Felicidade no olho do furacão

A vida traz desafios que exigem ações concretas como a resiliência, a força de vontade, gratidão e sentido de missão, dentre outras.

O desemprego é um momento que costuma ser muito difícil. Com frequência é acompanhado pelo sentimento de inutilidade e de fracasso, afetando fortemente a autoestima da pessoa. A parte financeira é apenas uma parcela da questão, mesmo que ainda não seja um problema concreto, mas pela incerteza do futuro próximo. Se a situação se prolonga, crianças podem ser tiradas da escola, mudanças de residência podem ser necessárias e conflitos são exacerbados, em jogos de culpa, que fazem muito mal. Famílias menos estruturadas podem não suportar uma crise prolongada. Pela carga que representa, o desemprego pode deixar marcas de dor, mas também de fortalecimento. Na sua essência, é uma crise que traz consigo um leque de oportunidades, o surgimento de um novo ciclo.

Vivi duas vezes esta situação. Foram momentos que considero essenciais em minha vida. Em um deles, estava com 24 anos, recém-formado, casado e com duas filhas. Nesta época, era responsabilidade do homem prover a família e esta era a minha parte. Era uma questão de honra.

Havia cometido alguns erros, dentre eles, um negócio que não deu certo. Perdi o que conseguira acumular até então, gerei dívidas que demorariam anos de trabalho para serem quitadas e estava desempregado. O furacão se formava a cada dia. Os aluguéis chegaram a acumular três meses de atraso. Rachel estava com dois anos e Karina acabara de nascer com um probleminha na perna, que exigiria muita dedicação da mãe, para que não ficasse nenhuma sequela. Angela, minha falecida esposa, era funcionária pública do então INPS (atual INSS) e decidiu pedir demissão, abrindo mão do trabalho e da estabilidade para dedicar-se à filha. “Mas logo agora?”, disse eu. “Não podemos esperar eu arranjar um emprego primeiro?”. A resposta dela não deixava espaço para questionamentos: “Confio no homem com quem me casei”.

Foto: Reprodução/LinkedIn

Me sentia já no olho do furação e ela me dizia que confiava em mim. Emocionado e com a responsabilidade reforçada sobre os ombros, segui em frente, abrindo alternativas e fazendo intensamente o que estava ao meu alcance, nos campos material (prático), mental e espiritual. Ganhei energia e um grande aprendizado de vida, que me possibilitaria, posteriormente, ajudar outras pessoas em situações semelhantes. No livro ‘O Espírito do Dinheiro’ dedico uma capítulo ao tema.

O que pretendo destacar, no momento, é um aspecto novo deste aprendizado, que somente agora percebo. Com todas as dificuldades e incertezas, foi um momento que estava feliz. Não a felicidade da alegria ou da euforia. Estava no olho do furação, mas me sentia em estado de bem-estar. Compreendo agora que se faltava prazer, sobrava propósito, engajamento no que buscava e especialmente relacionamentos positivos, traduzidos por um dos momentos em que a nossa família esteve mais em harmonia, com todas as dificuldades e limitações materiais. Senti na época, o que hoje posso agora afirmar com segurança, estava feliz.

É este tipo de felicidade que é possível vivenciar mesmo nas dificuldades. Podemos utilizar outros rótulos, já que a palavra felicidade parece comunicar algo superficial, efêmero e abstrato. Ao contrário, a vida traz desafios que exigem ações concretas como a resiliência, a força de vontade, gratidão e sentido de missão, dentre outras. A confiança, os relacionamentos pessoais, e especialmente a família, nos transmitem poder. É possível ser feliz no olho do furacão? Sim, provavelmente sem prazer, mas ainda assim, com bem-estar, o que podemos chamar de felicidade. 

Sobre o autor

JulioSampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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