Projeto avalia técnicas do beneficiamento do cacau que cresce na floresta do Pará

A proposta é que, a partir dos estudos, seja possível estabelecer um protocolo para que a amêndoa de cacau nativo tenha um elevado padrão de qualidade, especialmente para atender mercados específicos como o de cacau orgânico, finos ou gourmet.

No Pará, o cacau de terra firme é plantado com irrigação e adubação na maioria dos cultivos, mas você sabia que existe uma espécie do fruto que cresce na floresta, entre outras árvores, sem adubação e adaptado ao regime das águas? Ele é conhecido como o cacau de várzea.

“O cacaueiro nativo cresce ao longo do Rio Tocantins e seus afluentes, nessas áreas há formação das florestas de várzeas, o que contribui para a manutenção dos recursos hídricos e da biodiversidade”, explica a professora Socorro Progene, coordenadora de um projeto de pesquisa da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), que visa analisar o beneficiamento primário de amêndoas de cacau nativo (Theobroma cacao) no município de Mocajuba, região do baixo Tocantins, no Pará.

Foto: Comunicação PMO/Divulgação

A equipe da Ufra pretende chegar a um protocolo que indique qual a melhor forma de fazer esse beneficiamento e assim alcançar maior valor de mercado. As atividades serão desenvolvidas com produtores de sei ilhas de várzea no município: Ilha da Conceição, São Joaquim, Jacarecaia, Ilha Grande do Vizeu, Costa da Santana e Santana.

Em 2020, dados da Agência Agropecuária do Pará (Adepará) indicaram que a produção do cacau no estado foi de 144.663 toneladas, o equivalente a 52% da produção nacional, colocando o estado como o maior produtor do fruto do país.

Progene explica que, atualmente, todo o cacau produzido nas comunidades é vendido muito abaixo do preço de mercado, já que é produzido sem atender aos critérios de produção de amêndoas de qualidade e agregação de valor. “Nosso objetivo, com a pesquisa, é no mínimo triplicar esse valor, sem expansão da produção, mas agregar valor ao que já existe”, diz.

Entre as vantagens do cacau de várzea é que ele não contém aditivos químicos. “São os rios que trazem os macro e micro nutrientes, as amêndoas se espalham naturalmente e vão nascendo novas árvores, e também é possível pensar em viveiros. O processo do cacau de várzea é todo natural, por isso os produtos feitos a partir da fruta são muito cobiçados pelo mercado internacional. Com o cacau nada se perde, é possível fazer chocolate, sabonete, doces e vários produtos”, explica.

Segundo a professora, a proposta é que a partir dos estudos, seja possível estabelecer um protocolo para que essa amêndoa de cacau nativo tenha um elevado padrão de qualidade, especialmente para atender mercados específicos como o de cacau orgânico, finos ou gourmet. 

“Nossa intenção é impulsionar a produção de amêndoas de qualidade, adequadas para o consumo e para a transformação em chocolate, ou em outros subprodutos, servindo de base para o processo de reconhecimento da indicação de procedência do cacau nativo do Baixo Tocantins, que é a região que concentra a maior área produtora de cacau de várzea do estado”, 

diz.

A expectativa é também conseguir replicar a pesquisa nos municípios ao redor de Mocajuba. E ela explica que, ao término da pesquisa, será possível ter um guia de beneficiamento primário de cacau de várzea, o que pode ajudar produtores de todo o estado a produzir um cacau com alto valor de mercado.

“Nós vamos poder dar início à criação de um banco de dados sobre as florestas de várzeas e possibilitar a elaboração de um guia de beneficiamento de cacau de qualidade, específico para o cacau nativo de várzea. O guia será de grande utilidade para as comunidades, visando alcançar produtores que almejam melhorar a qualidade do processo, produto final e agregar valor à sua produção, estabelecendo ritos de controle de qualidade”, diz.

Para isso, os pesquisadores vão analisar todo o processo de beneficiamento do cacau, em que serão testados diferentes tipos de beneficiamento primário, passando pela colheita, pós-colheita, quebra, transporte, fermentação, secagem e armazenamento. “Nós vamos testar diferentes métodos de fermentação e secagem, avaliar os parâmetros químicos e bioquímicos, inclusive identificando compostos fenólicos que tenha efeitos preventivos, curativos e, atividades antioxidantes do cacau”, diz a pesquisadora. O grupo também vai fazer análises de água, solo, vegetação e fruto para caracterizar a origem e a qualidade do produto.

“A colheita, por exemplo, se bem realizada, juntamente com a quebra, pode favorecer o processo fermentativo, nessa etapa a escolha dos frutos impacta no produto final. A fermentação, se bem conduzida pode gerar um produto do tipo fino ou especial, mas para sabermos disso, precisamos testar vários tipos de fermentação, tempo e outros aspectos. Na secagem do cacau, a umidade é reduzida e algumas reações enzimáticas, iniciadas na fermentação, é que darão às amêndoas o sabor característico de cacau e chocolate. Por isso faremos testes de secagem ao ar livre e em estufas elétricas. As sementes serão submetidas ao processo de secagem in natura e amêndoas fermentadas. As sementes e as amêndoas serão submetidas a dois tipos de secagem: ao sol e a sombra”, explica.

No armazenamento, para conservar a integridade e a qualidade do produto final das amêndoas bem fermentadas e secas, serão realizadas análise dos fatores que afetam a qualidade das amêndoas secas durante o armazenamento. Posteriormente os pesquisadores irão realizar as análises físico-químicas na água, sedimento, vegetação, frutos, amêndoas e licor do cacau. “As análises serão usadas como ferramentas para caracterização química, geoquímica, biogeoquímica para identificar modificações ocorridas nas áreas de várzeas, além da prospecção de inovação nos processos de fermentação e secagem das amêndoas como produto de qualidade”, diz. As análises serão realizadas tanto na Ufra, quanto no Museu Paraense Emilio Goeldi, além de laboratórios particulares.

Todas essas análises também serão feitas a partir de sensoriamento remoto, cartografia básica e informação de campo. “O sensoriamento remoto vai ajudar no mapeamento da áreas de várzea e na espacialização dos dados da pesquisa, além de dar suporte à base cartográfica, o que nos permite conhecer melhor os fenômenos existentes e gerar mapas-piloto que mostrem a presença de sistemas agroflorestais e do cultivo de cacau”, diz a pesquisadora.

As coletas das amostras de água, solo, vegetação e os frutos de cacau serão realizadas nos períodos em novembro, janeiro, maio e julho, já que as safras do cacau nativo sofrem influência das variações climáticas.

O projeto “Beneficiamento primário, propriedades físicas e químicas das amêndoas de cacau nativo (theobroma cacao) e sistema informativo geográfico das ilhas de várzea” é realizado pela Ufra, e foi contemplado com recursos de edital de financiamento da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) e com a interveniência da Fundação de Apoio à Pesquisa (Funape) até 2024. 


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