Foto: Reprodução/University of Cambridge
Para proteger a Amazônia e apoiar o bem-estar do seu povo, a sua economia precisa mudar de uma produção prejudicial ao meio ambiente, para um modelo construído em torno da biodiversidade, das populações indígenas e das comunidades tradicionais, visando a manutenção da floresta em pé.
Um grupo de pesquisadores do Brasil, incluindo a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Bolívia, Peru, Equador, EUA e Reino Unido afirmam que os atuais esforços de conservação e desenvolvimento nunca serão sustentados ou ampliados sem mudanças sistêmicas na forma como as economias são concebidas.
Apesar da extensa destruição da Amazônia em nome do desenvolvimento econômico, as comunidades amazônicas registraram poucas melhorias na renda, na expectativa de vida e na educação. Os pesquisadores sugerem um novo modelo e mudanças políticas associadas que poderiam criar um futuro justo e sustentável para a Amazônia e seu povo, melhorando a infraestrutura, as cadeias produtivas e as organizações sociais.
Os seus resultados, publicados na revista Nature Ecology and Evolution, centram-se na Amazônia, mas os pesquisadores afirmam que modelos econômicos semelhantes poderiam ser implementados em outros biomas se existir vontade política.
“Precisamos de uma visão diferente para a Amazônia se quisermos protegê-la”, disse a autora principal, Professora Rachael Garrett, do Departamento de Geografia da Universidade de Cambridge e do Instituto de Pesquisa em Conservação. “Meio século de desmatamento e exploração da Amazônia não resultou num desenvolvimento para toda a sua população, e agora o valor econômico das áreas desmatadas está ameaçado, para não mencionar as ameaças ao clima global e à segurança hídrica.”
O cerne da proposta é aproveitar o sucesso das comunidades indígenas e tradicionais para desenvolver novas economias, que poderiam proteger grande parte da Amazônia e, ao mesmo tempo, melhorar os meios de subsistência, a saúde e a segurança alimentar das muitas pessoas que aí vivem. Estes modelos econômicos são conhecidos como sociobioeconomias (SBEs), e já podem ser vistos em ação no Mato Grosso, de acordo com o pesquisador Oscar Zalla Sampaio Neto, da UFMT.
Desde em 2023, pesquisadores da área de ciência e tecnologia de alimentos da UFMT, em parceria com grupos de pesquisa de outras 06 universidades brasileiras, desenvolvem o projeto Fortalecimento da cadeia de valor da castanha-do-Brasil: uma abordagem focada na Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Juruena/MT), aprovado no âmbito da Iniciativa Amazônia +10.
“A UFMT tem um histórico de 20 anos no desenvolvimento de tecnologias sociais, aquelas criadas no diálogo direto com as comunidades que devem tirar proveito delas. Dentre as iniciativas apoiadas pela Instituição está a da COOPAVAM, uma cooperativa na região de Juruena que coleta e processa castanhas para produção de óleo, utilizado em cosméticos, e de alimentos, com venda nacional e exportação”, afirmou.
O modelo SBEs é focado em usar e restaurar ecossistemas de forma sustentável, e apoiar populações indígenas e comunidades tradicionais. As SBEs vão desde o ecoturismo, a colheita e processamento sustentáveis de produtos produtos florestais não madeireiros em alimentos, bebidas, roupas e medicamentos.
“A COOPAVAM surgiu no assentamento Vale do Amanhecer, onde há uma reserva florestal comunitária. No início eles utilizavam apenas essa reserva para a coleta de castanha do brasil, mas com o crescimento da cooperativa, passaram a incluir as comunidades indígenas ao redor, que coletam em suas próprias terras. Isso faz com que a floresta em si gere renda para as comunidades, diminuindo a pressão sobre o desmatamento e mantendo a sustentabilidade do processo”.
Hoje, a operação da COOPAVAM envolve aproximadamente 400 pessoas, que têm como principal fonte de renda as atividades vinculadas à cooperativa, resultando em uma melhoria considerável em sua qualidade de vida.
“Pelo seu histórico de atuação, a UFMT tem papel central nesse projeto, tanto na articulação, para que houvesse apoio de outros parceiros, quanto na aproximação com a COOPAVAM. Tudo isso foi construído em diálogo constante, que é outro aspecto fundamental das SBEs, a salvaguarda dos processos decisórios das comunidades envolvidas”.
No artigo publicado na revista Nature Ecology and Evolution, os pesquisadores apresentam recomendações e salvaguardas para o desenvolvimento das SBEs. Sob um modelo de SBEs, os subsídios governamentais seriam direcionados para o desenvolvimento sustentável. Eles também descrevem como construir conexões entre políticas rurais e urbanas nas SBEs.
Outras mudanças políticas que poderiam dar suporte a um modelo SBEs incluem redirecionar o financiamento para atividades de conservação e restauração, apoiar empreendimentos comunitários e garantir processos participativos para garantir benefícios inclusivos e de longo prazo.
“É possível ter uma economia forte e que funcione para todos quando ousamos desenvolver novos modelos e visões que reconheçam a interconexão entre pessoas e natureza”, disse Garrett. “Ao popularizar essas ideias, investir em pessoas e empresas que estão fazendo a diferença e apoiar a pesquisa em inovação, podemos apoiar uma transformação tanto na conservação quanto no desenvolvimento na Amazônia”.
“O modelo SBEs pode ajudar a proteger a Amazônia e seu povo, evitando desastres climáticos e de biodiversidade, mas é preciso haver vontade política para que isso aconteça.”
*Com informações da UFMT