Fermentado de açaí desenvolvido no Amapá tem propriedades similares às do vinho tinto

Amostras apresentaram aroma de fruta e adstringência típica de vinhos secos e aceitação sensorial de 74%, passando o nível exigido para ser lançado no mercado.

Uma bebida fermentada da polpa de açaí, produzida pelo empreendimento Flor da Samaúma, localizado em Macapá (AP), apresenta características físico-químicas e sensoriais semelhantes a alguns vinhos tintos. A conclusão é de uma análise feita pela Embrapa Agroindústria Tropical (CE). Tanto os perfis físico-químicos revelam esta proximidade entre as duas bebidas, quanto a partir de análise sensorial com 50 provadores, consumidores habituais de vinho, ficou demonstrado que há uma atitude positiva de compra do produto.

De acordo com o chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical, Gustavo Saavedra, a bebida da polpa de açaí, especificamente do rótulo Curiaú, surpreendeu os provadores. Ele acredita que o produto apresenta grande potencial de inserção mercadológica após passar por ajustes tecnológicos. 

“O principal desafio é o de criar uma marca característica, que traduza o que é o produto para o grande público consumidor, uma vez que a denominação vinho é exclusiva para a matéria-prima uva”, 

observa o pesquisador.

Foto: Divulgação

O diretor do empreendimento Flor de Samaúma, João Alberto Capiberibe, destaca que a inspiração para desenvolver uma carta de “vinhos” à base de açaí surgiu quando foi presenteado com uma garrafa do produto fabricado no Acre. “Fiquei impressionado com o sabor único daquela bebida e resolvi desenvolver uma receita própria, pois percebi tratar-se de um produto que se encaixa na nossa concepção de economia para o crescimento sustentável da Amazônia”. 

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Um ano depois, a Flor de Samaúma lançava quatro rótulos da bebida produzida no Amapá. “O açaí já ganhou o mercado mundial, os produtos dessa matéria-prima feitos na vinícola tendem a ter o mesmo destino e podem contribuir fortemente com a economia local gerando emprego e renda com sustentabilidade”, avalia Capiberibe.

Como é feita a análise sensorial 

Foto: Divulgação

Análise sensorial, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), envolve percepções por meio dos órgãos dos sentidos. No caso dessa pesquisa, foram enfatizados o olfato, o paladar e a visão. Os testes foram feitos com voluntários caracterizados quanto a gênero, faixa etária e frequência de consumo de vinho, sendo que 32% dos participantes consomem vinho pelo menos uma vez na semana.

Para a análise laboratorial foram enviadas três garrafas de 750 ml da bebida produzida a partir da polpa do fruto de açaí. As amostras são provenientes de três lotes de fermentação diferentes (6, 8 e 9) com 12% de teor alcoólico. A bebida foi servida a 18 graus em taças de vidro de cerca de 25 ml do fermentado. A aceitação foi avaliada em uma escala que varia de “desgostei muitíssimo” a “gostei muitíssimo”. 

Os participantes também foram perguntados sobre a intenção de compra utilizando uma escala de “certamente não compraria” até “certamente compraria”. A Embrapa aplicou o teste CATA (check-all-that-apply), que é a identificação de uma lista de características que o produto possui, por meio de palavras ou frases.

As amostras com graduação alcoólica de 12% da marca Curiaú apresentaram boa aceitação sensorial, um total de 74% nas respostas das três categorias de maior aceitação, indicando que o produto atinge o nível de aceitação para ser lançado no mercado, que é de 70%, no mínimo. Esse resultado foi complementado com o teste de intenção de compra, no qual 56% dos consumidores expressaram que possivelmente ou certamente comprariam o produto. Parte dos participantes expressaram livremente as impressões sobre a bebida fermentada de açaí, e as características mais percebidas foram a cor vermelha intensa, elevado aroma alcoólico, gosto ácido e adstringência. Apenas 12% perceberam o aroma característico do açaí.

Composição

Na composição mineral, a bebida apresentou uma semelhança com fermentados de uvas Chardonnay e valores superiores aos de frutas como jaca, maçã e morango, coerentes com a composição do açaí. Os pesquisadores informam que a intensa cor vermelha, destacada pelos degustadores, precisa ser melhor caracterizada quanto à tonalidade. 

O produto foi considerado límpido, encorpado e com adstringência típica de vinhos secos. Os provadores destacaram ainda o brilho e o aroma de fruta. O fabricante recebeu sugestões para corrigir o elevado aroma alcoólico, isso porque o sabor de fermentado foi considerado muito perceptível e a acidez elevada.

Na análise físico-químicas foram caracterizados aspectos como acidez, pH, teor de proteína, vitamina C, açúcares redutores, antocianina, intensidade de cor e minerais.

A amostra da bebida de açaí foi comparada ao fermentado de acerola e de alguns vinhos tintos brasileiros. A legislação brasileira estabelece que os valores de acidez total para o vinho tinto podem estar na faixa de 50 a 130 miliequivalentes (mEq) por litro. Portanto, apesar de não ser um vinho de uva, a bebida de açaí está na faixa de acidez apresentada pelos vinhos de uvas Touriga Nacional, Tempranillo e Petit Verdot.

O percentual de 12% está dentro dos parâmetros da legislação brasileira, que traz valores entre 8,6% e 14% para vinhos finos. O teor de antocianina da bebida de açaí foi superior ao da bebida de acerola e compatível com algumas amostras de vinho Syrah e Tannat. 

Quanto aos açúcares redutores, a equipe da Embrapa constatou que, de acordo com a legislação brasileira sobre vinhos e derivados de uva, a bebida fermentada de açaí é compatível com um vinho meio-doce, pois contém 13,5% de açúcares redutores.
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