos igarapés que serpenteavam a cidade.
Se os dedicarmos a uma leitura rápida nos anais da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, entre os períodos de 1852 a 1889 e naturalmente podemos fazer uma ideia geral do entusiasmo que reinava naquele período na modificação de uma cidade, a cultura e a administração que viriam beneficiar todo o contexto socioeconômico de uma cidade. De certa forma foram cuidados também os problemas da navegação a vapor, do transporte urbano, do fornecimento de água potável, dos serviços de esgotos, aterros de ruas, abertura de novas estradas e outros itens importantes naquele período.
[…] Outras obras foram de fundamental importância, tais como: nivelamento e embelezamento de dois terrenos da cidade, abertura e nivelamento dos bairros novos, da Cachoeira Grande e Cachoeirinha, pavimentação com paralelepípedo de granito das praças da República e Constituição, pavimentação e paralelepípedo das ruas da Instalação, Municipal e da plataforma da Catedral e, consequentemente a pavimentação em pedra tosca de várias ruas adjacentes, construção da Avenida Eduardo Ribeiro, construção do jardim da Praça da República, construção do jardim e gradeamento da Catedral, edifício do Diário Oficial e respectivo Jornal, Edifício do Instituto Benjamin Constant, seis escolas públicas primárias em Manacapuru, Humaitá e Lábrea, criação de um hospício para alienados sobre a direção das irmãs de Sant’Ana, novo edifico do Quartel do Regimento Militar do Estado, Teatro Amazonas, Reservatório de água do Mocó, pontes de ferro da Cachoeirinha, Cachoeira Grande, pontes romanas da rua Municipal, iluminação elétrica a arco voltaico e tantos outros feitos importantes.
Fonte: YPIRANGA, Mário. Negritude e Modernidade. Governo do Estado do Amazonas. Manaus, 14 de outubro de 1990.
A cidade perde sua identidade, “brotam casas nos igarapés“
PROSAMIM
Por Sônia Yara
[…] Nos tempos do ciclo da borracha quando Manaus tinha algumas pequenas ruas, certamente nossos coronéis que tanto trabalharam para desenvolver esta terra, jamais, em seus projetos futuros caberia em suas imaginações que o homem do século XIX transformaria igarapés em moradia segura. Isso não é sonho é uma realidade do Governo Braga que desafia a natureza ousa e constrói apartamentos modernos para sete mil e quinhentas famílias na bacia do Educandos. As obras fazem intervenção nos igarapés de Manaus, Bittencourt, Mestre Chico, Quarenta no trecho que compreende a rua Duque de Caxias ate a Ponte da Rua Maués e Cachoeirinha no trecho entre a foz e a Rua Codajás.
Este projeto é financiado por empréstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Com os olhos da bondade a população pontua muito bem esta iniciativa do governo, aja visto os benefícios que trará à sete mil e quinhentas famílias diretas, num universo de trinta e seis mil pessoas que moravam ou moram em situação de alto risco dentro ou próximo aos igarapés citados, lembrando que 59% dessas pessoas já estão fora de risco, afirma a assessoria do Governador Eduardo Braga. No aspecto técnico e ambiental o governador afirma:
“A empresa Concremat vem desenvolvendo alternativas de solução visando a melhor equação técnica, social, ambiental, para viabilizar os problemas existentes na Bacia de Educandos, levando em consideração a variação da cota do Rio Negro, intensidade das precipitações pluviométricas, em função do período de retorno desse evento, quantidade de famílias a serem reassentadas retiradas das áreas de risco, impactos ambientais, resultados e soluções urbanísticas, macrodrenagem e sanitária adotadas. No momento os cuidados convencem, o futuro a Deus pertence, como disse um popular no canteiro da obra.
As ações até hoje implementadas são realizadas em parceria com a Suhab – Superintendência de Habitação do Amazonas, segundo o governo. Todos os recursos são usados na macro drenagem, construção de galerias, terraplenagem, sistema viário, urbanismo, paisagismo, energia elétrica, iluminação pública, abastecimento de água, sistema de esgoto sanitário, obras de artes especiais (pontes), e áreas destinadas ao esporte, lazer e cultura.
A construção do sistema de água e esgoto nas sub-bacias dos igarapés Manaus, Bittencourt e Mestre Chico estão em fase inicial de execução. Nesta obra está revisto a construção de rede de abastecimento de água e de esgoto; ligações prediais de esgoto, assentamento da rede coletora interceptores, estação elevatória e de tratamento, além da disposição final dos afluentes tratados do Rio Negro.
O início das obras da reforma estrutural da ponte Benjamin Constant e sua restauração, acompanham o término dessa primeira etapa do projeto na Bacia dos Educandos nos igarapés Cachoeirinha e Quarenta que somam a contrapartida do Governo do Amazonas, juntos ao BID.
Na saúde
De acordo com o coordenador da Unidade de Gerenciamento do Prosamim (UGP), engenheiro sanitarista Tabajara Ferreira, estas obras e todo o caráter social, ambiental e institucional que acompanham estas construções apontam para uma melhora na qualidade de vida da população residente na Bacia do Educandos e, principalmente, para as 21.096 pessoas que já foram remanejadas das áreas de risco dos igarapés para outras localidades, hoje vivendo em moradias mais dignas que as anteriores.
O Prosamim já constatou por meio de indicadores de saúde a redução da incidência de diarreias agudas nos habitantes das áreas de intervenção do Programa, a redução da incidência de hepatite A e também constatou e redução da contaminação das águas na foz do igarapé Educandos, por meio da redução do número mais provável de coliformes fecais, destacou Tabajara.
A realidade do Prosamim hoje
Enquanto a França procurou salvar o Rio Sena para os jogos olímpicos, nós aterramos ou envelopamos nossos igarapés. O Projeto Prosamim no presente momento tem outra realidade, tais como: descaracterização dos imóveis construídos para este projeto, criação de uma vida comercial como pequenas tabernas, bares, lojas de confecção, lanchonetes, etc.
Com base neste fator a historiografia da cidade de Manaus desapareceu, os igarapés que serpenteavam a cidade deixaram de existir. Considerando o vasto número de terras existentes, este projeto poderia ser muito bem aplicado em outras áreas da cidade.
Sobre o autor
Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista