Livro analisa obra de Paul Le Cointe sobre a Amazônia e apresenta diário inédito de viagem

Naturalista francês com extensa produção sobre a Amazônia, Cointe testemunhou um momento chave do processo colonial que integrou a Amazônia ao capitalismo mundial.

O livro ‘Viagem circular de Paul Le Cointe’ compartilha com o leitor o diário da viagem ao rio Madidi do naturalista francês Paul Le Cointe (1870 – 1956), um panorama amplo de diferentes aspectos da produção de borracha no corredor formado pelos rios Madidi – Beni – Madre de Dios – Mamoré – Madeira. E, além do diário, ‘Viagem circular’ traz também um estudo biográfico de Le Cointe, uma análise do contexto histórico do diário e um ensaio sobre a obra do naturalista.

A publicação é resultado de cooperação franco-brasileira envolvendo quatro pesquisadores – os historiadores Nelson Sanjad, Heloisa Bertol Domingues e Patrick Petitjean e a antropóloga Emilie Stoll. A parceria acadêmica teve início após a entrega dos originais do diário de Paul Le Cointe à editora do Museu Paraense Emílio Goeldi pelo premiado jornalista Lúcio Flávio Pinto, que o recebeu como herança da química e estudiosa da Amazônia, Clara Pandolfo.

Os temas do livro, o resgate do diário e os personagens icônicos da história da Amazônia envolvidos  nessa saga foram o assunto do Seminário ‘Paul Le Cointe na Amazônia: colonialismo e ciência no contexto da economia da borracha,  1890 – 1920’, nesta segunda-feira (1°), no Centro de Exposições Eduardo Galvão, no Parque Zoobotânico do Museu Goeldi, com a participação dos organizadores da publicação, co-editada pelo Museu Goeldi, Projeto Emergence(s) Ville de Paris Exorigins, da Prefeitura de Paris e o Museu de Astronomia e Ciências Afins.

Paul Le Cointe

O historiador Nelson Sanjad, pesquisador do Museu Goeldi e editor de Viagem Circular, juntamente com a historiadora Heloísa Bertol Domingues (MAST) e a antropóloga Emilie Stoll (CNRS), conta que o naturalista francês chegou à Amazônia em 1891 para explorar a Guiana e o Amapá, mas, por razões políticas, o projeto foi cancelado pelo governo da França. No Brasil, Le Cointe se fixou em Óbidos, onde trabalhou como agrimensor e cônsul, depois foi contratado para gerenciar um seringal na Bolívia, no rio Madidi, afluente do Beni. “É essa viagem, de Óbidos ao Madidi (e o retorno ao Brasil após trágicos acontecimentos), que ele descreve no diário”, esclarece o historiador.

Apesar de algumas de suas obras já serem conhecidas, entre elas seus escritos sobre o cultivo de cacau e borracha e as observações sobre as características naturais e sociais da região amazônica, a publicação de seu diário pessoal sobre a viagem ao rio Madidi ainda é inédita. Sanjad também destaca que “Le Cointe foi autor de vasta obra sobre a Amazônia e o Pará, como os clássicos ‘Amazônia Brasileira’ e ‘O Estado do Pará’.

Foi pioneiro nos estudos fitoquímicos de espécies amazônicas, tendo influenciado toda uma geração de químicos brasileiros. Também foi autor de ensaios capitais sobre as possibilidades de desenvolvimento da Amazônia, tendo elaborado o primeiro projeto para a criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA, que originou a atual Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM”.

Considerado como um importante testemunho sobre a produção da borracha na Amazônia no auge da economia gomífera ao observar e descrever a atuação e o envolvimento de diferentes grupos e seus interesses no sistema produtivo da hevea brasiliensis, desde investidores, burocratas, milícias armadas a trabalhadores, geralmente migrantes empobrecidos e povos indígenas escravizados, Sanjad lembra que, sendo um documento datado, o diário de viagem de Paul Le Cointe deve ser contextualizado, por isso não foi apenas relançado, mas reeditado.

“O diário da viagem ao rio Madidi fornece um panorama inédito da infraestrutura de produção de borracha no corredor formado pelos rios Madidi-Beni-Madre de Dios-Mamoré-Madeira, incluindo as principais propriedades, o contingente humano, a produção econômica, os meios de transporte, as condições de navegação e de saúde, o processo de urbanização etc., além de uma crônica social sarcástica e, por vezes, bastante racista. Este diário pode ser considerado um dos melhores testemunhos de época sobre o violento processo colonial que integrou a Amazônia ao capitalismo mundial a partir da exploração da borracha”, explica o pesquisador que também já biografou o suíço Emílio Goeldi, cientista que consolidou o Museu Paraense, e que está incorporado no nome da instituição.

Além do diário, a obra traz um estudo biográfico produzido pelo historiador francês Patrick Petitjean, uma análise do diário feita pelo professor Sanjad em coautoria com a antropóloga Emilie Stoll e um ensaio sobre a obra de Le Cointe assinado pelos três pesquisadores.

A descoberta do Diário

O livro Viagem Circular foi prefaciado pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto, guardião do texto original, e quem solicitou ao Museu Goeldi a produção da publicação que será lançada nesta segunda (1° de julho).

Lúcio Flávio lembra que o diário original chegou até ele por intermédio da então chefe do Departamento de Recursos Naturais da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Clara Pandolfo, que deixou o diário como presente ao jornalista depois de anos de amizade. 

“Durante muitos anos eu a visitava no seu gabinete. Das entrevistas ao repórter, passamos a conversas mais longas, autênticas aulas que ela me concedia. Antes de morrer, ela disse aos parentes que o diário de Paul Le Cointe, que foi seu professor, era meu. Avisado pelos parentes, que não sabiam onde estava o documento, fui atrás dele, onde eu o tinha visto certa vez. E assim herdei o diário”, lembrou Lúcio Flávio Pinto.

Agraciado com quatro prêmios Esso e dois da Federação Nacional dos Jornalistas, por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, Lúcio Flávio, também sociólogo de formação, avalia que a publicação oferece ao leitor a preciosa oportunidade de comparar as transformações ocorridas na região do Rio Madeira, parte brasileira da viagem do naturalista e um dos principais afluentes do Rio Amazonas.

Um século após a passagem de Paul Le Cointe, a área viria abrigar duas das maiores hidrelétricas do mundo, ter intensa movimentação de embarcações transportando principalmente soja e ser impactado por um terrível garimpo de ouro.

Conhecedor da história e da realidade amazônica, Lúcio Flávio Pinto, após analisar a publicação Viagem Circular, considera que o público receberá uma grande obra de referência. 

“O resultado do trabalho é de alto nível, centrado no diário, mas contextualizando a sua época e atualizando e aprofundando o conhecimento do vale do rio Madeira”, pontua o jornalista, autor de 21 livros sobre a Amazônia e leitor voraz.

O livro

‘A viagem circular de Paul Le Cointe’ é um livro de capa dura com 484 páginas, com imagens e encarte do mapa do trajeto da viagem. O lançamento ocorreu durante o Seminário ‘Paul Le Cointe na Amazônia: colonialismo e ciência no contexto da economia da borracha,  1890 – 1920’ e está disponível gratuitamente no formato de e-book no portal do Museu Goeldi.

Já os interessados em adquirir a versão impressa do livro, que serão entregues apenas em agosto, devem reservar o exemplar no Seminário de lançamento ou clicando nesse link. O preço de capa do livro ‘A viagem circular de Paul Le Cointe’ é de R$190,00 (cento e noventa reais) com desconto para reservas realizadas até 2 de julho. 

A publicação estará disponível para venda a partir de agosto na Biblioteca Domingos Soares Ferreira Penna, no Campus de Pesquisa do Museu Goeldi, localizado na Avenida Perimetral, n°1901, e na Travessia Livraria, na Alcindo Cacela, em Belém (PA).

*Com informações do Museu Paraense Emílio Goeldi

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