Entenda como a falta de clareza do conceito de ‘bioeconomia’ pode prejudicar a Amazônia

Estudo publicado na Ecological Economics mostra que a falta de definição do termo bioeconomia pode ser prejudicial à Amazônia e sua população.

Biotecnologia, biorrecursos, biomassa, biogás, biocombustíveis, produtos de biodiversidade de valor agregado, economia ecológica… São muitos os termos, conceitos, produtos e processos que envolvem o que a comunidade científica atualmente chama de Bioeconomia. E é essa amplitude do termo, ou falta de clareza, que pode colocar em risco a sustentabilidade dos ecossistemas e populações amazônicas, segundo estudo publicado no periódico internacional Ecological Economics.

O artigo “A falta de clareza sobre o conceito de bioeconomia pode ser prejudicial para os ecossistemas amazônicos e seus povos“, afirma que a bioeconomia é um termo amplo com diferentes significados e que pode se adequar a diferentes agendas científicas, políticas e mercadológicas.

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Para os países amazônicos e sua diversidade de contextos regionais, o trabalho recomenda o termo “sociobioeconomia” como uma das abordagens mais adequadas.

A Amazônia é a região de maior biodiversidade do mundo, lar da maior floresta tropical do planeta, que é o centro da regulação climática global, e tem uma população de cerca de 30 milhões de pessoas. A região contém 59% do território brasileiro, 70% de todas as áreas protegidas continentais e 83% de todas as terras indígenas do Brasil.

Sociobiodiversidade

Um conceito que expressa a inter-relação entre a diversidade biológica e a diversidade dos sistemas socioculturais. É a combinação de todos os organismos vivos na natureza, pessoas, cultura e tradições. 

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Diferentes conceitos e narrativas

O grupo de pesquisadores discutiu os termos e conceitos em uso e avaliou seu impacto na tomada de decisão sobre políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia. A trajetória do conceito envolve três visões, segundo a literatura científica: a bioeconomia biotecnológica, focada em tecnologias intensivas em ciência para aumentar a eficiência ambiental; a bioeconomia de biorrecursos, que propõe aumento da produtividade e intensificação do uso da terra; e a bioeconomia focada em processos ecológicos que promovam a biodiversidade, entre outras questões.

Para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO),por exemplo, bioeconomia é “Produção, utilização, conservação e regeneração de recursos biológicos – incluindo conhecimento relacionado, ciência, tecnologia e inovação – para fornecer soluções sustentáveis (informações, produtos, processos e serviços) em todas as áreas econômicas, possibilitando a transformação para uma economia sustentável”.

Já para a Comissão Europeia, bioeconomia é termo “relacionado a todos os setores de produção primária que utilizam e produzem recursos biológicos (agricultura, silvicultura, pesca e aquicultura) e a todos os setores econômicos e industriais que usam recursos e processos biológicos para produzir alimentos, rações, produtos de base biológica, energia e serviços”.

A bioeconomia, portanto, como atesta a pesquisadora, é pensada ou tratada de acordo com as necessidades de cada segmento social e com as especificidades de cada país ou região. “Alcançar consenso sobre termos e princípios fundamentais não é apenas uma questão de semântica. Novos campos de atuação trazem novas visões e narrativas que disputam recursos, investimentos e políticas públicas. Dessa forma, as narrativas dominantes têm o poder de definir futuras estratégias de desenvolvimento para a Amazônia”, afirma Ferreira.

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Sociobioeconomia para a Amazônia

Pelo fato de o termo ser ambíguo e pouco claro, a bioeconomia, dependendo de sua abordagem, pode também causar impactos negativos ao ambiente. Os pesquisadores apontam o exemplo da produção do fruto do açaí (Euterpe oleracea Mart.), que é o produto da bioeconomia mais proeminente da Amazônia e o primeiro a ultrapassar um valor de mercado de US$ 1 bilhão, em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Ao mesmo tempo que a produção do fruto pode promover a conservação e o empoderamento local quando manejado de forma adequada, a rápida expansão do mercado tem levado à superexploração das florestas de várzea no estuário amazônico e à erosão da biodiversidade”, aponta a pesquisadora Ima Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que também assina o artigo. 

Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Para o pesquisador da Embrapa Roberto Porro, também coautor da análise, o uso do termo bioeconomia precisa ser qualificado, e dar lugar ao conceito alternativo de sociobioeconomia.

Porro acrescenta que as múltiplas expressões da sociobioeconomia amazônica constituem uma abordagem inclusiva à bioeconomia, por meio da qual a Embrapa visa reposicionar as operações na região. Os pilares dessa abordagem compreendem sistemas de produção sustentáveis, agregação de valor ao conhecimento e estilos de vida locais, segurança alimentar, equidade, repartição de benefícios e redução da pobreza.

“O conceito de sociobioeconomia pode fomentar sistemas econômicos alternativos, em contraste com uma abordagem business-as-usual, pois está em linha com as relações harmoniosas entre comunidades indígenas, locais e tradicionais e seu ambiente”, afirma o artigo. Mas os autores argumentam que o termo é baseado nos valores de justiça, ética, inclusão social, conservação da biodiversidade, equilíbrio climático e conhecimento tradicional. 

*Com informações de Embrapa Amazônia Oriental

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