Dr. João Coelho de Miranda Leão e o legado médico ao Amazonas

Em todos esse encargos e funções, Miranda Leão trabalhou e serviu a sua terra natal com elevado critério, saber e desprendimento.

Dr. João Coelho de Miranda Leão, médico. Foto: IGHA

Por Abrahim Baze – literatura@amazonsat.com.br 

Antes de tratar do Dr. João Coelho de Miranda Leão, quero por em relevo seus ancestrais, para lembrar mais uma vez que o atavismo é uma lei biológica. A família dos Miranda Leão conta mais de um século de atuação no Amazonas, nos vários setores da atividade humana no magistério, no comércio, nas ciências, na política.

Como patriarca, destaco o nome Coronel José Coelho de Miranda Leão, mandado em 1839 para combater os cabanos, levando 880 homens para expulsá-los da Mundurucania, o que conseguiu. Pelos idos de 1870, ainda forte, prestou a Província do Amazonas relevantes serviços a causa pública.

Outro da ancestralidade foi o professor Manoel de Miranda, uma encarnação de sábio que se educara em Paris (França), aprendendo na Sorbonne, voltando para sua terra, entregando-se ao magistério e ao jornalismo. Fortaleceu o seu espírito nos dogmas de igreja. Sua filha, srta. Maria de Miranda Leão – a ‘Mãezinha’ – foi Deputada Estadual do Amazonas, também primando pelo talento e pela cultura, tendo vinculado sua vida ao ensino e a caridade.

Ainda nesta geração, ali estava, em Manaus, o professor Homero de Miranda Leão, poeta, Deputado Estadual, mentalidade de escolas. O Dr. Miranda Leão foi um ramo vigoroso dessa árvore genealógica que tem enriquecido o Estado do Amazonas de ótimos frutos.

Quem vai contar a biografia do pai, melhor do que ninguém, é o seu filho, também médico ilustre, o Dr. João de Miranda Leão. Trata-se de uma peça inédita, escrita e oferecida ao nobre professor Themístocles Pinheiro Gadelha.

Dr. João Coelho de Miranda Leão, médico. Foto: IGHA

Nasceu então o Dr. Miranda Leão em 9/1/1869, em Maués, antiga Luzéa, no Amazonas. Tendo sido seus progenitores o Capitão Rodrigo José Coelho de Miranda Leão e Dona Olímpia Monteiro da Costa Leão. Órfão cedo dos carinhos paternos, esteve quando adolescente no rio Madeira, onde adquiriu prática de trabalhos comerciais, servindo até de guarda-livros da antiga casa do Coronel José Gentil Monteiro da Costa e, depois, vindo para Manaus seguiu logo para Belém.

Iniciou aí o curso secundário, partindo mais tarde para o Ceará, fazendo o curso secundário completo em Fortaleza. Nessa capital começou o magistério, de onde tirava o indispensável para se manter e custear as suas despesas.

Desejando desde cedo abraçar a carreira médica, dirigiu-se para a Bahia, em cuja faculdade se matriculou, mas esteve pouco tempo, transferindo-se para o Distrito Federal, onde terminou o seu tirocínio acadêmico.

Muito aplicado e estudioso, conseguiu, em seu curso, o internato no Hospital da Misericórdia e, em 1899 defendeu tese com a dissertação ‘Seções cirúrgicas dos tendões e suas indicações’, recebendo em seguida o diploma de Doutor em Medicina.

Consorciou então com Dona Luzia Valente de Miranda Leão, falecida também, que foi de preciosas virtudes, com quem teve dois filhos: João e Geraldo. Embarcou sem demora para Manaus, fixando residência.

Nomeado Inspetor Sanitário, impôs-se Miranda Leão a admiração de seus colegas pela correção de proceder e cultura científica. Nas dolorosas quadras de febre amarela, o diretor do Serviço Sanitário lhe confiou a chefia dos trabalhos de profilaxia especifica, encargo em que empregou todo seu saber e energia, não conseguindo completo êxito por lhe terem negado os recursos materiais para todas as exigências de tão árduos trabalhos.

Coube-lhe ter sido em 1905, com Alfredo da Matta e Worferstan Thomas, um dos iniciadores dos estudos das verminoses no Amazonas, quanto a sua transmissão, profilaxia e terapêuticas. Nesta empregou por primeiro a Petivéria, mucuracaá chamada, em diversos casos com eficaz resultado.

Quando incumbiu da assistência aos leprosos no Umirizal, aventou a criação de colônias agrícolas e leprosarias modelos. Na diretoria do Serviço Sanitário, cargo que desempenhou com alta competência, deu provas sobejas e incontestes de profissional conhecedor da moderna higiene.

Na horrível fase endêmica da gripe em Manaus, em 1918, Miranda Leão se revelou operosíssimo, um verdadeiro apóstolo. O povo manauense e os poderes públicos, depressa esquecidos de serviços tão importante em quadra assim tétrica, jamais deverão alvidar o seu nome.

Ele se sacrificou nesse posto de honra. Aliado a qualquer campanha a prol do bem de mãos dadivosas para sempre amparar e proteger os pequenos, jamais se recusando no auxílio dos desamparados da sorte, trabalhou a pouco a estima de uma população. Foi um entusiasta de quaisquer assuntos que se ligassem ao Amazonas, terra a qual dedicava uma grande admiração, voltando-se para estudá-la, especialmente aos dialetos de certas tribos aos seus temas sobre história, dos acontecimentos ocorridos, pontos em que se realçavam o seu saber e os finos lavores da sua inteligência.

Fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia, de que foi vice-presidente; do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), cujo conselho pertenceu; médico do Hospital de Misericórdia e da Beneficente Portuguesa, quando neste eram gratuitos os serviços (de que foi afastado quando houve remuneração); membro fundador e ativíssimo propagandista do Clube da Seringueira, de que foi brilhante ornamento; e fundador da Sociedade Amazonense de Agricultura, Miranda Leão jamais desmereceu da admiração e das simpatias a ele dedicadas.

Em todos esse encargos e funções, Miranda Leão trabalhou e serviu a sua terra natal com elevado critério, saber e desprendimento.

Principais Trabalhos do Dr. J. C. Miranda leão:

  • Secções cirúrgicas dos tendões e suas aplicações – Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio, 1899.
  • Profilaxia da ancilostomose e tricocefalose em Manaus – 1914;
  • Seringais plantados no Município de Maués – Seringueira n.° 2 – 1916;
  • Devemos plantar seringueiras no Amazonas? – Seringueira n.°1 – 1916;
  • A farinha de mandioca Seringueira nos 3,4,5,6,7 – 1916;
  • Água filtrada Seringueira nos 9 e 10 – 1917;
  • A Içaubas (atta columbica) Seringueira n.° 8 – Distancia entre seringueiras plantadas Seringueira n. 9 e 10 – 1917;
  • O pão de milho e trigo Seringueira n.11 – 1917;
  • A farinha alimentícia de papilionáceas e de cereais, Seringueira n.°14 – 1917;
  • Avisos sobre higiene – Manaus – 1918;
  • A gripe por influenza – Amazonas – Médico n.°5 – 1919;
  • Noção de profilaxia da varíola – Imprensa Off. – 1919;
  • Profilaxia do tifo exantemático (avulsos) – 1919;
  • Tratamento de gripe Imprensa Off. – 1919;
  • Nota biográfica do Dr. Alfredo da Matta (inédita) – 1919;
  • Amazonas Médico nos 13, 16 – 1922.

Deixou, além de trabalhos sobre a língua tupi, uma excelente obra Apostilas de Latim (inédita). Agora um fato trágico a que o filho, seu biógrafo, não se referiu, mas que a imprensa destacou em longas e comovedoras colunas: seu suicídio, com um tiro de revólver na cabeça, no dia 26 de junho de 1920.

O ato de desespero não fora previsto por ninguém, mesmo pelos seus íntimos, pois era um homem perfeitamente equilibrado, jamais mostrara neurastenia, nem estava com a vida embaraçada. Apenas murmurava-se que havia descoberto estar contaminado de lepra, ele que tinha sido diretor e médico do Leprosário do Umirizal, a montante de Manaus.

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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