O impacto dos lixões em Manaus

Especialistas comentam por quê a manutenção da limpeza das cidades é um trabalho conjunto entre governo e sociedade.

O lixo não é somente um problema ambiental, mas também de saúde e qualidade de vida. Por isso, falar sobre seus processos de coleta e descarte é essencial para entender de que forma tem impactado no cotidiano das pessoas e o Portal Amazônia procurou especialistas para entender como o lixo é tratado em Manaus, no Amazonas

Para se ter uma ideia, em 2020 foi recolhida uma massa de 877.308 toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos, envolvendo as cinco modalidades de trabalho, com média diária de 2.395,2 toneladas, e uma coleta per capita de 1,080 Kg por dia. em 2021, foram recolhidos 836.906 toneladas de Resíduos Sólidos Urbanos, envolvendo as modalidades de trabalho, com média diária de 2.292,9 toneladas e uma coleta per capita de 1,016 quilos por dia. Os dados são da Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp).

É muito lixo recolhido, mas é nesse momento que a população em geral “perde” o conhecimento sobre o que é feito com esses resíduos. A mestra em Ciências Florestais e Ambientais e pesquisadora no Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (INPA), Marcela Amazonas, explica, primeiro, qual a diferença entre os tipos de destinações de resíduos. 

E, segundo a pesquisadora, a maior diferença entre eles é o investimento:

“Nos lixões, não tem nenhum investimento. Ele surge a céu aberto, resultado de muito tempo, algo é ‘maquiado’ ou simplesmente abandonado e depois aterrado. No aterro controlado, há uma cobertura no solo [de argila e grama, mas não recebe impermeabilização do solo, sistema de dispersão de gases nem tratamento do chorume]. No aterro sanitário, o solo é totalmente impermeabilizado, projetado de acordo com a demanda atual e perspectiva para um período determinado futuro e todo construído para pensar na logística deste material. [É nesse último sistema que] tem oficina para os caminhões, balança de controle de volume diário e rotas planejadas”, 

explica Marcela.

Assim, o lixão é o conjunto de lixos de todo tipo que são amontoados em qualquer local. E é dessa forma que ele se torna um dos piores inimigos da sociedade, gerando muitos impactos negativos para o meio ambiente. É o que o Engenheiro Ambiental, Mestre em Ciências Ambientais pelo PPGCASA/UFAM e pesquisador na área de saneamento básico dos grupos de pesquisa UPEC (UFAM), Rodrigo Couto, explica. 

Segundo ele, o lixão “é como uma descarga sobre o solo, sem qualquer medida de proteção ao meio ambiente”.

“Dentre os impactos gerados pelos lixões, podemos destacar: proliferação de vetores, geração de maus odores, geração do metano [gás de efeito estufa vinte vezes mais impactante que o dióxido de carbono], poluição do solo, dos corpos hídricos e dos lençóis freáticos pela infiltração do chorume. Também não há nenhum controle sobre os resíduos dispostos, além da presença dos catadores de materiais recicláveis que atuam de forma insalubre”,

afirma Couto.

De acordo com o especialista, as principais doenças ocasionadas pela presença dos lixões são as oriundas dos vetores, dos metais pesados e das queimadas. “Em relação às doenças ocasionadas pelos vetores presentes nos lixões podemos citar leptospirose (ratos), febre tifóide (baratas), malária (mosquitos), amebíase (moscas), teníase (porcos) e toxoplasmose (cães). Quanto aos metais pesados podemos citar os distúrbios renais (mercúrio), osteoporose (cádmio) e anemia (chumbo). Os respiratórios (asma) são causados principalmente pelas queimadas nos lixões”, explica Rodrigo Couto.  

Dessa forma, os lixões são um dos maiores problemas urbanos, capazes de causar danos à saúde e ao meio ambiente em dimensões assustadoras. Os efeitos podem ser sentidos por muito tempo, isso porque alguns materiais, como o plástico, por exemplo, demoram centenas de anos para se decompor. Os especialistas concordam que, apesar da população ter conhecimento do impacto que as ações causam no meio ambiente, a maioria das pessoas ainda não se conscientizou quanto ao descarte apropriado.

Marcela Amazonas destaca que resíduo é tudo que foi usado e descartado, porém, por mais insignificante que pareça, produzem impactos desgastantes para o meio ambiente.

“Os impactos dos resíduos descartados vão muito além dos ditos pelos anos escolares ou em reportagens. Os resíduos são a matéria-prima comprada, são as embalagens bonitas e onerosas dos presentes, é a falta de manutenção das torneiras que pingam por tempos sem fim. Os resíduos descartados contaminam a vida, ao deixar de gerar renda e novas fontes de trabalho”, 

afirma Marcela.

Orla do Amarelinho, no bairro Educandos, em Manaus. Foto: Marcela Amazonas/Arquivo pessoal

Segundo a especialista, os lixões “não chegaram do nada”, eles são resultados de décadas de descuido e falta de respeito com o meio ambiente. E não adianta tentar “maquiar”, eles precisam ser eliminados urgentemente. “O governo cercar ou colocar dutos não os transformam em aterros. Aterro nasce aterro, tem estudo de solo, controle de gases e chorume. Lixão é lixão, no máximo fica um ‘lixão arrumado’. Tem que controlar o que a população descarta, como descarta e o que fazer com o que for descartado”, afirmou Marcela. 

Desse modo, a manutenção da limpeza das cidades, que também deve levar em consideração os rios na região amazônica, é um trabalho conjunto entre governo e sociedade.

“Infelizmente, ainda falta consciência […] ainda estamos lutando para que entendam que o plástico jogado hoje na rua, volta na próxima enchente. Resíduo é dinheiro. Simples. Direto. Ou se entende isto ou ainda sofreremos mais e mais”,

afirma Marcela Amazonas.

Trecho da Avenida da Silveira, no bairro Petrópolis, é um dos exemplos de descarte incorreto de lixo. Foto: Adneison Severiano/Acervo/g1 Amazonas

Ainda segundo Marcela Amazonas, é preciso firmeza nos processos da política dos ‘5Rs’: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar. “A Amazônia é rica. Todos sabem. Mas é rica em uma população pulsante que demanda de respostas e de mudança de atitudes de forma imediata. É uma questão que só pode ser tratada pelo viés da educação e pela firmeza nos processos seguintes: coleta, triagem e reutilização. Tanto que o último R é o RECICLAR. O primeiro é REPENSAR. E o tal repensar serve para todas as esferas: população, governo e instituições”, ressaltou. 

Ou seja, é necessário não só combater e controlar os lixões, mas principalmente, eliminar qualquer raiz de descarte inadequado, prevenindo assim, que o meio ambiente seja destruído e que a saúde das pessoas seja prejudicada.  

Ações de limpeza em igarapés de Manaus. Foto: Reprodução/Semcom Manaus

O prejuízo do lixo nas cidades

Nem todos os lixões ficam fora da área urbana, gerando muitos impactos negativos e muito mais próximos à cidade. 

“Não podemos esquecer que a política nacional de resíduos sólidos aprovada em 2010, previa a erradicação dos lixões até agosto de 2014. Infelizmente nada foi feito. No Amazonas exceto Manaus, 100% dos municípios do interior tem lixões a céu aberto. Uma lástima”.  É o que afirma Neliton Marques, engenheiro agrônomo e professor do Programa de Pós Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia (PPGCASA/UFAM), com foco em Gestão de Resíduos Sólidos e Planejamento de Projetos Ambientais. 

“A maioria [dos lixões] fica na área de expansão urbana e outros na área urbana, ambos causando impactos severos ao meio ambiente pelo fato de serem receptores de descarte inadequado dos resíduos sólidos”, explica. 

O professor lembra que não são apenas os lixões em si que prejudicam a população, mas também qualquer pequeno foco de lixo acumulado nas vias da cidade. 

“O impacto específico das lixeiras viciadas, que ficam próximas às casas, resultam de dois fatores principais: ausência de educação ambiental por parte de quem faz esse descarte inapropriado e precariedade ou mesmo ausência no sistema de coleta de resíduos sólidos em suas diferentes modalidades, inclusive a seletiva”, completa o engenheiro.

Neliton Marques ainda ressalta que é preciso pontuar as causas que levam à formação de lixões em terrenos baldios: “Ausência de uma política urbana de natureza fiscal, punindo com elevadas taxas ou imposto aos proprietários que não protegem seus terrenos e reduzindo aqueles que dão uma destinação sustentável, como a promoção de práticas de agricultura orgânica urbana. Outra solução seria o aprimoramento da coleta seletiva, ações de educação ambiental e promoção da economia circular, na perspectiva de que lixo tem valor econômico”.

E um dos principais exemplos do problema do descarte incorreto é a quantidade de lixo que foi retirada dos rios e igarapés de Manaus entre o fim de 2021 e o começo de 2022. De acordo com a Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp), foram recolhidos 700 toneladas de lixo em apenas 30 dias. Após a retirada dos resíduos sólidos dos rios, o material foi acomodado em balsas e encaminhado ao aterro sanitário para o descarrego, onde os resíduos sólidos são compactados e aterrados. 

A modalidade de limpeza dos igarapés e orla da cidade retirou, em média, 35 toneladas de lixo por dia ao longo de 2021. Grande parte destes materiais retirados das águas é de garrafas PETs, descartáveis e resíduos domésticos que poderiam ser reciclados. 

A Semulsp é a responsável pelo aterro sanitário e, em resposta a reportagem do Portal Amazônia, informou que: “o Aterro de Resíduos Sólidos de Manaus é o único complexo de destino final dos resíduos sólidos urbanos sob a gestão da Prefeitura de Manaus. A área é estimada em 66 hectares e está localizada no km 19 da rodovia AM-010. O complexo possui licença ambiental de operação fornecida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM)”.

De acordo com a pasta, os resíduos recebidos pelo complexo tem três tipos de destinação: aterramento; reciclagem (encaminhamento para os galpões de catadores); e produção de composto orgânico realizada pela Usina de Compostagem, localizada no Aterro.

“A compostagem é uma das mais importantes por reduzir a quantidade de resíduos orgânicos no corpo do aterro. Implantado em 2005, o serviço tem como objetivo aproveitar os restos de resíduos animais e vegetais coletados na cidade para serem transformados em adubo orgânico e serem utilizados na jardinagem municipal”, enfatiza a secretaria.

Outros serviços realizados são o controle e medição dos gases. “Os aterros de resíduos sólidos normalmente emitem dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) na atmosfera, sendo que esses compostos são gerados pela decomposição anaeróbica dos resíduos orgânicos ali depositados, em que o metano tem um grau de poluição da atmosfera de, aproximadamente, 22 vezes mais que o dióxido de carbono. Um serviço executado pelo Aterro de Manaus, desde 2008, mas pouco notado pela população da cidade, se refere à captura, coleta e queima limpa desses gases. A operação de controle e medição da emissão dos gases é realizada exclusivamente pela Conestoga-Rovers e Associados Engenharia Ltda. (CRA). A empresa Det Norske Veritas (DNVé a responsável pela Certificação das emissões reduzidas que está em andamento”, especifica a Semulsp.

Foto: Reprodução/Semulsp

Lembra dos dados de coleta citados no início dessa matéria? Segundo o subsecretário de operações da Semulsp, José Rebouças, os serviços de Coleta e Transporte de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) são executados por duas concessionárias e estão subdivididos, conforme contrato de concessão em cinco modalidades:


  • Coleta domiciliar: que recolhe todos os dias resíduos de domicílios, pequenas indústrias, comércio, bancos, escolas, e outros locais seguindo roteiros previamente definidos. É realizado na área urbana de Manaus e nas principais comunidades e ramais ao longo das rodovias AM 010 e BR 174, além da bacia do Tarumã. Quanto à frequência, na área urbana a coleta é realizada diariamente e nas rodovias e ramais em dias alternados; já na bacia do Tarumã, a coleta é fluvial e realizada uma vez por semana;
  • Remoção mecânica: resíduos que não podem ser recolhidos de forma manual e que não sejam domiciliares, atividade realizada quando da realização de mutirões de limpeza em localidades de Manaus e Igarapés e outros logradouros públicos;
  • Remoção manual: recolhe resíduos depositados fora do horário de coleta regular e pontos de lixo de difícil acesso localizados na cidade;
  • Coleta de poda: atividade executada após os serviços de poda e roçagem. Tais resíduos, quando no aterro, são encaminhados à compostagem para serem transformados em composto orgânico;
  • Coleta Seletiva: esta modalidade caracteriza-se por cinco estratégias de execução da coleta: Coleta nos Pontos de Entrega Voluntária (Pev’s), Coleta no Centro, Coleta Agendada, Coleta no Galpão da Logística Reversa, Coleta nas Associações e Cooperativas apoiadas pela SEMULSP.

Segundo ele, todos os bairros de Manaus são contemplados com a coleta domiciliar.

E quanto ao descarte de objetos grandes? 

O lixo não é apenas embalagens, papéis, comidas. Também acaba se formando por materiais de grande porte, como sofás, camas, TVs e geladeiras, descartados irregularmente, principalmente nas áreas da cidade onde passam igarapés ou mesmo em vias públicas. Por conta disso, a Prefeitura de Manaus passou a realizar o serviço de coleta agendada de grandes objetos, que pode ser solicitado por meio do WhatsApp (92) 98415-9563 ou (92) 98459-5618.

A coleta acontece entre 8h e 16h, durante a semana. É necessário informar quais objetos serão recolhidos enviando fotos, o endereço da retirada, o telefone para contato e o nome da pessoa que vai acompanhar a equipe. Em 2021, mais de 12,2 mil atendimentos foram realizados pelo projeto.

José Rebouças ressalta que “além da limpeza diária, a pasta, por meio da Comissão Especial de Divulgação da Política de Limpeza Pública (CEDOLP), tem realizado campanhas e ações de conscientização na cidade por meio de redes sociais e ampla mídia, nos bairros e também de porta em porta”.

“Também temos o grupo Garis da Alegria, que colabora com essa campanha. Porém nada disso tem resultado se a população não se conscientizar e fazer o descarte correto dos seus resíduos. A prefeitura conta também com 23 Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) nos principais supermercados da cidade para o recolhimento do lixo reciclável. Ou seja, o lixo descartado é fonte de renda para quem precisa. Um motivo a mais para todo mundo colaborar”,

destaca o secretário. 

Caixas coletoras instaladas nos Pev’s da cidade. Foto: Divulgação/SEMULSP/Prefeitura de Manaus

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