Júlio Sampaio reflete sobre quando o uso do ‘Não’ é necessário. Em que momentos se deve usá-lo?
— “O que eu posso fazer além do que já fiz? Só se eu começar a dizer Não”.
Para Fernanda é difícil dizer Não. Junto com o marido Elias, construiu uma linda família, ambos dedicando-se ao máximo para oferecer uma boa educação aos filhos Clarinha (12) e Francisco (14). Fernanda, por opção, interrompeu a sua carreira profissional para dedicar-se aos filhos. Pensa em voltar em breve, quando eles já estiverem mais independentes. Fernanda e Elias vivem bem como casal e juntos vêm realizando os seus projetos passo a passo.
Fernanda acredita no diálogo. Vem de uma família onde isto não existia. Era a vontade do pai e pronto. Todos, inclusive a mãe, tinham que obedecer, sem discutir. A palavra Não era a mais utilizada em casa. Bastava Fernanda ou uma de suas cinco irmãs manifestarem um desejo, que o Não era a resposta imediata. E não era só a primeira resposta. Porque Não era Não e não cabia discussões. Fernanda cresceu odiando a palavra Não e jurou para si mesma que, com os seus filhos, seria diferente. Quando fosse o caso, iria explicar, convencer e permitir que eles mesmos percebessem o que seria o melhor, o mais acertado a fazer. Fernanda vem colocando isto em prática e vinha dando tudo certo, até que…
Clarinha parecia agora uma outra pessoa. De uma aluna aplicada, decidiu que não gosta mais de estudar. Suas notas caíram e Fernanda atribuiu isto ao fato de ser um colégio público. Decidiram colocá-la em um colégio particular, mas não adiantou. Fernanda recebe com frequência avisos do colégio de que Clarinha não fez este e aquele trabalho ou que teve este ou aquele comportamento inadequado.
Em casa, Clarinha deixou de arrumar o seu quarto, que agora está sujo e sempre bagunçado. Não é malcriada com os pais, mas também não obedece. Fernanda descobriu que Clarinha continua se relacionando com um grupo de jovens que conheceu pela internet. Fernanda e Elias, há alguns meses, tiveram acesso a algumas conversas do grupo e haviam explicado a Clarinha que não eram boas companhias. Os assuntos eram sexo, violência e uma visão muito pessimista da vida. Clarinha aparentemente havia concordado que os garotos não eram mesmo uma boa conversa. Parece que este é o grupo que Clarinha atualmente passa boa parte do tempo enviando e recebendo mensagens. Uma destas, por acaso, foi vista por Fernanda. “Teria até vergonha de repetir o que estava escrito”, disse ela.
Como bons adultos, tiveram uma, duas, três conversas, filha e pais. Algumas medidas foram acordadas e aparentemente aceitas por Clarinha. Ela agora iria cumprir as suas obrigações escolares e em casa, reaproximar-se das amizades que tinha na igreja e voltaria a ser a menina que sempre foi. Ela disse que também ama os pais e que não quer preocupá-los. Era o que Fernanda e Elias queriam ouvir e nas três conversas que tiveram, saíram confiantes que tudo seria desta forma.
Mas não foi bem assim. Clarinha agora diz que quer ser ela mesma. Não quer ter que dar satisfações sobre o que faz ou com quem fala. Ela já tem doze anos e tem este direito. Sabe o que é melhor para ela e que os pais precisam entender que o mundo agora é outro, diferente do tempo deles. Que há vários exemplos na internet de pessoas ganhando muito dinheiro, com milhões de seguidores, que não precisaram estudar. Cita vários exemplos de nomes que Elias e Fernanda nunca ouviram falar o que, para Clarinha, é um sinal do quanto eles estão alienados.
Fernanda lembra de seus próprios 12 anos. Não quer repetir o tipo de educação que recebeu, mas percebe que há um meio do caminho. Pensa que é hora de buscar a velha palavra. “Só se eu começar a dizer Não”.
Sobre o autor
JulioSampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista