Rituais e símbolos. Eles são mais importantes do que parecem e não se submetem necessariamente a uma lógica racional.
Aconteceu em 1995, ainda no século passado. Estava assumindo a direção comercial de uma rede de varejo no Rio de Janeiro, o que representava um grande desafio profissional. A função, até então, era acumulada por um dos fundadores da empresa, que agora estava me passando o bastão. Organizei-me para a reunião em que ele iria me passar as principais recomendações. Era um dia antes da apresentação oficial aos gerentes das lojas e havia muito o que me preparar. Ao invés disso, ele disse apenas uma coisa: “Quero pedir que o seu primeiro ato como diretor das lojas seja abolir a obrigatoriedade do uso da gravata pelos gerentes e subgerentes”.
“Como assim? Não entendi”, disse eu.
“Sempre exigi que usassem a gravata. Era tema de todas as reuniões e eu cobrava isto quando visitava as lojas. Quando não estavam usando, advertia verbalmente, depois por escrito. Cheguei a demitir alguns bons gerentes para mostrar ao grupo que era coisa séria. Gerentes e subgerentes tinham que usar gravata. Era isso que lhes dava autoridade perante o cliente”.
“Sim, mas e agora? O que mudou?”
O meu antecessor não teve dúvidas: “Mudou tudo. Eles precisam saber que agora não sou eu mais que mando. Ao abolir a gravata, eles vão saber que agora quem manda é você. Isto vai ser importante para cortar o cordão umbilical comigo”.
Fizemos da forma como ele desejava e iniciamos um novo ciclo, com novos símbolos e rituais, o que facilitou o processo de transição. Outras informações que ele poderia me passar não eram tão importantes. Eu poderia me virar sozinho. Ele tinha razão.
O episódio da gravata me lembrou um outro, que também envolvia o acessório, quase abolido hoje dos vestuários. Aconteceu no colégio Pedro II, há mais tempo ainda, quando eu iniciava o que equivaleria hoje ao ensino médio. Faz tanto tempo, que o Brasil ainda era o melhor futebol do mundo. O tradicional colégio tinha como uniforme para os meninos uma gravata azul acinzentada, que era até elegante. No primeiro dia de aula, os alunos se sentiam orgulhosos e importantes, pois não era fácil entrar no Pedro II. O concurso era acirrado e, sendo uma escola federal, era gratuito. A gravata, neste momento, servia como um símbolo de inteligência e de conquista. Neste momento, mas não depois.
Já no segundo ano, os alunos teimavam em não usar a gravata. Eram punidos, mas insistiam em não cumprir as regras. Não usar a gravata passara a ser o símbolo da liberdade e da transgressão. Até que um dia, tudo mudou. A gravata foi abolida do uniforme, atendendo ao que parecia ser o pleito dos estudantes. A partir daí, os mesmos alunos, que insistiam em não usar a gravata, passaram a fazer o quê? Usar a gravata. Sim, usar a gravata agora era o símbolo de liberdade e de transgressão.
Rituais e símbolos. Eles são mais importantes do que parecem e não se submetem necessariamente a uma lógica racional. Ouvi do presidente de uma empresa: “Os rituais e símbolos são mais importantes do que as pessoas. Um dia elas não estarão mais aqui, e nem eu, mas os símbolos e rituais estarão e é este legado que eu quero deixar para a minha empresa”.
Em nossas vidas, junto com poderosos hábitos, criamos nossos próprios rituais e símbolos. Alguns nos ajudam na trajetória e no atingimento de nossos objetivos. Outros nos afastam deles. Criar felicidade ou bem-estar conscientemente nos exige esta percepção. Com gravata ou sem gravata.
Sobre o autor
JulioSampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.
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